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Vida corrida- a última corrida - parte 3

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A Honda RS 125 foi a única moto verdadeiramente de corrida que pilotei na vida

Mais um capítulo da série Vida Corrida, se você perdeu as duas primeiras partes, clique AQUI e AQUI

Último!

A paixão por carros e motos de corrida só foi aumentando a ponto de aos 10 anos de idade eu já não me concentrar em mais nada. O nível de loucura era tanta que eu e meu irmão mais velho íamos de bicicleta, assistir corridas, mas sem grana pra pagar o jeito era pular o muro. Escondíamos as bicicletas num matagal e pulávamos o muro pelo kartódromo. Uma vez meu irmão pulou o muro e ficou tudo em silêncio. Chamei e nada. De repente ele apareceu em cima do muro, branco e gritou:

- Cooorre que a cavalaria me viu!

Sim, naquela época o policiamento era feito a cavalo. E eles tinham fama de bravos. Os policiais e os cavalos.

Depois ganhei a companhia do meu primo e parceiro de doença Irineu. A gente matava aula, ia para Interlagos durante a semana pra procurar pedaços de carros de corrida. Se tinha adesivo legal eu pegava, se não tinha deixava lá. O autódromo nos anos 70, antes da F-1 era enorme, tinha barrancos, abismos, nascentes e a gente andava ele o dia inteiro a pé. Enquanto nossas mães achavam que estávamos na escola... imagine isso hoje em dia, nossas fotos apareceriam no Facebook como "desaparecidos".

Passados 29 anos eu estava de novo andando em Interlagos. Mas em uma moto de corrida.

Aquela era a minha terceira temporada na categoria 125 Especial. A primeira, em 1997 foi de aprendizado porque fiz apenas algumas etapas graças a uma ajuda inesperada. O velho amigo Alemão ofereceu para correr na moto dele e foi totalmente sincero:
- Prefiro patrocinar um jornalista que chega em último a um piloto de verdade que chega em terceiro. Pelo menos sei que a foto vai sair na revista!

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O status de piloto de teste e jornalista facilitava para conseguir algumas ajudas.

Juro que não fiquei ofendido pelo "piloto de verdade", mas aproveitei para terminar as provas de 1997, já animado para correr na temporada seguinte. Nesse período tive outra ajuda do destino: fui convidado para fazer o curso de pilotagem do americano Freddie Spencer, tricampeão mundial, em Las Vegas, EUA. Logo no primeiro dia de aula descobri que eu estava fazendo tudo errado a vida toda e no final do curso o Spencer bateu no meu ombri e comentou que eu tinha evoluído muito. Ahá, me aguardem adversários!

No campeonato de 1998 consegui melhorar bem, só que os outros também melhoravam...

Só que após três anos disputando o campeonato brasileiro de motovelocidade, aos 39 anos de idade eu estava bem cansado. Não de correr, mas dos preparativos. O ritual começava com a compra da gasolina no aeroclube, busca dos pneus, passar na oficina, deixar tudo lá, ver se precisava mais alguma coisa (e sempre precisava), buscar peça, levar peça, negociar patrocínio, mandar foto para a imprensa, comprar óleo, passar na academia, malhar, correr a pé, de bicicleta, fazer iôga, alongamento, fazer regime e tudo isso enquanto eu trabalhava como jornalista.

Para essa última etapa tive mais uma ajuda de um grande amigo: o jornalista Luiz Alberto Pandini decidiu que seria meu assessor de imprensa, afinal eu poderia me tornar campeão brasileiro. Um jornalista campeão era algo novo no meio. Tinha de ser divulgado por um profissional.

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 Meu professor, Freddie Spencer (à direita): lição pra toda a vida.

Nunca tive dificuldade para dormir antes de qualquer corrida e essa não foi diferente, apesar de eu ser o líder do campeonato, com três pontos de vantagem sobre o segundo colocado. Acordei no sábado, fui para Interlagos com tudo planejado: era só repetir o treino que fiz durante a semana que me daria muito bem. Mas nossa estratégia era esconder o jogo no primeiro treino e só mostrar as cartas no treino de classificação.

Saí com pneus gastos só pra cumprir o script da nossa estratégia. Mas na metade do treino decidi dar uma volta rápida para ter uma base de tempo e senti que algo não estava bem. O motor não crescia limpo, e na volta seguinte quando vi a placa no meu box mostrando o tempo de 1min59seg entrei em pânico. Dei mais uma volta forçando ainda mais o ritmo e o tempo se manteve igual.

Parei nos boxes e começamos a desmontar o motor tentando descobrir onde estava o problema. Chegou o treino de classificação, montamos pneus novos e saí. Um horror! Melhorou meio segundo e ao final do treino eu estava em último lugar no grid. Último! E eu precisava chegar entre os três primeiros!!!

Decidimos trocar o motor, afinal eu tinha um motor reserva. Só que isso levaria a noite toda e acabaria com minha chance de uma noite de sono. Foi quando novamente os amigos apareceram. Um dos melhores preparadores do Brasil, Milton Benite, o Pressão, virou pra mim e falou:

- Vai pra casa, descansa que amanhã sua moto vai estar pronta! Vai embora!

E praticamente me enxotou do box. No dia seguinte eu não poderia imaginar o que estava me esperando.


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