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A arte de frear (parte II)

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Com a moto ainda na reta, freio traseiro e dianteiro acionados.

Como modular o freio traseiro

No primeiro capítulo mostrei algumas características de frenagem e os erros mais comuns. Agora é hora de entender como funciona, pra que serve e quando deve ser usado o freio traseiro. Para começo de conversa, esqueça tudo que ouviu sobre o uso do freio traseiro porque ou veio de alguém que usa demais ou de alguém que nunca usa.

Os motociclistas que tem medo de usar o freio dianteiro acabam sobrecarregando o traseiro. Um dado curioso levantado pelas blitzes educativas da Abraciclo é que o freio traseiro desgasta mais rapidamente do que o dianteiro. Tudo porque o motociclista brasileiro tem o hábito de usar apenas o freio traseiro, como foi ensinado na moto-escola.

Como foi explicado no artigo anterior, o freio traseiro deve ser usado em várias situações tanto na cidade quanto na estrada ou dependendo do tipo de moto. E já que surgiram várias perguntas sobre o assunto, vale uma explicação sobre os freios CBS, ou combinados, que tem acionamento em conjunto com o comando do freio traseiro e dianteiro.

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Freio CBS: quando aciona o traseiro vai 25% de força no dianteiro

O freio CBS simples funciona assim: quando o motociclista aciona só o pedal do freio TRASEIRO um segundo cilindro-mestre (burrinho) manda um pouco de força também para o freio dianteiro. Tá, já sei o que você está pensando: “mas se não pode usar o freio dianteiro no meio da curva, como vou modular a velocidade com o freio traseiro se o dianteiro também será acionado?”. Não tem problema, porque aciona apenas 25% da capacidade de frenagem do freio dianteiro e isso não é suficiente para provocar o stand up, o alinhamento da moto que a faz levantar no meio da curva. Ou seja, pode enfiar o sapato no freio traseiro no meio da curva que a moto não levanta, seja qual for o modelo (de moto, não do sapato!).

Na versão CBS simples, quando se aciona o pedal do freio 25% do freio dianteiro entra em ação. Mas quando o piloto aciona somente o freio dianteiro não acontece nada com o traseiro. Já na versão Dual-CBS é diferente. Tanto faz se o piloto aciona só o freio dianteiro ou só traseiro, as duas rodas serão sempre freadas. Nos dois casos de CBS todo o funcionamento é mecânico/hidráulico e não envolve eletrônica.

freioCBS.jpeg

No freio CBS o disco tem três pastilhas, a menor é exclusiva do traseiro combinado

Mas a Bosch desenvolveu um freio para a KTM capaz de pensar. Isso mesmo, sabe o seu telefone celular smartphone? Dentro dele tem um pequeno medidor de G (acelerômetro) que identifica a todo momento qual a posição do celular em relação aos planos horizontal e vertical. Por isso pode-se baixar um aplicativo que funciona como uma régua de nível, igual à usada por pedreiros, inclusive com a bolha virtual. O meu pedreiro tem! Esse acelerômetro é menor que uma caixa de fósforo e controla toda operação de frenagem. Quando o piloto inclina a moto na curva a central entende essa posição e manda mais energia para o freio traseiro e menos para o dianteiro. Da mesma forma, quando o piloto começa a frear e a frente da moto mergulha violentamente quase no final do curso do amortecedor, essa central percebe e transfere parte da frenagem para a roda traseira para manter tudo em equilíbrio. Enfim, o sistema “pensa” pra você. Graças à evolução desse acelerômetro muito em breve as motos terão apenas UM comando de freio, como nos carros. Felizmente...

 

Use o traseiro e seja feliz

Tem uma coisa que me desanda os intestinos é ouvir “professores” de pilotagem afirmando peremptoriamente que em corrida não se usa o freio traseiro. Meu saquinho, então se não é pra usar, porque a equipe mantém toda aquela estrutura de frenagem? Pow, manda tirar o pedal, as mangueiras, pastilhas, pinças e disco que além de aliviar o peso ainda facilita o pensamento. Só que vai lá nos boxes de Interlagos e está todo mundo com os freios traseiros instalados.

Na verdade essa orientação muitas vezes é dada apenas para facilitar o papo, porque é mais fácil proibir do que ensinar. Existem pilotos e pilotos. Pessoas são diferentes, pensam de forma diferente e tem experiências de vida diferentes. Por isso cada um ensina de acordo com o que sabe a aprendeu.

Felizmente – para mim e meus alunos – eu não sou apenas um ex-piloto, aliás, o lado jornalista contribuiu muito para minha vida de piloto porque tive a chance de conversar com grandes pilotos e tirar várias dúvidas. Por exemplo, o americano Kevin Schwantz fala sem qualquer constrangimento que não usava o freio traseiro nunca e quando tentou usar caiu! Mesmo assim teve 25 vitórias da categoria 500cc e foi campeão mundial em 1993.

Já os também americanos Eddie Lawson e Freddie Spencer (que foi meu professor em 1997) defendem o uso do freio traseiro como forma de equilibrar a frenagem e tornar a pilotagem mais “redonda”. Lawson teve 31 vitórias e quatro títulos mundiais, acho que dá para afirmar que ele sabe alguma coisa. Já Spencer foi o último piloto a vencer dois títulos mundiais no mesmo ano em categorias diferentes, dono de um estilo tão limpo que olhando ele na pista parecia que estava bem mais devagar do que os outros, mas no cronômetro era mais veloz. Freddie teve 27 vitórias e três títulos mundiais.

Mas o que realmente me convenceu sobre o uso do freio traseiro foi ter entrevistado o australiano Michael Doohan durante um evento na Espanha em 2002. Lembrei do drama que ele vivera em 1992, quando sofreu um grave acidente e quase perdeu a perna direita. Ele perderia o título de 92, mas a partir de 1994 dominou o mundial com cinco títulos consecutivos e 54 vitórias. Perguntei sobre a “lenda” do freio traseiro na mão ele revelou o mistério.

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Freio traseiro acionado pelo dedão: depois do Doohan muitos pilotos adotaram o sistema

A partir de 1993, para conseguir usar o freio traseiro Doohan teve de adaptar a moto e colocou uma segunda manete na mão esquerda para acionar o freio traseiro usando o dedão! Sabe o que aconteceu? Ele descobriu que conseguia usar o freio traseiro tanto em curva para a esquerda (o que todo mundo faz) quanto para a direita (o que pouca gente faz). Esse foi o pulo do gato! Em curvas para a direita é quase impossível usar o freio traseiro porque a ponta do pé encosta no asfalto e impede o curso do pedal. Segundo Doohan “nas motos com motor dois tempos a frenagem é muito crítica e o freio traseiro é importante. Sem saber, acabei melhorando muito a frenagem acionando o freio traseiro com o dedão; depois outros pilotos também tentaram e adotaram o mesmo sistema”.

Então a gente analisa a carreira dos pilotos que admitiram usar freio traseiro e compara com um que não usavam e podemos concluir quem está certo...

Merci, Hilaire

Apesar de todos esses depoimentos, quem efetivamente me mostrou o truque foi um piloto francês que correu no Brasil e era instrutor da escola de pilotagem de Christian Sarron. Foi Hilaire Damiron que colocou o ovo em pé ao explicar COMO usar o freio traseiro sem travar a roda nem mandar o piloto pro espaço.

Basta pensar na Física. Quando a moto está em velocidade constante as massas estão equilibradas. Ao acionar o freio, começando pelo dianteiro, a frente mergulha, a traseira perde pressão e fica “leve”. Neste momento, se o piloto encostar no pedal do freio é derrapagem na certa! Então o segredo é começar aplicando o freio traseiro, dessa forma é a traseira que mergulha e quando o piloto aciona o freio dianteiro as massas se equilibram melhor. (E se você é Físico ou engenheiro, por favor não perca seu tempo para me escrever afirmando que “massa não desloca, bla-blá-blá” porque esse é um texto genérico e não um artigo científico).

Resumindo: em moto de alto desempenho a frenagem deve COMEÇAR pelo freio traseiro e logo em seguida o freio dianteiro. Mas esse gap entre o traseiro e dianteiro é o que os cientistas mais renomados chamam de “pentelhésimo de segundo”, no sistema métrico da NASA.

O Hilaire chegou a criar uma escola de pilotagem aqui no Brasil, mas infelizmente por motivos pessoais mudou-se do Brasil, mas deixou um discípulo por aqui...

Na prática, em competição, a frenagem começa e termina pelo freio traseiro. O piloto deve acionar o traseiro no início, aplicar o dianteiro com a moto ainda em pé e à medida que inclina na curva vai soltando o freio dianteiro e mantendo o traseiro, que será totalmente liberado um pouco antes do meio da curva.

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Curva para direita: punho direito travado e pé longe do pedal de freio

Só por curiosidade, você já se perguntou porque a maiorias dos motociclistas prefere fazer curva para a esquerda? Ouvem-se as respostas mais malucas, desde o alinhamento dos planetas, hemisférios justapostos, piloto canhoto ou destro, mão de direção etc. Mas a explicação está na própria moto, que é assimétrica. Do lado direito estão o acelerador e o pedal do freio traseiro. Quando a moto inclina para a direita é difícil acionar o freio porque o pé encosta no asfalto e o punho fica “travado” sem curso. Já em curvas para a esquerda o piloto consegue acionar totalmente o freio traseiro e o punho tem 100% de curso para controlar o acelerador. Por isso é tão gostoso pilotar em pistas com sentido anti-horário, porque tem mais curvas para a esquerda!

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Curva para a esquerda: pé alcança o freio e mão direita livre.

E como fazer para acionar o freio traseiro em curva para a direita sem a manete do Michael Doohan? Ah, a mágica é usar a lateral da bota e não a ponta do pé... hehe, pode ir treinando, depois me conta se deu certo!

 


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