Largada: o 10 é Gian Calabrese; eu sou o 14; o Leandro Panadés é o 21
Se você não leu a primeira parte da série "Vida Corrida", primeiro clique aqui, senão não vai entender nada...
With a little help from my friends
A doença da gasolina entrou nas minhas veias muito cedo. Para ser sincero acho que já nasci com ela. A primeira paixão foi por carros. Começou pelas miniaturas Matchbox, depois autorama até que meu pai comprou o primeiro carro da família, um Gordini II, em 1966. Naquela época carro era um luxo e eu fiquei alucinado quando vi aquela coisa linda entrando na garagem no bairro do Brooklin.Foi amor à primeira vista.
No dia seguinte de manhã minha mãe foi me acordar e eu não estava na cama. Ela procurou pela casa toda e quando já estava se desesperando ouviu meu pai gritar da garagem:
- Por que esse menino está dormindo dentro do carro?
O menino era eu e lembro de ter acordado de madrugada, passado a mão no cobertor e me enfiado no banco de trás do Gordini para dormir sentindo o cheirinho de carro novo. Para a gerações mais novas isso parece loucura, porque já nasceram praticamente dentro de um carro, mas naqueles anos 60 carro era adoração para a criançada.
Logo em seguida meu irmão mais velho comprou a primeira revista Quatro Rodas da minha vida e então descobri uma nova paixão: corridas! Antes mesmo de o Emerson chegar à Fórmula 1 eu já sabia tudo. Desenhava Porsche, Ferrari e Alfa-Romeo no meu caderno de escola. Sabia a vida do Jackie Stewart e Graham Hill de cor. Mas a glória foi assistir a primeira corrida de carro ao vivo. Quando escutei os carros passando pela reta de Interlagos tinha decidido, aos 8 anos de idade, que eu seria piloto de corrida. Nem sabia como, mas eu precisava daquilo da mesma forma que precisamos de oxigênio. Nunca, nem nos meus sonhos mais infantis, poderia imaginar chegar à última etapa de um campeonato brasileiro de motovelocidade em primeiro lugar, naquele mesmo Interlagos que tremi ao ver pela primeira vez, 30 anos antes.
A decisão de parar de correr já estava tomada desde a metade da temporada de 1999. Não esperava que seria o líder da categoria, por isso teria de ir até o fim, afinal não é sempre que se disputa um título, com quase 40 anos e uma experiência bem tosca como piloto.
Frente aos meus concorrentes minhas dificuldades eram de todo tipo: começando física, porque apesar de ter sido adotado por uma dos melhores fisiologistas do Brasil, o José Rubens D'Elia e chegar a 11% de gordura, meus adversários era bem mais jovens, resistentes e elásticos.
Além disso, como jornalista e editor eu só conseguia treinar no sábado, véspera da corrida. Dois treinos de meia hora para acertar a moto, desvendar a pista e deixar tudo certo para a largada.
Para essa última etapa todos estavam surpresos em me ver liderando o Brasileiro e aconteceu algo mágico: surgiram ajudas de todos os lados. A começar pela Honda, na figura do Wilson Yasuda, que me ligou dizendo:
- Passa lá na oficina amanhã e pega um motor reserva, já está na caixa te esperando!
Em mais de 22 anos como piloto eu jamais tive um motor reserva. Isso foi incrível! Me senti um piloto de ponta, desses com patrocínios milionários, afinal eu tinha um motor reserva!
Moto de 125cc, motor dois tempos de 50 CV, 60 kg e muito difícil de pilotar, exigia muito treino
Depois outra ligação surpresa, dessa vez do Aurélio, tio do Alexandre Barros, um dos caras que mais entende de corrida de qualquer coisa motorizada que já conheci na vida. Ele simplesmente disse:
- Se você não treinar durante a semana vai levar um pau! Tem muito piloto que vai fazer só essa etapa, eles vão te atrapalhar. Vamos treinar, eu cuido de você!
Mal pude acreditar, eu teria um dos melhores coaches do mercado e sem precisar pagar! Combinamos de treinar no meio da semana, dia de treino livre, quando correm todas as motos juntas e misturadas. Era um tal de moto 1000cc quatro tempos me passando que nem um míssil e depois eu passando os caras todos no miolo que nem uma barata nervosa.
O Aurélio foi o primeiro cara que vi dividir a pista em trechos, cronometrar e montar a volta ideal. Funciona assim: divide-se a pista em três ou quatro partes. O piloto dá algumas voltas, o treinador pega os melhores tempos de cada trecho e monta o que seria uma volta perfeita. Os bons pilotos conseguem a volta real a apenas um ou dois décimos de segundo do que seria a volta ideal. Eu estava quase um segundo mais lento do que a minha volta ideal, uma eternidade...
Vaaaaaai: no primeiro ano na ctageoria, em 1997, eu nem conseguia me entender com a moto
Pacientemente o Aurélio sentou comigo e analisou curva a curva de Interlagos, falando onde eu deveria frear, soltar o freio, acelerar, deitar a moto, levantar etc etc e mais etc.
Voltei pra pista e meu tempo ficou a menos de um décimo de segundo da volta ideal. Neste dia eu baixei meu tempo de volta em quase dois segundos, o que é uma eternidade em se tratando de uma moto tão competitiva. Se a tomada de tempo fosse naquela tarde eu largaria na primeira fila!
Mas não foi. A tomada de tempo foi no sábado e algo muito ruim aconteceu logo no primeiro treino livre.