Quantcast
Channel: @Motite
Viewing all 291 articles
Browse latest View live

O tigre, o menino e o trânsito

$
0
0

 

(Devido ao número de acessos, não é possível mais publicar comentários neste post, se quiser pode fazer nesta sequência)

 

Como um acidente pode explicar o comportamento humano

 

O Brasil ficou chocado nos últimos dias de julho quando um garoto de 11 anos teve o braço direito dilacerado por um tigre. O "acidente" ocorreu em um zoológico de Cascavel, PR, quando o garoto, acompanhado do pai, pulou uma cerca de proteção, ignorou os avisos de manter-se afastado e provocou primeiro um leão e depois o tigre. O desfecho todo mundo viu: teve o braço amputado na altura do ombro e terá a vida inteira para refletir sobre esse ato "corajoso". Esse acidente é exemplar, em todos os sentidos.

 

Quem acompanha minhas colunas sabe que há décadas eu insisto no declínio na qualidade do ser humano em sociedade. Especialmente no Brasil, país que parece caminhar ladeira abaixo no campo das relações humanas.

 

Felizmente alguém filmou e mostrou uma imagem que retrata o que vem acontecendo em uma sociedade desacostumada a respeitar uma autoridade. O garoto ficou por cerca de seis minutos atiçando dois felinos de grande porte, conhecidos por qualquer ser vivente como predadores. Até as pedras sabem que esses animais se alimentam de outros animais desde que o mundo é mundo.

 

Imediatamente após a divulgação das imagens começaram os julgamentos, principalmente os do "contra" e "a favor", seja do tigre, do garoto, do pai, do zoológico, de Deus etc. No atual modus operandi social de palpitar sobre tudo houve a esperada distribuição de culpa para todos os envolvidos, alguns até tentando amenizar o lado do garoto sob a alegação de que era "incapaz" de avaliar os riscos. Será? Com 11 anos você não sabe a diferença de um gato para um tigre?

 

Deixando um pouco o tigre de lado, vamos lembrar um pouco das histórias da Bíblia. Sem a menor conotação católico-cristã, mas apenas como exemplo. Muita gente atribui o pecado original ao sexo, fazendo uma analogia direta da mordida na maçã com rala e rola entre Adão e Eva. Mas Deus não poderia castigar pelo sexo, senão inviabilizaria a reprodução humana e jogaria por terra o famoso "crescei e multiplicai". 

 

O pecado original que condenou Eva e seu amasio ao mundo terreno foi a DESOBEDIÊNCIA. Deus deixou bem claro: não coma a fruta dessa árvore! E quando virou as costas lá foi ela e nhoc! Não tinha uma placa na macieira do tipo "fique longe, não coma". Por trás da desobediência está o conceito que quero chegar: o desrespeito!

 

Voltando ao zoológico, qual o padrão de comportamento dos visitantes: enfiar o braço na jaula ou manter-se afastado? Se uma criança violou o padrão é preciso olhar para esse caso isolado e tentar entender melhor de onde vem o comportamento tão prepotente.

 

Hoje em dia existe uma enorme confusão aqui em terras brasileiras com relação à educação. Também já escrevi sobre isso. E é um tal de pais entregarem seus filhos às escolas na crença cega de que o pimpolho sairá de lá um lorde inglês e com conhecimento de filósofo alemão. Mas em casa o filho faz o que quer, passa o dia no videogame, desobedece os pais e eventualmente despreza a autoridade dos empregados.

 

Educação é aquele conjunto de regras transmitidos de pais para filhos como uma carga genética. O que a escola transmite é conhecimento. Portanto, escola não educa, quem educa é o convívio familiar. Já defendi mais de um milhão de vezes a mudança do nome de ministério da Educação para ministério do Ensino.

 

Pergunto, que tipo de pai pode gerar um filho tão incapaz de entender a regra mais elementar, bíblica e basilar da educação que é a obediência? Que tipo de exemplo esse garoto tem em casa para ignorar tão descaradamente os perigos que envolvem o enfrentamento de um animal feroz? Uma criança que atiça descaradamente um animal selvagem como o tigre respeita seus professores? Obedece seus pais?

 

É o reflexo da falta de cuidado na educação, não da escola, mas aquela da formação do caráter. Quem enfrenta um tigre não é corajoso - como escreveram alguns - ou simplesmente desobediente?

 

Chamou-me a atenção o comentário de vários jornalistas que reforçaram o fato de no momento do acidente não ter nenhum vigia, embora o zoológico tenha se defendido alegando que a área é monitorada por quatro fiscais.

 

Ora, jornalistas são pessoas esclarecidas, viajam e normalmente voltam do exterior sempre com uma história de civilidade na ponta da língua. Ficam impressionados que nos museus americanos o visitante deposita o valor em uma caixa que fica ali, ao alcance de qualquer um, mas ninguém pega. Contam - impressionados - que na Áustria as padarias deixam o leite fora e as pessoas pegam e depositam as moedas em um pote, sem ninguém vigiando.

 

Mas cobram o fato de naquele local do zoo não haver um vigilante. É ISTO que quero chamar a atenção: educação não é um comportamento expresso diante de fiscalização, o nome disso é obediência. Educação é o comportamento do indivíduo quando não tem NINGUÉM olhando!

 

Por isso a Prefeitura de SP instalou mais uma centena de radares e câmeras de vigilância, porque o motorista só consegue se manter educado sob constante fiscalização. Porque não foi educado. Os motoristas/motociclistas mal e porcamente foram instruídos, quando foram... E os ciclistas nem isso!

 

Pela visão do jornalismo sensacionalista podemos perder a esperança em trânsito solidário sem que haja uma fiscalização opressiva e constante, como no zoológico. Não basta uma placa de proibido estacionar, precisa ter um fiscal. Não basta investir em passarela ou ciclovia, tem de fiscalizar. Não basta avisar que o leão é bravo, precisa colocar o braço lá dentro!

 

* Desculpem-me não me apresentar, mas este blog foi criado para  artigos que não publico na imprensa aberta. Como era reservado mais aos amigos, nem sequer me dei ao trabalho de assinar, meu nome é Geraldo Tite Simões - Jornalista, escritor, especialista em segurança viária, duas filhas (bem educadas, eu acho...). 


O Tigre, o menino, o trânsito, eu e você!

$
0
0

 

Devido ao caráter viral que se tornou o meu texto "O tigre, o menino e o trânsito", inesperado e até assustador, confesso, estourou a capacidade de comentários no provedor português Sapo. Por isso abri esse espaço extra para responder os tópicos mais comentados, pedir desculpas por não me apresentar, contar um pouco da minha atividade de convidar os leitores a ler os outros textos e até meu livro.

 

Pela ordem de chamada!

 

Deixa eu me apresentar: meu nome de batismo é Geraldo Simões, mas fui desde o nascimento rebatizado com o apelido Tite, por recomendação do meu pai, porque achava simplesmente Geraldo um nome grande demais para um ser tão pequeno. Tenho 55 anos, sou jornalista desde os 20, motociclista desde os 12 e viciado em escrever desde a época das Olivetti Lettera 32. Fui fotógrafo, redator, editor, revisor, professor de Redação e Língua Portuguesa na Fundação Cásper Líbero e desde 1999 me dedico a ministrar cursos de pilotagem para motociclistas. Tenho duas filhas do primeiro casamento, ambas com dupla nacionalidade (brasileira e alemã), que viveram a experiência de morar na Alemanha. Por causa delas mudei totalmente o meu conceito sobre educação, ensino, respeito e amor.

 

Os pontos mais comentados do texto foram:

 

- Quem sou eu pra escrever com tanta propriedade? Está respondido lá em cima, mas queria dizer que não sou especialista em ensino, mas estudei muito o tema porque vi-me dando aula para alunos que tinham quase a minha idade, acompanhei muito de perto o vida escolar das minhas filhas, fui casado com uma professora especialista em educação infantil, tive uma família equilibrada e meus pais vivem até hoje. Agradeço aos especialistas que me escreveram corrigindo alguns aspectos e conceitos a respeito de educação e ensino e lamento não poder responder a todos.

 

A exemplo da maioria dos meus textos eu escrevi este em pouco mais de meia hora e não aprofundei em nenhum conceito específico, porque para meus leitores habituais esses temas são exaustivamente conhecidos.

 

- O julgamento: queria deixar muito bem explicado que em momento algum me ocorreu julgar, mas apenas usar o "acidente" como exemplo do comportamento humano. Mesmo assim me assustei com a reação quase natural de as pessoas julgarem e sentenciarem os envolvidos. Esta é uma faceta do comportamento moderno criado a partir do excesso de exposição às redes sociais: a necessidade quase vital de achar um culpado. Como jornalista, conheço a ética da profissão que nos impede de julgar até um réu confesso antes de um juiz proferir a sentença. Por isso você lê sempre nos jornais que Fulano é SUSPEITO de...

 

- Patriotismo x conhecimento: também fui alvo de algumas demonstrações de todo tipo de preconceito. Se eu citei em vários pontos a expressão "os brasileiros"é porque vivo aqui, convivo diariamente com brasileiros e estudo o comportamento de motoristas há mais de 30 anos. Gosto do Brasil, mas tenho muita ressalva com relação ao comportamento social dos brasileiros. Não morei no exterior, mas como jornalista já visitei mais de 30 países e participo regularmente de fóruns e trabalhos sobre mobilidade urbana, que tem como ponto crucial o comportamento humano. Os exemplos que dei sobre EUA e Áustria não me contaram, eu vi pessoalmente e foi apenas dois exemplos. Claro que em todo lugar do mundo existe gente mal intencionada, mas o que pretendo chamar a atenção é que no Brasil estes estão aumentando exponencialmente e temos de encontrar a raiz desse crescimento, combatê-la e reverter essa tendência. Para mim o foco principal é na formação do caráter, que é um conceito que vem de casa e não apenas da escola.

 

- Alguns comentários eu simplesmente rapei fora porque eram ofensivos, preconceituosos, sem-noção ou apenas tinham a intenção de causar polêmica. Fui chamado até de nazista!!!

 

- A Bíblia, Adão, Eva e a religião: não sou um religioso praticante, mas cresci em uma família católica. Na minha primeira faculdade estudei Teologia e gostei tanto que depois continuei por conta própria. Alguns teólogos mais experientes corrigiram o texto e agradeço a todos pela disposição. Aos fanáticos e mais exaltados queria lembrar que Adão e Eva não existiram, assim como Papai Noel e Saci Pererê, portanto não percam seus preciosos tempos comentando o que eles fizeram ou quiseram fazer porque a própria Bíblia é uma grande ficção e recebeu várias interpretações, foi escrita cheia de questionamentos éticos e se eu fosse o editor teria cortado pelo menos 70% de texto!

 

- A passividade das testemunhas: um dos itens mais comentados foi com relação ao rapaz que fez a filmagem e o motivo de ele não ter interrompido a ação do garoto, chamado a atenção etc. Bom, aqui mais uma vez eu chamo a atenção para a inversão de valores que estamos vivendo, especialmente no Brasil. Por que no Brasil? Primeiro vou contar como funcionava na Alemanha, durante a época que minhas filhas moraram lá. Cada cidadão adulto se preocupa consigo e com quem está em volta, seja no trânsito, na empresa, na escola etc. Se uma criança se coloca em risco, o adulto mais próximo intervém, independentemente da reação do pai ou tutor mais próximo. O mesmo ocorre com relação aos idosos, sempre tem alguém ajudando e orientando, mesmo quando ninguém pede ajuda. Eu vivi isso pessoalmente e posso atestar que esse comportamento é reflexo de uma história de 2.000 anos vida em sociedade. No Brasil a vida em sociedade existe há pouco mais de 100 anos, sendo que nos últimos 50 deu um salto quantitativo exponencial. Ainda engatinhamos nessa coisa de viver em sociedade e é natural que surjam problemas. Um deles é o egoísmo expresso nas atitudes mais simples e que aparece muito mais claramente no trânsito. Nos mais de 30 países que visitei - a trabalho - nunca vi um adesivo no carro com frases como "Deus deu a vida para que cada um cuide da sua"; ou "Este carro é meu, foi pago por mim e ninguém vai me dizer como dirigir(sic)". Estas frases explicam o que eu quis dizer com a deterioração da vida em sociedade.

 

Por isso eu entendo a reação das pessoas. Existe um medo natural de alguém simplesmente ser agredido se chamar atenção ou até usar a força para impedir que uma criança se acidente. Eu tenho certeza que esta seria a reação da maioria dos pais, por causa dessa inversão total de valores.

 

Em suma, nos países com uma longa história de relação social existe uma espécie de auto-regulamentação, um cuida do outro, e isso não é motivo de briga. Enquanto no Brasil uma simples advertência pode acabar em crime, porque não se admite a interferência externa. Já escrevi sobre isso aqui mesmo e uma simples busca por palavras-chave como paradigma, educação, trânsito pode resultar em vários textos sobre o tema.

 

Recentemente um ciclista filmou a reação agressiva de um motorista que estacionou de forma irregular na ciclovia. Foi um exemplo de como a convivência social está ruindo e isto tem um nome: sociopatia, uma reação quase doentia em relação à sociedade, como se o mundo todo conspirasse contra aquele indivíduo.

 

Muito conceito escrito naquele artigo foram citados superficialmente, claro, porque é uma coluna publicada em alguns sites e a internet hoje exige textos curtos (mais um resultado dos tempos atuais: ninguém tem saco de ler nada com mais de 5.000 caracteres). Não é uma tese de doutorado. Portanto não cobre aprofundamento deste ou daquele conceito. Neste blog - que teve 150.000 visitantes pela primeira vez! - tem mais de 1.000 artigos. Fique à vontade para pesquisar os temas, ler e discutir quanto quiser. Recomendo alguns:

 

http://motite.blogs.sapo.pt/o-medico-e-o-monstro-109333

 

http://motite.blogs.sapo.pt/a-criminalizacao-da-vitima-108940

 

http://motite.blogs.sapo.pt/106621.html

 

E se você gosta de moto e quiser adquirir meu livro O Mundo É Uma Roda, basta escrever para tite@speedmaster.com.br aqui mesmo tem várias crônicas do livro.

 

Obrigado pelos comentários

 

Tite

 

Honda apresenta nova CG 150 com freios CBS

$
0
0

 

Os brasileiros e os freios das motos*

* Geraldo Tite Simões (proibida a reprodução total parcial)

 

Em agosto a Honda do Brasil apresentou à imprensa especializada uma nova CG 150 Titan com freios CBS, sigla que significa Combined Braking System (sistema de freio combinado). O sistema é relativamente simples, mecânico e hidráulico, que dispensa complexos aparatos eletrônicos. É o mesmo sistema que já existe nos scooters da marca Lead 110 e PCX 150 e funciona da seguinte forma: quando o motociclista aciona apenas o freio traseiro, cerca de 25 a 30% da carga é transferida para o freio dianteiro, atuando em um dos três pistões da pinça.

 

Antes de entrar em mais detalhes desse freio deixa eu contar um pouco de como funciona a frenagem em motos. Para começar é bom esclarecer que moto não é um carro de duas rodas. Parece ridícula a afirmação, mas é assim que os departamentos de trânsito tratam a motocicleta. O carro se mantém sempre paralelo ao chão, mesmo nas curvas, com uma pequena variação graças ao trabalho da suspensão. Já as motos se inclinam na curva e muito! Nas esportivas elas chegam a derivar mais de 45º em relação ao eixo vertical.

 

Em função dessa inclinação, toda a frenagem deve ser diferente e isolada. Enquanto no carro o comando do freio é apenas em um pedal, nas motos (e bicicletas) os freios são isolados entre o dianteiro e traseiro porque em determinados momentos não se deve usar o freio dianteiro e em outros nem pensar em usar o traseiro.

 

Além disso, a moto é proporcionalmente muito mais leve que um carro e a massa do condutor exerce uma influência muito grande na frenagem. Aprender a frear uma moto corretamente é um dos primeiros passos para habilitar um motociclista, mas...

 

 

Pau que nasce torto

No Brasil acontece um fenômeno raro em termos de ensino de trânsito: os instrutores são formados apenas para decorar leis e adestrar um cidadão. Esses instrutores não passam por um verdadeiro e completo curso de qualificação técnica. Basta saber pilotar uma moto e decorar o Código Brasileiro de Trânsito. É mais ou menos como selecionar professores de faculdade exigindo currículo apenas a alfabetização básica.

 

Nas moto-escolas os instrutores ensinam aquilo que aprenderam sozinhos. E entre as maiores aberrações está justamente a frenagem. Qualquer sujeito que for se habilitar em moto e usar o freio dianteiro no percurso do exame SERÁ REPROVADO!!! Isso mesmo, os instrutores de moto-escola no Brasil ensinam que não se deve usar o freio dianteiro porque a moto capota!

 

Em suma, a escola de trânsito no Brasil ensina errado e os departamentos de trânsito são incapazes de reverter isso. Em algumas localidades o medo de usar o freio dianteiro é tão grande que alguns motociclistas chegam a retirar a manete de freio. E mais: a indústria brasileira de motos é obrigada a manter em linha de produção motos com freio dianteiro a tambor porque tem consumidor que simplesmente se recusa a comprar uma moto com freio dianteiro a disco!

 

 

Por isso esqueça uma solução técnica para freios no Brasil enquanto tivermos essa ridícula situação de formar maus motociclistas. Pior: não há Cristo nesse mundo capaz de convencer um motociclista mal formado a usar o freio dianteiro. É como chamar toda a população de volta para a escola e explicar que, na verdade, a Terra é quadrada!

 

Como as câmaras temáticas do Denatran são compostas por uma maioria de especialistas em carro, surgem propostas como a obrigatoriedade do sistema de freio ABS em todas as motos vendidas no Brasil, como se a moto fosse um carro de duas rodas. O único jeito de instalar freio ABS em moto pequena sem onerar muito o custo final seria adotar a mesma solução de alguns países asiáticos que instalaram o sistema ABS apenas na roda dianteira, a mais solicitada nas frenagens. Mas na Ásia não vivem motociclistas brasileiros, portanto eles sabem frear! 

 

Diante dessa situação foi preciso pensar em um sistema de freios que reduzisse o trauma do motociclista brasileiro e que acionasse sozinho independentemente da vontade do piloto. Assim nasceu o CBS que atua de forma a reduzir os espaços de frenagem, evitar o travamento das rodas e ainda corrigir um padrão de comportamento típico do brasileiro.

 

A primeira moto pequena brasileira a contar com esse sistema é a Honda CG 150 Titan, apresentada recentemente. Para referendar a eficiência desse sistema a empresa convidou alguns jornalistas para presenciar um teste efetivo. As simulações foram feitas sem uso de trena, mas apenas para efeito visual. No entanto, com ajuda do Instituto Mauá de Engenharia, a Honda fez outros ensaios e apresentou à imprensa. Foram três simulações, todas a 50 km/h, comparando a CG 150 Titan com freio convencional; com a nova versão com freio CBS.

 

Na medição usando apenas o freio TRASEIRO, travando a roda e acionando a embreagem a CG convencional percorreu 41,4 metros, enquanto a CG 150 com CBS percorreu 27,3 metros nestas condições.

 

A outra medição, sem travar a roda e sem acionar a embreagem, a distância da CG 150 convencional já reduziu para 38,5 metros. Já a CG com CBS fez praticamente a mesma distância, com 28,4 metros até se imobilizar. Essa diferença de um metro pode ser considerada variação normal em qualquer ensaio.

 

Impressionante foi o resultado aplicando os dois freios, dianteiro e traseiro, como realmente deve ser. A CG convencional reduziu a distância de frenagem para 24,9 metros. Por outro lado a surpresa foi constatar que na CG com CBS a redução foi proporcionalmente menor, parando em 20,4 metros.

 

 

Ou seja, mesmo usando o freio de forma errada, os espaços de frenagem na CG 150 com freio CBS foram bem menores do que na CG convencional sob as mesmas condições. Isso significa que tecnicamente obrigar o uso de freio ABS em motos pequenas pode ser tão inócuo quanto exigir salva-vidas em ônibus. Já o sistema CBS tem como apelo maior a possibilidade de corrigir um erro humano até que as novas gerações de motociclistas passem a frear corretamente, com a vantagem de um custo de apenas R$ 100,00 a mais no preço final.

 

Agora o mercado vai responder se a solução representará um novo paradigma nos sistemas de freio de todas as motos. Certamente em breve outros fabricantes devem apresentar suas soluções semelhantes. Acredita-se mesmo que em um futuro breve as motos terão apenas um comando de freio, como já é nos automóveis, assim que baratearem os custos dos sistemas eletrônicos. Um ABS completo para motos implicaria em um aumento significativo no custo e no peso total.

 

O próximo passo agora é investir em formação qualificada dos instrutores de moto-escola porque por mais se crie soluções técnicas para aumentar a segurança dos veículos nada disso funciona sem a ajuda do fator primordial, que é o ser humano. Não adianta equipar os veículos se os condutores são totalmente despreparados.

 

 

 

A outra vítima

$
0
0

(Desenho da minha filha Nina)

 

Por que ninguém se preocupa com os que ficam?

 

Se tivesse pego um farol fechado, ou aberto, não teria acontecido. Se tivesse demorado ou apressado 30 segundos para sair de casa não teria acontecido. Apenas uma fração de segundo a mais ou a menos para arrancar no farol e não teria acontecido. Se a velocidade média fosse apenas 1 km/h a mais ou a menos não teria acontecido. Esses são os pensamentos mais comuns quando alguém se vê envolvido em um acidente. Dependendo das consequências materiais ou físicas do acidente, essas inquietações desaparecem em alguns dias. Mas quando o acidente resultou na perda de uma vida essas perguntas ficam reverberando na consciência pra sempre. Pelo menos para quem tem consciência.

 

Uma moto corta a cidade de São Paulo, de norte a sul, pelo principal corredor de trânsito. A centenas de metros duas mulheres esperam no canteiro central de uma movimentada avenida, a 100 metros do semáforo com faixa de pedestre. Entre as duas mulheres uma menina de aproximadamente seis anos segura uma boneca em um das mãos e a outra está presa à mãe.

 

A moto se aproxima do cruzamento e quando está a poucos metros uma criança se solta da mão da mãe e atravessa. O impacto seco atira a menina ao chão, desequilibra a moto, mas o motociclista consegue frear sem cair. A cena é confusa e desesperadora: a mãe grita sem controle, a menina sangra no asfalto, o motociclista percebe que tem o braço e joelho esquerdos feridos, um corte no pescoço e caminha a pé em direção da criança. Antes mesmo de chegar a menina é colocada no banco de trás de um Fusca, que parte levando ainda as duas mulheres que gritam e pedem por Deus. No asfalto ficam apenas a mancha de sangue e uma boneca. Nunca mais se teve notícia da menina nem do motociclista.

 

Na ocasião a imprensa não tinha a agilidade de hoje. Nem havia redes sociais, nem celulares com máquina fotográfica, nada. As notícias demoravam e esse atropelamento caiu no esquecimento. Menos nas famílias afetadas, porque um acidente fatal não acaba no dia do enterro. Ele atinge todos à volta para sempre. Mas aqui existe um detalhe que raramente é lembrado, não é só a família da vítima que leva essa cicatriz, existe uma outra vítima que fica esquecida, mas é igualmente atingida: o atropelador.

 

Salvo as pessoas sem caráter, marginais e de índole naturalmente distorcida, qualquer cidadão que se envolve em um acidente fatal fica permanentemente afetado, mas com a diferença que este sofre sozinho e silenciosamente. Ele pode ser absolvido pela Justiça, ter sua situação civil inabalada, mas a cena do acidente não se apaga.

 

Não só a cena do acidente, mas pensamentos frequentes "como seria o futuro daquela menina", "como sua família seguiu a vida depois desse evento", ou "será que vou encontrá-la no céu para pedir desculpas?".

 

Uma vez, muitos anos atrás, a revista Quatro Rodas publicou o corajoso depoimento de um motorista que atropelou uma menina de seis anos. Nunca esqueci a foto de abertura que era em preto e branco, com uma boneca quebrada no chão. E as inquietações desse depoente era sobre a infeliz coincidência que leva a um acidente, porque é o único encontro no qual nenhum dos envolvidos tinha programado. Ninguém queria estar lá naquela hora e naquele local, mas estavam e culminou com a mudança na história de vida dos envolvidos.

 

Segundo o "pai" do automóvel, Henry Ford, acidentes não acontecem, eles são provocados. Mas e quando um dos envolvidos simplesmente não teve escolha, como se fosse apenas um vetor do destino? Uma criança com a visão encoberta pode atravessar a rua ingenuamente. Um ciclista pode apenas perder o equilíbrio e cair na frente de um ônibus sem chance de o motorista frear.

 

Como julgar esse motorista que praticamente teve uma participação meramente acidental, por estar no lugar errado na hora errada? Não há justiça dos Homens capaz de absolver.

 

 (Desenho de autoria da minha filha Luna)

 

Mais respeito com a morte

Tive a oportunidade de presenciar três acidentes fatais, todos por atropelamento. No primeiro tinha cerca de nove anos e estava na porta da escola quando meu colega de classe atravessou a rua e foi atingido pela carroceria de um caminhão. Pude ver o desespero do pai e do motorista do caminhão. Não tem instrumento capaz de medir a dor. Não há como dimensionar qual daqueles dois homens sentiu a maior fisgada no coração, sentiu suas entranhas se emaranharem como um novelo com mais intensidade.

 

No dia seguinte, no velório, a nossa professora de matemática me abraçou, me sufocando no meio dos seios, chorando copiosamente e repetindo "oh, meu Deus, eu pensei que tinha sido você". Quase afogado pelo perfume dela eu quis mesmo morrer porque os pais do menino ouviram e até hoje aqueles olhares indignados não saem da minha memória. Para mim aqueles pais deveriam estar pensando "sim, por que meu filho e não o filho dos outros?".

 

E o motorista do caminhão? Será que passou o resto da vida lembrando da cena do menino caído no asfalto, o rosto branco, a cabeça inchada em meio ao sangue?

 

O segundo acidente foi na rodovia Presidente Dutra. Uma mãe foi atravessar a estrada com um bebê no colo e, claro, não chegaram do outro lado. Só lembro de ver o corpo girando no ar e algo pequeno logo atrás. O motorista do carro pegou o bebê no colo e saiu por entre os carros chorando e gritando por socorro. Não havia o que socorrer, a não ser ele mesmo, que levou para toda a vida aquela imagem de angústia e desespero.

 

E o terceiro acidente é aquele descrito no começo desse texto. Até hoje posso ouvir claramente os gritos da mãe e como ela evitava chegar perto da filha com medo do que iria ver. Mas eu vi. E nunca esqueci, porque eu era o motociclista.

 

Quer saber como é? É olhar uma cicatriz no pescoço refletida no espelho todos os dias e lembrar de um acidente no qual uma vida foi interrompida. É passar uma existência se perguntando por que não esperou mais 30 segundos para sair. Por que não acelerou ou reduziu a velocidade só 1 km/h? Por que um semáforo não fechou ou abriu no percurso? É ver suas filhas chegarem à mesma idade daquela menina e imaginar como seria se eu as perdesse.

 

E pensar como ela seria se nada disso tivesse acontecido. O que ela estudaria, qual carreira seguiria, se teria marido, filhos, família... E a mãe dela? O quanto ela se culpou e lamentou pelo destino? Como a família a julgou?

 

A outra vítima de um acidente não morre, mas leva a morte estampada na alma, como uma coceira que não passa. A outra vítima não merece compaixão, como se apenas aquele que morre tem o mérito de ser velado. A outra vítima não é perdoada, por mais que seja absolvida pelos Homens. Ela espera pelo perdão só no dia do juízo final, literalmente, quando terá a chance de encontrar sua vítima e pedir desculpas.

 

Essa é a visão de quem recebe a missão de vetor do destino. Precisava estar lá, naquele instante, para mudar a vida das pessoas.

 

Por tudo isso me revolta como a imprensa e as pessoas tratam os acidentes de trânsito com vítimas fatais. Com exceção dos evidentes e comprovados crimes de trânsito, nos quais o dolo fica explícito, quem se envolve em um acidente fatal não o fez de propósito e merece o respeito de ao menos a compaixão e consolo.

 

Infelizmente, como escrevo há três décadas, as relações humanas desandaram que nem uma maionese aguada. Nem bem uma celebridade morre e vira motivo de chacota nas redes sociais. A morte não tem graça. Seja acidental ou natural. Ela está sempre ali, do nosso lado, mas queríamos que fosse ignorada, como quando tínhamos seis anos. A criança demora cerca de sete anos para conhecer o significado da morte. Eu lembro como se fosse ontem quando percebi que um dia eu, meus pais e meus irmãos, todos um dia iríamos morrer, comecei a chorar aos soluços e meu pai me pegou no colo com todo carinho e colocou na cama até eu pegar no sono.

 

Era assim que queríamos viver: confortado nos braços dos nossos pais na certeza da vida eterna. O que resta para a outra vítima é esquecer que um dia participou da morte de alguém. Por isso, se você não é capaz de respeitar a vida, respeite ao menos a morte.

 

 

Como exigir respeito sendo um troglodita

$
0
0

 

Uma campanha incentiva a selvageria

 

Sim, existe gente que passa a vida pedindo mais respeito, mas só para ela, porque os outros que se danem. É assim que vejo a ridícula campanha iniciada nas redes sociais, nas quais os motociclistas defendem o uso de escapamentos barulhentos como forma de aumentar a segurança.

 

Segundo a campanha, "Escape esportivo pode salvar vidas! Se você não me vê, pode me ouvir!!!".

 

São tantas premissas erradas que nem sei por onde começar, mas vamos lá:

 

1) A campanha - Essa campanha começou nos Estados Unidos, com o slogan "loud pipes save lives". Algo como: "Escapes barulhentos salvam vidas". É preciso lembrar aos brasileiros que a moto nos Estados Unidos é usada de forma completamente diferente do que no Brasil. Lá as motos são essencialmente para lazer. Quase não se vê motos durante a semana circulando, mesmo na Califórnia! Além disso, a legislação lá também é diferente e muda conforme o Estado. Mesmo assim existe limite de emissões de decibéis e o motociclista pode sim ser multado.

 

Imagine se a cada minuto uma moto com escape livre subisse uma daquelas ladeiras de São Francisco, causando um tremendo estardalhaço. Eu mesmo vi várias motos circulando por lá e todas estavam com o escape original. Duvido que os decibéis sejam liberados por lá. Mas nos eventos de Harley é comum ver motos com escape direto, em áreas específicas e nos finais de semana.

 

E quem disse que os americanos são os mais educados do mundo? Na Alemanha, país com alto nível de sociabilidade, a lei anti-ruído é tão rígida que até as motos de corrida são obrigadas a ter silenciador no escapamento. E ai de quem sai na rua com escape livre!

 

Ao usar o escapamento livre, o motociclista produz ruído o tempo todo que estiver rodando. Portanto essa teoria do escape-salvador deixa de fazer sentido se ele estiver voltando pra casa, às três da manhã, sem ninguém mais na rua! Os dados estatísticos de trânsito mostram que os acidentes com motociclistas acontecem entre 7 e 8 horas e das 18 às 20 horas. Mas o escape faz barulho 24 horas por dia!

 

2)  Corporativismo -  Já escrevi dezenas de vezes que o motociclista é a categoria de pessoa que mais conspira contra si mesmo. É uma espécie de corporativismo acima de qualquer vestígio de sensatez. Eu me recuso a defender os motociclistas apenas pelo fato de usar moto, já temos péssimos exemplos de corporativismo na vida pública e não precisamos levar isso para nossa vida pessoal. A ideia de que a moto produzindo barulho irá "abrir caminho" entre os carros, como se fosse uma sirene, é ridícula e egoísta. Para começar quem disse que o motociclista TEM DIREITO àquele espaço entre os carros? Aquilo é uma CONCESSÃO que deveria merecer um agradecimento e ser bem aproveitada, porque um dia essa concessão será cassada.

 

Até a buzina insistente dos motoqueiros (e motociclistas, que é a MESMA COISA) é uma prova de mau-caratismo e só serve para jogar ainda mais no ralo a imagem dos motociclistas. Durante décadas atravessei diariamente a cidade de São Paulo de norte a sul e vice-versa e muito raramente encostei na buzina. Mesmo assim não levo fechadas porque aprendi a observar os outros elementos em volta e a prever a reação de um motorista. Além disso, não é uma buzina que salva um motociclista que roda a 90 km/h no corredor entre os carros, enquanto todo os outros veículos estão a 20 km/h. Uma moto a 90 km/h percorre 25 metros por segundo, mas demora mais de 25 metros para parar (se os freios funcionarem). Não adianta nada buzinar ou fazer barulho porque a essa velocidade vai bater de qualquer jeito.

 

Quando um motociclista passa buzinando ou fazendo barulho ao lado de um motorista ele não está exercendo a pilotagem segura, está apenas enchendo o saco - para usar o bom português - de todo mundo em benefício próprio. Para resolver uma necessidade pessoal ele atormenta toda a cidade.

 

3) Sociopatia -  É uma doença comportamental que se manifesta nas pessoas que acreditam piamente que todo mundo está contra ela. Ou que a sociedade é injusta só com ela e que cidadania é um belo conceito para os outros. Quando um motociclista propõe usar escape barulhento como forma de proteção ele está se colocando acima da sociedade. O barulho que acredita ira salvá-lo é o mesmo que tira o repouso de um paciente no hospital; que atrapalha a concentração de uma criança na escola; que polui o ambiente da cidade em que ele vive. O sociopata coloca o interesse pessoal acima de tudo.

 

Além de manifestar-se como um doente social, esse motociclista é mais ignorante ao acreditar que os motoristas realmente perceberão sua presença pelo som. Só para avisar: não funciona assim!

 

Dentro de um automóvel o motorista está com os vidros fechados, o ar-condicionado ligado, tem um sistema particular de som, (rádio, CD player, MP3, etc), conversa com os passageiros e o som da moto chegará até ele fraco e sem foco. Ele não consegue identificar se a moto vem da esquerda, direita, de cima ou  por baixo. Portanto não funciona. Para que o motorista perceba é preciso um ruído muito alto e fácil de identificar, como as sirenes dos veículos de socorro.

 

4) Ambientalmente incorreto - Já cansei de escrever que a cidade também é meio-ambiente, apesar de muita gente acreditar fielmente que meio-ambiente é só no meio do mato, entre lobos guarás e jacarés. Usar um veículo que emite ruído acima da lei é uma forma de mostrar à sociedade que você está pouco se lixando para o meio-ambiente. Que você produz ruído, mas reclama das caminhões que despejam fumaça de óleo diesel na camisa nova.

 

Essa é outra tecla que vivo esmurrando. Durante a semana o sujeito é executivo de uma grande empresa, exige um comportamento padrão dos funcionários, caga regra institucionalmente ao afirmar que sua empresa é ISO qualquer-coisa com certificação ambiental, gasta dinheiro para propagar isso nos meios de comunicação, mas no fim de semana monta numa moto e sai causando uma baita estardalhaço por onde passa. Cadê sua certificação ISO qualquer-coisa de idiota completo?

 

Quem posa de respeitoso e, mais do que isso, quem vive pedindo mais respeito, antes de mais nada deve se dar ao respeito.

 

5) E o futuro? O que me assusta nesse tipo de campanha é o legado que isso deixa. Como educar um filho a ser respeitoso com os outros se o pai desfila de moto fazendo barulho e ignorando o direito dos outros ao silêncio? Que tipo de cidadão este motociclista está preparando para deixar para a sociedade?

 

Não dá mais para aceitar esse tipo de atitude. Ninguém é "meio-educado" ou "quase cidadão". Ou é ou não é. Neste tipo de comportamento humano não existe meio-termo. A educação e cidadania devem ser contagiosas, atingir o máximo de pessoas à sua volta, se espalhar.

 

 

(A minha moto tem um belo escape esportivo, mas com o silenciador)

 

6) A indústria - Meus amigos que produzem e vendem escapamento esportivo não precisam ter medo de falir, basta fazer como as grandes marcas sérias: produz o escapamento com o silenciador (e não silencioso, como escrevem alguns) e atendendo os níveis de emissão. Na minha moto eu tenho um belo escapamento com acabamento de aço e aplique de carbono que é tão silencioso quando o original e tem um selo certificador Euro 3 de emissões. A moto ficou mais bonita, com visual esportivo, sem aumentar o ruído nem emissões.

 

E podem continuar produzindo os escapes esportivos para competição, com uso restrito às pistas, porque as corridas de moto não param de crescer em todo o Brasil (felizmente) e o mercado vai continuar promissor.

 

O escape barulhento não salva vida de ninguém. As motos já saem de fábrica com uma buzina que, se bem aplicada, salva vida e pode ser usada apenas nas necessidades. Recuso-me a aceitar qualquer argumento corporativista em contrário porque um bom lugar para viver só se faz com cidadania, não tem outro jeito!  

À espera de um milagre

$
0
0

 

 

A sociedade clama pela redução de acidentes de trânsito, mas não se mexe!

 

Vivemos um dos maiores conflitos da era moderna: como equacionar a necessidade de mobilidade urbana com a redução de acidentes de trânsito? A situação é crítica, já atingiu contorno de epidemia, provoca um prejuízo astronômico para a Economia do País, mas não se vê nenhuma possibilidade de reversão desse quadro. Quer ver?

 

De um lado temos a densidade demográfica cada vez mais acentuada nas grandes cidades, que é onde se criam empregos e oportunidades. Cidade que não cresce não atrai moradores, pelo contrário, expulsa. Nas cidades já densamente povoadas o incremento da população traz como consequência a necessidade de mobilidade, seja por meio de transporte coletivo ou individual. São nessas cidades que o perfil comportamental mais se alterou em função do crescimento acelerado e desordenado.

 

Já do outro lado existe a necessidade de se mover nessas áreas densamente habitadas. Como a administração pública não investiu na mesma proporção em crescimento da malha viária e de transporte público, a velocidade média dos deslocamentos caiu para todo mundo, não só para quem usa veículo próprio. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro o tempo de deslocamento para o percurso casa-trabalho-casa é tão alto que sacrifica quem trabalha assim como quem emprega.

 

Para o trabalhador a consequência é a perda da qualidade de vida, dedicando tanto tempo para deslocamento que falta para lazer, saúde ou estudo. Para o empregador porque os acidentes de trânsito de percurso são inseridos como acidente de trabalho e um funcionário afastado compromete toda a linha de produção. Imagine uma dezena deles!

 

É aqui que a iniciativa privada precisa começar a olhar. É uma tremenda ingenuidade acreditar que o Denatran irá solucionar o papel ridículo feito nas moto-escolas. A formação dos novos motociclistas é tão ridiculamente falha que seria melhor que cada um aprendesse com um amigo do que se matricular num CFC. Funciona quase como entregar uma partitura para uma pessoa e esperar que ela aprenda a tocar um instrumento musical.

 

A União não vai melhorar a formação, a menos que um grande milagre aconteça ou uma influência cósmica interfira nos ares de Brasília. Não será de um dia para outro que os CFCs se transformarão em verdadeiros formadores de motociclistas. Portanto a saída é cada um cuidar de si e procurar uma formação adequada. Seja individualmente, como pessoa física, ou em grupo pela pessoa jurídica.

 

Recentemente visitei uma empresa e ouvi da médica do trabalho um honesto depoimento: "nós damos prioridade a quem não anda de moto e não adianta mentir, porque no exame clínico aparecem as cicatrizes das cirurgias ortopédicas". Também já ouvi profissionais de recursos humanos afirmando que boicota a contratação de funcionários motociclistas. Quando a médica acabou o discurso, comentei que se ela evitar a contratação de motociclistas, em pouco tempo a empresa ficará sem mão de obra.

 

São duas pessoas com formação superior, aparentemente inteligentes, que provavelmente defendem que o futuro do Brasil passa por uma reforma na Educação, mas que na vida pessoal e profissional preferem demitir a ensinar. É esse tipo de deformação de caráter que faz um País andar para trás. Defende uma filosofia desde que ela fique apenas no plano teórico, mas não quer realizar nada que mude o país no plano concreto.

 

A redução de acidentes de trânsito passa por várias transformações, começando pela comportamental, porque o principal fator contribuinte para o acidente ainda é humano; pelo econômico, porque a maioria esmagadora dos profissionais de RH ainda enxerga o treinamento de motociclista e motorista como um CUSTO e não como investimento e termina na pressão política, porque como se sabe, aqui no Brasil do avesso o trânsito é uma competência política e não técnica.

 

Começando pelo fator humano. Ninguém se acidenta porque quer. Pode até parecer, mas não é. Ninguém acorda pela manhã esperando ver o próprio fêmur saindo pela coxa. Portanto é preciso enxergar a vítima como alguém que precisa primeiro de treinamento e depois de acompanhamento. Na maioria absoluta dos acidentes a falta de informação é o elemento contribuinte. O sujeito sai da moto-escola sem saber nem mesmo frear uma moto!

 

O fator econômico. Se a empresa tem prejuízos enormes com afastamento de trabalho por acidente de percurso é hora de enxergar o treinamento como uma forma de reduzir o custo lá na frente. Segundo um especialista em RH, para cada um real investido em treinamento são economizados quatro reais em indenização. Como não adianta esperar um milagre que transforme o CFC em um formador de motociclistas capacitados, o jeito é fazer o papel do Estado e proporcionar essa qualificação. Em suma, a empresa precisa abrir o cofre e ela tem esse dinheiro sim, porque é muito mais barato do que uma festa de fim de ano com um grupo de humoristas.

 

A pressão política. Pelo menos em três empresas que visitei as vias de acesso eram problemáticas a ponto de expor os motociclistas a riscos muito acima da média. Nesta hora uma grande empresa tem poder de lobby (no bom sentido da palavra) para pedir ao Município, Estado ou União que faça a parte deles e melhore os acessos, criem e construam ciclovias, passarelas etc.

 

A cada Fórum de trânsito que participo escuto a velha cantilena da necessidade de redução das vítimas de trânsito, mas ninguém (montadoras, empresas, órgãos públicos) querem botar a mão no bolso. As montadoras e empresas do setor de motopeças que vêem seus negócios seriamente ameaçados pelo crescente número de acidentes alegam falta de verba porque o mercado está em crise nesse momento. As empresas preferem demitir ou não contratar funcionário motociclista para economizar em indenizações trabalhistas. Por fim o Estado alega que acidente de trânsito é falta de fiscalização e aumenta a quantidade de multas na cabotina esperança de "educar" os motoristas.

 

Como se vê, a menos que aconteça um milagre semelhante à ressurreição de Cristo e que da noite para o dia mude a cabeça das pessoas, o tal pacto pela vida e pela redução dos acidentes de trânsito continuará sendo um slogan bonitinho para incluir nas publicidades de veículos. Estamos, então, à espera de um milagre.

Have a Harley day!

$
0
0

 Não, eu não sou bad boy nem was born to be wild!

 

Como entender o efeito Harley-Davidson nas pessoas

 

Minha primeira viagem a Las Vegas foi em 1997 para um teste de pneus. Não gastei nem um centavo de dólar em qualquer tipo de jogo, nem caça-níquel, mas gastei dentro de uma loja suntuosa que tinha uma enorme moto explodindo para fora. Era o Harley Coffee, na avenida principal. Depois de passar horas lá dentro, mais doido que cachorro em açougue, saí com um belo isqueiro Zippo de metal envelhecido, com o famoso logotipo HD e a frase "Live to ride; ride to live" em relevo. Veio com um belo estojo, realmente muito bem acabado! Custou algo como US$ 20,00.

 

Só que eu não fumo!

 

Meu isqueiro Zippo da Harley: não vendo, não dou nem empresto

 

Quando uma pessoa não-fumante gasta uma grana para comprar um isqueiro - que nunca foi usado e está na embalagem por 17 anos - é sinal que tem alguma coisa esquisita. É o efeito Harley-Davidson e isso não tem explicação. Mas nem adianta me fazer ofertas, porque não vendo meu isqueiro!

 

A respeito dos itens colecionáveis, houve uma época que a Harley faturava US$ 3,0 em collectibles para cada dólar faturado na venda de moto. Quem entra em uma loja HD não consegue sair de lá sem alguma coisa. Tem de tudo, de caneca a mesa de bilhar, de jukebox a jaquetas irresistíveis. Os desenhistas sabem como te conquistar com itens bem acabados e preferencialmente "made in USA". Tem até camisinha HD. Isso mesmo!!! Se levar em conta que os motores Harley são conhecidos pelo grande diâmetro e curso e que vibram bastante, é tudo que você precisa na hora do rala-e-rola!

 

Por mais de 30 anos escrevo sobre motos e há 43 me desequilibro sobre elas. Sempre gostei de motos de todo tipo, mas nunca engoli muito bem essa tal de Harley-Davidson, embora sempre mantivesse o respeito pela marca. Pela moto nem tanto, porque depois de escrever várias vezes a história da marca ficou evidente que a Harley pós anos 90 nada tinha a ver com a Harley dos românticos anos 40/50. Era como se a HD de hoje fosse transformada de moto rebelde em uma comportada yuppie de butique.

 

Tudo nela brilha muito

 

Historicamente a Harley nasceu para ser uma moto mecanicamente simples, barata, de fácil manutenção, destinada a quem não tinha grana pra comprar um BelAir ou um Mustang. Depois de algumas quebras financeiras a Harley foi reerguida e se transformou no maior case de marketing da era moderna, a ponto de fazer um não-fumante comprar um isqueiro!

 

On the road again

 

A sensação ao pilotar a nova Harley-Davidson Electra Glide Ultra Limited é como estar sentado em uma poltrona, com o controle remoto na mão, playlist tocando no aparelho de som e um tremendo ventilador na cara. É uma visão bem romanceada, mas é como estar em uma poltrona sobre duas rodas. Melhor que isso, porque a poltrona viaja a 120 km/h como se o mundo estivesse parado ao seu redor.

 

Para conhecer mais dessa novidade saí com ela duas vezes. A primeira, em maio fui ao ninho das águias, ponto de encontro de Harlistas de várias espécies - e de outras tribos - que tem em comum a paixão quase religiosa pela marca americana: ao Megacycle em São Lourenço, estância climática (e aquática) de Minhas Gerais. A segunda vez em setembro, para ir ao passeio organizado pelo grupo de esportivos da Rota 299. Uma HD no meio de várias esportivas... imagine!

 

Com o cruise control ligado dá pra tirar as mãos e fotografar...

 

Se existe uma trilha sonora que combina com a Harleyzona Electra Glide Ultra Limited só pode ser rock. Por isso tratei de fixar a sintonia da rádio Kiss FM enquanto estava em São Paulo e depois o playlist do iPod, conectado a uma central multimídia do painel que inclui ainda um GPS muito fácil de operar.

 

Como toda touring, a Harley tem muitos comandos, incluindo dois do tipo joy stick, acionados pelos dedões. Na verdade os comandos são pouco intuitivos e exigem muito treino para não desviar o olhar. Até achar a buzina o perigo já passou! No lado esquerdo tem: controle do aquecedor de manopla, pisca, acionamento do cruise control, buzina, farol alto (com lampejador) e o comando do menu principal. No lado direito: ignição, pisca, corta-corrente, faixa do cidadão, seletor do painel, farol auxiliar e controle do navegador.

 

Sobre o cruise control, antes ele era chamado de piloto automático, mas essa nomenclatura foi proibida depois de um acidente com motor-home nos Estados Unidos. Diz a lenda que um red-neck aposentado comprou um motor-home e saiu feliz curtir a vida. Quando entrou na estrada ligou o "piloto automático" e foi preparar um café... acordou no hospital sem entender nada! Depois disso é obrigado a usar a expressão "cruise-control" (controle de velocidade de cruzeiro).

 

É assim: você seleciona uma velocidade, tipo 110 km/h, aciona o cruise-control e não precisa mais acelerar nem na subida. Foi assim que fiz as fotos sentado no banco do garupa! Basta encostar na embreagem ou freio que o sistema desarma. Em viagens longas é uma delícia porque dá pra relaxar o punho direito.

 

Ninguém compra uma Harley pensando na moto. Junto com ela vem um estilo de vida, uma adoração quase religiosa, resultado de um dos maiores cases de marketing da história, ao lado de marcas como Coca-Cola e Gilette. Não existe racionalidade na escolha, porque mecanicamente analisando é um motor quase pré-histórico, com comando de válvulas por vareta, dois cilindros de funcionamento descompassado, que provocam uma vibração maluca e barulhenta. O novo cabeçote arrefecido a óleo ajudou a jogar a potência para 77,8 CV (medidos no dinamômetro, porque é segredo milenar).

 

Trata-se de um motor que gira baixo, do tipo feito para durar séculos. Na velocidade de cruzeiro, a 120 km/h em sexta-marcha, o conta-giros indica apenas 2.900 RPM. Com escape original e a enorme caranagem, o piloto navega silencioso pelo asfalto. Ouvindo rock, like always...

 

Na Harley o sistema de transmissão é por correia dentada. A vantagem é dispensar a lubrificação, duração de mais de 100.000 km e silêncio de funcionamento. Mas tem uma limitação: a baixa resistência à deformação. Não é usada em motos de alto desempenho porque a correia estica e contrai nas acelerações bruscas. Por outro lado, como não desgasta a coroa nem o pinhão basta trocar a correia e rodar mais 100.000 km.

 

Nessa moto ninguém repara que você é careca, baixinho e orelhudo.

 

Cidade alerta

Entre as qualidades que levam um indivíduo a escolher uma Harley desse porte está a tranquilidade de que não será roubada nem furtada. Não é fácil manobrar os quase 400 kg de ferro bruto e as bolsas laterais impediriam uma eventual fuga. Para viajar com garupa é quase um iate, com espaço de sobra nos três compartimentos de carga. Mas se ilude quem acha que o piloto tem a vida mais confortável sobre duas rodas, aliás é uma tremenda lorota essa conversa de que moto custom é mais confortável, porque na verdade as pernas ficam esticadas e as costas retas, com toda carga apoiada na coluna. A coluna sofre todo impacto dos obstáculos. O que salva é o banco gigantesco, com espuma macia. Quem vai na garupa é quase uma moto-leito, dá até pra dormir.

 

Sofrimento é atravessar uma cidade como São Paulo na hora do rush. O motor V-2 esquenta e começa a sauna. Usar o corredor entre os carros nem pensar. O jeito é relaxar e não ter pressa. Ligar o rádio, regular os defletores de ar para suavizar o calor a bordo e se esfriar é só fechar tudo e ligar o aquecedor de manopla. Aliás, na segunda viagem peguei um calor de mais de 35ºC (em pleno inverno...) e os engraçadinhos do encontro ligavam o aquecedor de manoplas o tempo todo! Eu saía com a moto e sentia um calor da p*** nas mãos achando que era o clima mas era a sacanagem mesmo!

 

Tudo fica mais colorido...

 

O habitat dessa gigante é a estrada mesmo, por isso carregue seu iPod, marque o destino no GPS e vá viajar! Quanto mais reta e lisa a estrada melhor. Nas curvas é um festival de balanço e faíscas voando das pedaleiras. Aliás, um acidente comum com motos custom é tentar inclinar tanto nas curvas que a pedaleira faz uma alavanca, tirando a roda dianteira do chão e passando o rodo no cabra pilotador.

 

Tive a sorte de experimentar essa Electra Glide em duas ocasiões, por estradas e climas totalmente diferentes. Em maio peguei frio e chuva e nestas horas o pára-brisa, mesmo baixo, protege bem. E na segunda peguei o calor infernal do interior de SP, quando direcionei os defletores para canalizar o vento para meu baixo ventre e reduzir o risco de ovos cozidos. Um defletor atrás do pára-brisa pode ser aberto para jogar ar também no tórax do piloto e refrescar.

 

Com uma área frontal enorme e a aerodinâmica parecida com um guarda-chuva aberto não dá para esperar que o consumo seja contido. Pra piorar dois baita cilindros de 845 cm3 cada um funcionam como um sumidouro de gasolina. Não fiz cálculo nenhum de consumo porque nesse tipo de moto a maior prova de falta de macheza é perguntar "quanto faz por litro???". Isso é coisa pra motoboy...

 

Falando em macheza, no quesito "pegação de mulé", numa escala de 0 a 10, essa HD estaria perto do 8,5 porque sim, existe muita mina que prefere as motos esportivas por dar mais volume à região glútea. Mas mulheres de verdade gostam de conforto, música de qualidade, apoio para as costas e qualidade de vida, conceitos muito bem respeitados numa Electra Glide. Até um baixinho, barrigudo e careca fica lindo (menos se usar bandana e colete de franjinhas...).

 

Harley Coffee em Las Vegas.

 

Pronto, já enchi liguiça por mais de 8.500 caracteres e quer saber? Se Harley é a sua praia, esta Electra Glide é do Caribe. Pode mergulhar de cabeça, pagar os quase R$ 82.000 sem dó, mas saiba que é como piscina: vai gastar muito pelo pouco tempo que vai passar dentro. Mas quando entra, oh que coisa boa!

 

Em vez de encher seu saco com dados técnicos, cores, preços etc... vai direto na página da HD e leia aquilo tudo.

 

Just four fun

$
0
0

Na altitude de Mauá. 

 

Quatro cilindros de versatilidade da Kawasaki Versys 1000 Grand Cruiser

 

Se fosse motociclista, Vinicius de Moraes teria dito "que me perdoem os dois cilindros em V ou três cilindros em linha, mas ter quatro cilindros é fundamental". E é mesmo. Se algum dia Soichiro Honda for canonizado será pelo milagre da popularização do motor quatro cilindros em linha transversal da Honda CB 750Four, em 1968. Essa configuração acabou para as outras: não tem nada mais musical do que o som de um quatro cilindros em linha, com escapamento 4x1. Depois de muito refletir cheguei a conclusão que a paixão por esse ronco vem do fato de ser praticamente um motor V-8 cortado ao meio. E nos anos 70 (e até hoje) o motor V-8 fez a cabeça de uma geração inteira e era o motor que empurrava os Fórmula 1 na época de maior testosterona da categoria. Tive minha primeira quatro-em-linha em 1977 e fiquei tão contaminado que hoje ligo a minha CBR 600F na garagem de casa só pra ouvir o motor... e aperrear os vizinhos!

 

Deixa eu contar um pouco mais sobre motos e motores antes de escrever sobre a Versys. Durante muito tempo as motos on-off road, no mais verdadeiro estilo big trail, usaram motores monocilíndricos com grandes valores de diâmetro e curso. Especialmente curso, para dar torque em baixa rotação. Era a época da Yamaha XT 600 Ténéré, Suzuki DR 800, Honda XL 650R e Kawasaki KLR 650. A exigência por conforto e eficiência energética fez os motores de um cilindro darem espaço para os de dois, como a Yamaha 750 Superténéré, Honda 750 Africa Twin, BMW R 1100GS e na garupa desse aumento de cilindros veio a perda das características off-road. Tornarem-se motos como os carros SUVs: tem cara de jipe, mas só roda no asfalto.

 

Até que surgiram as big-big trails atuais, como a Yamaha Superténéré 1200, Honda VFR 1200X, Suzuki V-Strom 1000, a mastodôntica BMW R 1200GS Adventure e praticamente desapareceram as raízes fora-de-estrada, ficando só o estilo mesmo. Para essas motos acho mais adequado o nome de "funduro", mistura de enduro com diversão. Mas ainda estava faltando aquele toque mágico do motor quatro cilindros em linha transversal. Aí a Kawasaki criou a Versys 1000 e o ovo foi colocado em pé. Agora sim, vou contar dessa moto.

 

Motor quatro-em-linha eu te amo!

 

Para avaliá-la para a revista Cycle World eu fiz um bate-e-volta de São Paulo à vila de Visconde de Mauá, na divisa de SP e Rio de Janeiro. A primeira vez que fui para Visconde de Mauá foi em 1981, com uma Yamaha DT 180, a primeira moto de enduro vendida em larga escala por essas bandas. Ela chegava com muito esforço a 100 km/h, vibrava tanto quanto uma britadeira e a fumaça de óleo dois tempos ficava impregnada na roupa por séculos. Para percorrer os pouco mais de 300 km de casa, na zona sul de São Paulo, até o vilarejo foram quase oito horas de viagem, principalmente por causa do trecho de 30 km por uma estrada sinuosa de terra, debaixo de uma chuva torrencial e à noite com o farol de 6V.

 

Já na viagem mais recente, com uma Kawasaki Versys 1000, os mesmos 306 km foram percorridos em pouco mais de três horas e meia. Não só pela moto, mas também porque a serra outrora cheia de buracos e pontes de madeira, foi totalmente asfaltada. Como dizia Albert Einstein: "o tempo é relativo". A velha equação espaço sobre tempo se torna relativa dependendo da moto que está no meio das pernas. E em cima da Versys 1000 tudo passa muito rápido!

 

Para curtir essa moto arrumei o pretexto de revisitar a vila de Visconde de Mauá, aquela mesma que conheci mais de 30 anos atrás, até hoje considerada como reduto de bicho-grilo e terra de fadas e duendes. Ou qualquer outra entidade que todo doidão encontra pelo caminho. Mas já vou avisando: não vi duendes, mas sei que eles me viram!

 

Entre cachoeiras e duendes... na estrada de terra!

 

Para minha felicidade, o motor de 118 cv (a 9.000 RPM) da Versys pega com um simples apertar do botão de partida. Esse motor foi herança da Kawasaki Z 1000, devidamente amansado em 20 cavalos, com privilégio do torque, que chega a 10,4 Kgf.m a 7.700 RPM. Para conseguir colocar um motor de quatro cilindros em uma moto teoricamente big trail a Kawasaki fez um malabarismo de engenharia ao trabalhar com a posição de pilotagem e a compactação máxima do conjunto motor/câmbio.

 

A palavra de ordem na engenharia é o tal downsizing do motor. Graças a uma incrível melhoria na qualidade do óleo e no sistema de arrefecimento, hoje os motores estão com as paredes dos cilindros cada vez mais finas a ponto de parecer terem sido embalados a vácuo. Dá até para ver os dutos de arrefecimento e lubrificação como se fossem veias saltadas. Também em função da redução de peso, hoje é possível instalar um motor quatro cilindros em uma pretensa big-trail. Em suma, o conforto e a versatilidade agora podem emitir o mágico som do quatro-em-linha!

 

Se aquela concepção de funduro não vingou, também não dá para chamar essa Versys de big trail, pode até ser big, mas trail nem a pau. Apesar de os pneus Pirelli Scorpion serem considerados de uso misto, na verdade quando montados em rodas de liga leve e aros 17 polegadas fica mais do que claro que o objetivo é rodar no asfalto. São as mesmas medidas de pneus usados na Suzuki GSX-R 750, por exemplo, com 120/70-17 na dianteira e 180/55-17 na traseira. Ao passar em buracos a pancada é bem seca. Moto trail precisa ter aro dianteiro pelo menos de 19 polegadas e rodas raiadas, senão não há coluna cervical que resista a tanta pancada. Mas, vá lá, tem gente que comete o impropério de chamar uma Ducati Multistrada de big-trail! Big ingenuidade!

 

O Painel é de boa leitura e estilo esportivão

 

Em compensação, no trecho asfaltado da serra foi pura diversão! A Versys deita muito a ponto de esfolar as pedaleiras a cada curva. É fácil dobrar ela na curva e o guidão largo facilita o contra-esterço. Pode inclinar que ela aceita na boa! Lembra bem a Ducati Multistrada, motos capazes de darem um bom suador nos amigos com esportivas porque, pouca gente sabe, mas em curva de baixa velocidade as esportivas são lentas... Uma viagem que tenha serra de asfalto, trecho de terra e longas retas é tudo que um dono da Versys precisa para ser muito feliz.

 

Para alguns projetistas, este estilo de moto representa um desafio, porque dar esportividade a um conjunto alto e pesado não é fácil. Mas também é difícil dar conforto para uma moto esportiva. Por isso essa geração de funduro tem a vantagem de reunir parte da estabilidade e desempenho de uma estradeira, com o conforto e versatilidade de uma trail. A garupa, por exemplo, goza de muito conforto e até um encosto proporcionado pelo baú. Aliás, com as malas laterais e o top case não tem mulher que reclame de falta de espaço para as "coisinhas" dela. Só que é preciso ficar muito ligado quando estiver com as malas laterais, porque eu mesmo enrosquei duas vezes quando rodava no vuco-vuco do trânsito de São Paulo. Pra rodar no corredor fique esperto!

 

 

Não sou Silvio Santos, mas adoro um baú!

 

Apesar de estilo ser uma questão muito mais pessoal do que qualquer análise, admito que achei a Versys 1000 (e a 650 também) meio feiosa, sem muita identidade e certa cara de Louva Deus mecânico. No quesito pegação de mulé (item exclusivo do Motite.com, que vai de 0 a 10) diria que ela estaria ali nas casa dos 7,5 só por conta do conforto. Mas uma BMW GS 1200 Adventure ainda é superior nesse importante fator de compra de um verdadeiro macho-alpha.

 

Adiós, cueca

Como nas esportivas, a suspensão dianteira é por garfo invertido e a traseira, regulável na compressão e retorno, com cursos iguais de 150 mm. Na ficha técnica pode não significar muita coisa, mas na prática surpreendeu. Como foi preciso enfrentar alguns quilômetros de terra e lama fiquei preocupado em como se comportaria com os mais de 240 kg, além das duas bolsas laterais e do baú. Surpreendentemente foi mais fácil do que imaginava e até aproveitei para testar as três posições do controle de tração: no modo 3 ela impede a roda traseira de derrapar mesmo quando se abre o acelerador com vontade. No nível 2 ela permite até uma certa derrapagem, mas ainda sob controle e no nível 1 é preciso ter juízo muito mole para acelerar na terra.

 

Confesso que quase mandei a cueca pro incinerador várias vezes ao abrir o acelerador com fúria nas saídas de curva, sem alcançar os pés no chão e até arrisquei alguns saltos nos cocurutos de pedras. Um cara com mais de 1,80m certamente vai se divertir mais, mas para um quase gnomo de 1,68m cada vez que a roda dianteira saía do chão meus joelhos amoleciam junto. É emocionante, ainda mais porque eu estava sozinho e uma queda nessas condições poderia representar ficar horas debaixo de uma moto! Não façam isso em casa...

 

Aquecedor de manopla... parece gambiarra!

 

Felizmente existe um salva-cuecas: pode-se controlar o módulo de potência entre "full" que libera a cavalaria toda e o "low" que manda só 75% de força. Nem quis saber dessa frescura e mantive o tempo todo no full, mesmo quando desabou maior temporal na estrada de asfalto. Potência é boa quando se tem de sobra! E cueca é baratinho...

 

Museu das motocas

O cenário de Visconde de Mauá combina com a Versys porque mesmo parecendo alta (845 mm de altura do assento ao solo) e com um ótimo vão livre do solo (155 mm) é uma moto até fácil de gerenciar nos mais diferentes pisos. No começo entrei na terra meio apreensivo, mas depois de alguns minutos estava muito à vontade e pode-se pilotá-la em pé nas pedaleiras com muito conforto e segurança. Mesmo nos trechos de cascalhos e pedras ela se saiu muito bem. Claro que não é uma Yamaha XT 660, mas é bem melhor nessa situação do que uma Suzuki Bandit 1200, por exemplo. Se a ideia for enfrentar terra deve existir pneus mais adequados, porque na lama esse Scorpion pode te ferrar, literalmente!

 

Só senti falta da opção por desligar o freio ABS na hora de pilotar na terra, porque algumas vezes a derrapagem é bem vinda e até necessária, mas tudo em nome da segurança. Depois agradeci por ter o sistema sempre ligado!

 

Ok, alguém vai fazer a p*** da pergunta, então já vou avisando: ele fez média de consumo de 18,1 km/litro no trecho cidade/estrada. O que está muito bom para o motor 1.000cc. Com tanque de 21 litros dá para fazer o roteiro São Paulo-Mauá sem precisar parar para abastecer.

 

As mina pira na garupa

 

A volta para São Paulo foi à noite, debaixo de um toró pré-diluviano com direito a muito raio e granizos de brinde. Felizmente o pára-brisa pode ser regulado por meio de duas borboletas para aumentar a proteção, mesmo assim o vento no capacete é intenso. O modelo avaliado contava com aquecedor de manopla, muito eficiente, especialmente na chuva, mas a instalação pareceu meio grosseira, como uma gambiarra colocada depois. Já o potente farol não só ajuda a se localizar, como também serve para abrir caminho entre os motoristas-cornos que insistem em rodar devagar na faixa da esquerda.

 

No piso molhado fiquei feliz em saber que estava calçado com os Pirelli Scorpion porque se fosse um tipo mais off não teria tanto grip. Além disso o sistema ABS no freio também funciona como um ótimo guardião das nossas cuecas, porque permite montar nos freios sem sustos. A parte de preço, cores e o bla-bla-blá técnico você pode ver na página específica do produto. Se liga, você está num blog, não numa revista!

 

Tirando de lado um pouco o papo técnico, deixa eu explicar o que é a Versys de um modo mais particular. Nunca fui muito chegado nesse papo de Iron Butt, nem de viagens estilo maratona, na qual o cabra roda 1.000 km numa tacada só. Acho que moto foi feita pra pessoa curtir estar viajando e chegar é a consequência. Nesta viagem pra Mauá a minha ideia inicial era pernoitar e voltar no dia seguinte. Só que depois de entrar na estrada percebi que chegaria muito cedo. Cedo o bastante para voltar no mesmo dia e ainda chegar em SP inteiro; completamente ensopado, mas inteiro. Não faça isso, durma em Visconde de Mauá porque uma das melhores coisas daquele lugar é o café-da-manhã colonial em várias pousadas. E não deixe de visitar o Museu Duas Rodas.

 

 

Museu Duas Rodas: não deixe de visitar, esse careca não é duende!

 

O museu funciona todos os dias, a entrada é R$ 15,00 e é preciso tocar um sino para chamar o Robson que mora na casa da frente. Mais do que pelo acervo ou pelo papo agradável com o falante Robson, o pretexto para visitar Visconde de Mauá é também conhecer as várias cachoeiras e trilhas que circundam a serra da Mantiqueira, que a partir do outono começa a ficar com o clima mais frio. No inverno o bicho pega lá em cima, a mais de 1.300 m de altitude. O passeio que não pode faltar é a cachoeira do Alcantilado, logo à frente do Museu Duas Rodas. E não vá solteiro, porque o clima é tão romântico que vai querer cortar os punhos.

 

Entre as motos clássicas, lá está exposta a Yamaha DT 125, modelo que me inaugurou nas viagens fora-de-estrada. Assim como a raríssima Honda MT 125 RSC, dois tempos, que deu origem às motos especiais dois tempos da divisão mundial de competições da Honda, o HRC.


Mais que ciclovia

$
0
0

 

 

O desafio de se mover em uma cidade com 12 milhões de pessoas

 

O tema está na pauta de qualquer conversa e dominou as redes sociais: as ciclovias e ciclofaixas em São Paulo. Se para você é uma novidade, isso sim é o primeiro grande erro ao tratar do assunto mobilidade urbana.

 

Só para lembrar da minha velha teoria do caos, acredito fielmente que as decisões na administração pública em São Paulo são tomadas sempre quando o caos já está implantado. Não existe o menor vestígio de planejamento. Primeiro a cidade precisa chegar no limite para depois tomarem medidas desesperadas e que geram resultados insatisfatórios.

 

Para comprovar o que estou afirmando, em 1981 - nada menos que 33 anos atrás - trabalhei em um projeto da Comgás, junto com a Prefeitura que tinha como objetivo nada menos do que implantar uma rede de ciclovias que ligaria as principais avenidas e - veja você - aproveitando as margens do rio Pinheiros. Esse projeto - com centenas de páginas, desenhos, plantas etc - foi solenemente arquivado e deu no que deu: o caos!

 

A pergunta que fica é: por que demorou tanto para essa ideia ser desengavetada? A única resposta que consigo vislumbrar é a mais pura falta de interesse. Na mentalidade dos administradores públicos as boas ideias só são válidas se vierem atreladas a algum interesse político. Tenho pena de quem acha que essas polêmicas ciclovias criadas às pressas em São Paulo foram resultado de uma ação planejada e estudada. Que nada, foi a velha correria para tirar proveito político.

 

Naquele projeto de 1981 o alvo era o usuário da Caloi Barra Forte ou Monark Barra Circular, que usa a bicicleta porque precisa e não aquele que usa por ativismo ideológico. Por isso o projeto começava na zona leste e era interligado com transporte coletivo (antes do metrô). Previa a criação de bicicletários com armários, banheiros e segurança.

 

Barraforte, essa é de respeito!

 

Menos carro, mais problemas

Hoje a consciência ecológica elegeu o carro como o inimigo público número um, a ponto de criar o Dia Nacional Sem Carro, embora jamais eu tenha ouvido falar em Dia Nacional Sem Corrupção, Dia Nacional Sem Criança Fora da Escola etc. Depois de incentivar, produzir e gerar a necessidade por automóvel por mais de 50 anos, a administração pública de São Paulo decidiu demonizar o automóvel e desviar a verdadeira incapacidade de gerenciar o sistema viário.

 

A mais nova sugestão é aumentar para dois dias por semana o rodízio municipal de veículos. Essa medida tem o mesmo efeito que aumentar o tamanho do balde para resolver o problema de goteira! Não cura a doença, só elimina o sintoma! E a Prefeitura aproveita a onda ativista contra os automóveis para promover uma falsa ideia de "antenada com a consciência ecológica". Mentira da grossa! Se houvesse mesmo essa preocupação já não teríamos mais nenhum ônibus movido a óleo diesel rodando pela cidade. Essa medida é essencialmente política e não técnica e baseada em uma pesquisa fajuta com 700 munícipes num universo de 11 milhões de pessoas! Beira o ridículo!

 

Outra teoria que defendo desde o longínquo 1981 é que não se pode importar soluções holandesas para implantar em uma realidade paulistana. As cidades europeias existem há mais de 2.000 anos e o cidadão aprende a viver em sociedade de forma organizada desde que nasce. São Paulo existe como sociedade organizada há pouco mais de 150 anos e o resultado é o que se viu logo nos primeiros dias de implantação das ciclovias nos bairros: carros estacionados nas ciclovias vazias e comerciantes furiosos!

 

Bicicleta popular, solução inteligente

 

Ficou evidente para qualquer pessoa que essas ciclovias foram implantadas às pressas, sem um estudo de impacto na região não só do ponto de vista de mobilidade, mas também de como iriam afetar os comerciantes, profissionais e moradores. Foi no melhor estilo do "faz e depois a gente vê como fica"... o que comprova o caráter mais eleitoreiro do que prático.

 

Evidentemente os ativistas são a favor da teoria do caos, tipo "uma hora teria de ser feito, não podia mais adiar". Adiar??? O primeiro projeto data de 1981, como assim adiar? Se fosse respeitado o primeiro projeto essas ciclovias já estariam todas implantadas há décadas, funcionando e operando sem causar o menor furor.

 

A cegueira ativista não enxerga o óbvio: São Paulo (e o Brasil) é dependente da indústria automobilística desde os anos 1950. Foi nos pátios das indústrias da região do ABC que nasceu o partido político que comanda o Brasil e a cidade de São Paulo. A indústria tem um peso fundamental nas decisões políticas e econômicas, dizem quando e quanto querem pagar de impostos e usam como poder de barganha a eterna ameaça de demissões em massa. O medo de mexer com esse poder econômico foi que impediu por décadas que se investisse em melhoria no transporte público, ou na implantação das ciclovias.

 

Agora, como um tratamento de choque, o prefeito quer demonizar o automóvel por meio de canetadas desqualificadas e inofensivas. Percebe o tamanho do buraco?

 

E as motos?

Tratar de mobilidade urbana não se limita a atender reivindicações de ativistas, vai muito além disso. Por exemplo, cansei de escrever que em uma cidade com 11 milhões de habitantes quanto menos as pessoas se deslocarem melhor. Não há milagre que faça seis milhões de veículos circularem harmoniosamente. Portanto nessa batalha por mais mobilidade não se mover, ou mover-se o mínimo possível, é uma opção. Aqui entram os profissionais de recursos humanos que devem olhar com especial atenção para o endereço dos candidatos à vaga. Se puder fazer essa pessoa se deslocar menos, melhor.

 

Outro papel dos profissionais de recursos humanos é garantir a segurança e saúde dos funcionários. Não dá para aceitar como normal que um trabalhador gaste quatro horas por dia só para se deslocar ida e volta para o trabalho. Reduzir esse tempo pela metade permitiria que essa pessoa investisse em qualificação profissional, saúde e até lazer.

 

É nessa hora que entra a motocicleta como opção de mobilidade. Mas falar em moto para um gerente de RH é quase um palavrão. Porque o peso - inclusive financeiro - por um afastamento de trabalho por acidente de trânsito soa como pesadelo. Não passa pela cabeça desse profissional de recursos humanos (que, acredite, cursou uma faculdade) investir no treinamento e qualificação do motociclista. Ele prefere proibir, isso mesmo, proíbe ou desqualifica o candidato que usa moto para se deslocar.

 

Mas o pesadelo dele vai piorar. Hoje o ativismo está incentivando o uso da bicicleta como meio de transporte com propostas como redução de impostos às empresas que conseguirem uma diminuição das emissões de carbono. É a receita certa para desandar a maionese de vez, porque estou só lendo, ouvindo e vendo medidas como criação de bicicletários, vestiários, para estimular o uso na magrela mas até agora não vi uma só medida no sentido de ENSINAR essas pessoas a como se comportarem no trânsito!

 

Preparem-se para um crescimento na acidentalidade semelhante ao que aconteceu com as motos nos últimos 20 anos. Vamos incentivar o uso da bike mas não vamos ensinar como atravessar a rua, em qual lado da via se colocar, respeitar a calçada e os pedestres e em breve os mesmos profissionais de RH que estimularam o uso da bike estarão propondo a desativação dos bicicletários e vestiários. É o mesmo filme que vimos acontecer com as motos. De solução para o trânsito, hoje a moto é a vilã que ainda causa mais engarrafamento a cada acidente.

 

Tudo consequência de uma doentia incapacidade de executar a tarefa mais primordial de qualquer projeto urbano: PLANEJAMENTO! Esse conceito é tão abandonado que estou aqui escrevendo sobre uma "novidade" sugerida 33 anos atrás! Ao contrário do que os ativistas adoram alardear, ciclovia não é uma necessidade urgente, porque a urgência é a mãe de todo esse caos. Na verdade ela tem nada de urgente, a ciclovia em São Paulo está três décadas ATRASADA. Não se corrige um erro de 30 anos pintando um pedaço de rua.

Hyp, Hyp, Hurra!

$
0
0

A Bela na praia de Paraty

 

Diversão sobre duas rodas tem nome e sobrenome: Hypermotard Ducati

 

O escritório da Ducati em São Paulo fica ao lado de um shopping center muito bacanudo. A torre de escritórios é tão sofisticada que tem carrinhos elétricos para levar as pessoas até o estacionamento e não se cansar nem se molhar. Até os elevadores são modernos e só depois de aproveitar uma porta aberta e entrar me dei conta que é do tipo que a gente seleciona o andar ANTES de entrar. Preso naquela caixa que subia verticalmente, ao lado de uma belíssima secretária exalando Armani Mania e de um executivo cheirando a Calvin Klein percebi que meu perfumeychó não combinava com aquele lugar. Pior, estava vencido! E o constrangimento só me fazia suar mais...

 

Assim começou a avaliação da apimentada Hypermotard SP, moto feita por italianos para pessoas de muito cuore! E um tanto de altura. Se você tem um traseiro muito sensível e um coração idem, esqueça a Hypermotard SP. O banco é quase tão duro quanto um mouse pad e o motor é de uma antipatia com os novatos que lembra um coice de mula. Nunca fui em rodeio nem montei touro bravo, mas assim que dei a partida nela senti o chão tremer e meus miúdos idem. Já me imaginei montado em um touro bravo, mas com o sedém (aquele torniquete nas bolas do infeliz) ainda frouxo. Com a moto ainda parada a cada acelerada o crescimento de giro é espantoso, tipo braaaapp mesmo. Uma patada!

 

Mas depois de engatar a primeira e deixar o motor morrer na primeira tentativa de sair me dei conta que o touro estava com o sedém ajustado e na segunda tentativa dei mais motor, soltei a embreagem e seguuuuuuuuuuuuuura peão!

 

A Hyper não é uma opção para amadores. A primeira é engatada depois de um sonoro clonc e dá um salto insinuante pra avisar que aqui o cabra tem de ser macho. E a embreagem, bem, se você não tiver nervos de aço, saia de perto, porque a embreagem é da base do tudo ou nada. Se soltar pouco ela fica quietinha, mas basta relaxar mais um pouco e ela sai como um cavalo de corrida. Até acostumar com essa indelicadeza o piloto levará muitos sustos.

 

Com apenas 1,68 m de altura não alcanço os pés no chão. Ou apóio o direito ou o esquerdo, os dois nem pensar. Para complicar o guidão esterça muito pouco e na primeira tentativa de costurar no trânsito muvucado da Marginal Pinheiros quase preguei na traseira de uma perua (carro).

 

Essa Hypermotard SP é uma versão incazzata que vem com pneus Pirelli Diablo Supercorsa SP, para servir como cartão de visita do tipo "se tiver coragem monta e acelera". Só tive a chance de pilotar no seco (graças a Deus), mas imagino que no piso molhado o piloto jamais se atreva a inclinar mais de 35º em relação ao eixo vertical porque vai esparramar R$ 65.000 pelo asfalto. No piso seco esses pneus são extremamente perdoáveis, ou seja, mesmo que você incline bem mais do que recomenda o juízo eles vão segurar sua barra.

 

Para avaliar essa Ducati fui para Paraty e já comecei fazendo uma lambança logo na saída. Como meu cérebro demora pra pegar de manhã, marquei com o fotógrafo um ponto de encontro em uma estrada, mas fui esperá-lo em outra. Tudo bem, meu corpo estava lá mas minha alma ainda estava na cama abraçada ao ursinho de pelúcia. Dei sorte, porque esse erro me fez descer ao litoral pela rodovia maravilhosamente cheia de curvas conhecida como Mogi-Bertioga. Como você sabe, na língua tupi Mogi-Mirim quer dizer "cobra pequena"; Mogi-Guaçu quer dizer "cobra grande" e Mogi-Bertioga quer dizer "a cobra vai fumar". A estrada tem mais curva que intestino delgado! Campo minado para pilotar a Hyper.

 

Na parte reta da estrada é um tremendo tédio, porque o motor é nervoso e pede pra acelerar, mas sem proteção aerodinâmica minha cabeça parecia que seria desgrudada do pescoço. Fora o barulho e o medo de realmente perder a cabeça por uma linha de pipa com cerol. Foi nessa estrada que peguei (pela quarta vez) uma linha com cerol, que enroscou na carenagem de uma Honda Sahara e cortou o plástico que nem serra tico-tico.

 

Mas chegaram as curvas. E qualquer vestígio de sanidade mental desapareceu assim que deitei no limite do Super Corsa. Grazzi, Giuseppe Pirelli, che Dio te benedica! Como faz curva, mamma mia! Durante a semana, estrada vazia, uma sequência de curvas de alta, baixa e média velocidades, asfalto de boa qualidade e me senti mais feliz que cachorro em churrasco! É disso que um homem (ou mulher) precisa de vez em quando para fazer o sangue ferver. Só fiquei pensando uma coisinha: imagina eu com essa moto num autódromo! Só vou sair de cima com um pé de cabra!

 

Na Hyper SP o objetivo é claramente divertir. Suspensões de caráter esportivo que atendem pelos nomes de Marzocchi na frente e Öhlins atrás, uma dupla ítalo-sueca totalmente regulável para garantir até o mais pentelho dos perfeccionistas encontrar a medida ideal para o estilo de pilotar. O purosanguismo dessa moto se revela ainda em algumas peças de estilo racing, como pára-lama dianteiro de carbono, as maravilhosas rodas Marchesini e o gerenciamento do motor com três opções: wet (pra chuva), sport e race. Para rodar no trânsito ou no piso de pedras de Paraty a melhor opção é o wet, que limita a potência a 75 CV. Mas na estrada o bom mesmo é o Sport, que sobe para 110 cv. E se tiver em uma pista, ou simplesmente quer saber como é a vida derrapando, coloque no Race, mas saiba que o ABS irá atuar apenas na roda dianteira e seguuuuura, peão, porque a cavalaria fica xucra!

 

A grande diferença dessa Hypermotard para a versão anterior é a substituição do motor 1100 a 90º pelo nervosíssimo 821 a 11º. Apesar do downsizing a potência foi upsizada de 95 para 110 cv e o arrefecimento passou de ar+óleo para líquido de verdade. É tipo encontrar aquela mina insossa do seu colégio, 10 anos depois, com cabelo pintado de ruivo, 300 ml de silicone em cada lado e toda tatuada. Vai sair testosterona pelo ouvido.

 

Quadro de treliça: obra de arte!

 

Na verdade não tem nem um parafuso sequer do versão anterior e o motor com ângulo mais fechado fez reduzir também a distância entre-eixos o que deixou a Hypermotard SP ainda mais estável em curva. É difícil descrever em letrinhas o que significa pilotar essa moto em cenário como a Rio-Santos, entrando nas curvas inclinado e ainda vendo o mar lá no horizonte. Um privilégio difícil de formatar do meu HD.

 

Sufoco em Paraty

Cidade pra lá de charmosa é fácil considerar Paraty como um dos pontos turísticos mais importantes do eixo Rio-SP. Tem atividades culturais e gastronômicas o ano todo, além da tradição de produzir boas cachaças nos alambiques locais. Claro que provei várias, porque tive o bom senso de dormir lá e continuar o teste no dia seguinte, com o corpo descansado e o fígado destruído.

 

É bom avisar que essa Ducati é para poucos. Não só pelo preço de aquisição (favor conferir no site porque não gosto de falar de dinheiro), mas a posição de pilotagem é bem agressiva. Nessa viagem tive a chance de também pilotar a Hyperstrada, uma versão estradeira mais mansa para duas pessoas. Mas chamá-la de big trail é um exagero. No máximo ela é uma opção divertida de levar a companheira pra uma viagem, fingindo que é uma moto touring. Jamais seria comparável a uma BMW F 800GS, Triumph Tiger 800, etc. O motor vibra em excesso, especialmente na faixa entre 3.500 e 4.500 RPM e na velocidade de cruzeiro a 120 km/h o conta-giros revela 5.000 RPM.

 

Mas se quiser moleza a Ducati Hyperstrada é uma espécie de meio-termo, que vem com os versáteis Pirelli Scorpion Trail, com vocação 80% asfalto, de bom grip no seco e molhado. Ela foi minha companheira de viagem com o fotógrafo Beá. Chegou mesmo a surpreender como a Hyperstrada se comportou nas curvas da deliciosa Rio-Santos. Em termos de versatilidade, obviamente que essa versão estradeira representa uma enorme vantagem por permitir até discretas incursões em estradas de terra, enquanto a Hyper quer mesmo asfalto e, quer saber, bom mesmo é autódromo ou kartódromo, o resto é um tedioso percurso.

 

 

Olhando para o caráter esportivo pode-se até imaginar um enorme consumo de gasolina. Outra surpresa, porque é mais econômica do que algumas motos da mesma categoria. Pilotando no modo Sport é capaz de passar de 21,5 km/litro facilmente, sem preocupação alguma. Mas quando no modo "mãe na zona" ela fez média de 20,5 km/litro. Já na opção Wet, ou salada de chuchu ela se equivale às versões mais mansas. O que mais estraga o consumo é o ronco maravilhoso desse motor e a forma como sobe de giro. Pena que eu não grudei a GoPro para gravar essa música, porque a hora que abre o acelerador (wireless) o motor praticamente grita de forma imoral. Pilotar essa moto de forma normal é um tremendo exercício de auto-controle digno de padre jesuíta.

 

Ninguém escolhe uma moto como a Hypermotard SP impunemente. Ela é alta (890 mm do banco ao solo) e pilotos com menos de 1,75m ficarão esticados como um bailarino flamenco. O guidão esterça muito pouco, o que atrapalha bastante na cidade, a embreagem é dura e quando roda em baixa velocidade o motor esquenta a ponto cozinhar os ovos do piloto. Não há outra justificativa para escolher esse modelo que não seja o irracional prazer de acelerar. Na estrada, em linha reta, é como se usasse um cavalo de corrida para levar criança no sítio. A moto fica impaciente e pede acelerador!

 

 

Difícil é fazer a roda dianteira ficar no chão!

 

O dia amanheceu ensolarado na histórica Paraty e já me preparei para o sofrimento: pilotar essa cabrita naquelas pedras redondas e escorregadias. Não tem como ser mais dura e o piloto sente até um palito de sorvete no asfalto. Imagine o que foi rodar com ela nos pisos de pedras redondas colocados pelos escravos no século XVI!

 

Depois de visitar várias vezes Paraty o turista pode observar uma curiosidade sobre o pavimento: no meios das ruas foram colocadas pedras mais bem talhadas e no sentido longitudinal, formando uma espécie de passarela perfeitamente alinhada e lisa. Ninguém soube explicar o motivo, mas bastou observar as charretes para perceber que é nessa passarela que os cavalos pisam, escapando do risco de torcer uma pata. Mas também é muito útil para mulheres de salto alto, bêbados e quem se atrever a entrar montado em uma Ducati Hypermotard. Outra curiosidade é que a cidade fica no mesmo nível do mar e algumas vezes por dia a maré invade as ruas, deixando um limo feio e escorregadio. Nem pense em passar de moto por cima!

 

Implorei quase de joelhos para não ter de rodar nesse piso, mas quem convence um fotógrafo? E como evitar passar na frente de casarões antigos com um cenário só visto em Ouro Preto, MG? Azar o meu que todo equipado suei mais que tampa de marmita e praticamente exorcizei uma pontinha de ressaca.

 

Na volta para São Paulo tive a chance de pilotar a Ducati à noite e apesar de o farol parecer pequeno, o facho luminoso surpreendeu. O painel também tem boa leitura, mas uma quantidade muito grande de informações. Com o computador de bordo pode-se  saber o consumo instantâneo, médio, velocidade média do percurso, tempo de percurso, dois trips parciais, temperatura do líquido de arrefecimento, do ambiente, hora e tem ainda o lap time que cronometra os tempos de volta em uma pista. Coisa pra apaixonado. Os modos de potência podem ser alterados com a moto em movimento, mas com o acelerador fechado. Também é possível alterar parâmetros do motor, controle de tração e ABS. Aqui também é saudável deixar como vem de fábrica ou só mexer com o manual do lado.

 

Na subida da serra entre Paraty e Taubaté várias vezes a roda dianteira saiu do chão e fui ficando cada vez mais animado até a primeira escorregada colocar ordem no meu galinheiro e maneirar, afinal mesmo não sendo minha odeio a ideia de levar um estabaco durante teste. Pilotar essa Ducati não é pra qualquer um.

 

Se você leu tudo isso e ficou inclinado a comprar a Hypermotard SP para posar de moderno na turma, um conselho: aprenda a pilotar primeiro. A coisa mais fácil é ver a frente empinar sem saber como trazê-la de volta pro chão. O limite dos pneus é altíssimo, assim como a moto, se quiser fazer curva pendulando como se estivesse numa esportiva vai se dar mal, precisa adotar a postura de pilotagem do supermotard, em pé, como no motocross e a moto inclinada. Outro conselho: nem chegue perto dos controles de subida de giro do motor, ABS e tração, a menos que seja muito experiente, porque a chance de dar merda é altíssima. Como diria meu avô italiano: é una moto per profissionisti!!!

 

26 coisas que você precisa saber sobre motos mesmo sem ser motociclista

$
0
0

 Moto só existe em movimento! 

 

Na onda das listas de 26 qualquer coisa sobre qualquer assunto!

 

1) Motos não foram feitas para cair. Essa é uma besteira ouvida em toda parte com aquela desculpa de que “se tirar do cavalete ela cai!”. Pra quem não sabe, moto em latim significa MOVIMENTO, ela precisa se movimentar para ter equilíbrio. Parada ela não é moto, por isso cai!

 

2) Motociclista é corajoso. Só se for louco! Todo ser vivo tem medo, o medo protege do desconhecido. O que faz uma pessoa ser motociclista é conhecer seus limites e da moto e isso é entendido como coragem. Mas basta uma barata voar por perto que a coragem acaba!

 

3) Moto é perigosa. Não é não! Tenho duas motos paradas na garagem da minha casa e elas não morderam ninguém até hoje. Perigosas são as pessoas!

 

 

 Moto parada não assusta ninguém

 

4) Moto é legal no verão! Engana-se quem pensa que ter o sol saariano esturricando sua pele é gostoso. O verão é uma estação complicada porque o calor é inimigo dos equipamentos de proteção. Quanto mais frio, mais a gente se equipa.

 

5) O equipamento de proteção é o item mais importante. Na verdade o fator decisivo na segurança é a atitude, a forma preventiva ao pilotar. Depois a qualificação técnica (saber como reagir) e se tudo isso falhar aí sim entra o equipamento. Mas deve-se sempre usar os equipamentos porque representa sua proteção passiva.

 

6) Moto e a poluição. No século 21 ainda tem gente que afirma que moto polui mais que carro. Isso foi 20 anos atrás por causa de um erro na legislação, que – pra variar – esqueceu de incluir as motos. Um carro de 20 anos atrás também polui mais que hoje. Atualmente as motos emitem muito menos poluentes do que um carro.

 

7) Usar o freio dianteiro faz a moto capotar. Só se for na cabeça oca do instrutor de moto-escola. Sem usar o freio dianteiro a moto perde mais de 70% de capacidade de frenagem. É preciso usar os dois freios ao mesmo tempo.

 

8) Se usar o freio traseiro na curva a moto derrapa. Outra bobagem nascida nas bicicletas. Pneu de bicicleta é muito fino e duro, o atrito é precário. Frear uma bike na curva é quase certeza de chão. Mas na moto o pneu traseiro é feito para deformar na curva e dar mais área de contato. O que não pode é frear o dianteiro na curva, senão a moto levanta.

 

9) Usar óleo dois tempos na gasolina ajuda a lubrificar o carburador. Aff, felizmente hoje a maioria das motos são injetadas e essa bobagem acabou. Mesmo em motos carburadas não é necessário e o óleo na gasolina gera depósito de carvão no pistão, que custa bem mais caro para limpar do que um carburador emperrado.

 

10)  O óleo é o sangue do motor. Verdade! Se a gente pudesse trocar de sangue uma vez por ano viveria muito mais e mais saudável, mas não dá. Por isso temos rins, fígado e medula óssea para manter nosso sangue sempre no nível e limpinho. No caso do motor é só a PRIMEIRA troca com 1.000 km, as demais podem ser feitas no período indicado pelo manual. Se o uso for intenso, ok, pode antecipar uns 500 km. Mas a cada 1.000 só gera despejo de óleo usado e embalagem no meio ambiente. Aí sim a moto polui mais que carro.

 

11)  No piso molhado é queda certa! Se fosse assim não existiria um motociclista vivo nos países tropicais. Piso molhado é menos aderente, claro, mas não precisa exagerar. Os das motos pneus são feitos para dar aderência no seco e no molhado. mas as distâncias de frenagem aumentam, por isso basta reduzir a velocidade.

 

12)  Em moto esportiva é melhor esvaziar os pneus. Nem sempre! Se for usar a moto na estrada a calibragem é a original de fábrica – que já leva em conta com ou sem garupa. Só em autódromo é preciso esvaziar um pouco para aumentar a deformação nas curvas. Mas a medida exata depende de cada um.

 

13)  Óleo usado de motor é bom para a corrente. Só se for para sujar a roupa. A corrente precisa lubrificação sim, mas o ideal é óleo fino ou graxa branca ambos em spray. Quanto mais aderente for melhor.

 

 

Na corrente só óleo fino ou graxa

 

14)  Depois da chuva precisa lavar a corrente com querosene. Não!!! Os solventes retiram a lubrificação permanente das correntes dotadas de retentor. Para limpeza é melhor óleo diesel que por ser óleo não danifica os retentores.

 

15)  A cada troca do pneu traseiro troca-se um dianteiro. Também é papo furadíssimo. Faça as contas: se o pneu traseiro for trocado com 15.000 km o pneu dianteiro terá os mesmos 15.000 km, afinal eles andam juntos. Aí o sujeito coloca um pneu traseiro novinho e deixa o dianteiro usado. Quando essa moto rodar mais 5.000 km terá um pneu traseiro ainda novo, tracionando bem e um pneu dianteiro com 20.000 km sem condições de rodar. Deixe de ser pão duro e troque sempre os dois!

 

16)  Óleo sintético prolonga os períodos de troca. Nada disso! Quem determina o período de troca é o fabricante da moto e não do óleo! E óleo sintético só se for específico para uso em motos! Óleo de carro não serve pra moto.

 

17)  Escape barulhento é mais seguro. Outra teoria furada. A informação visual é muitas vezes mais eficiente que a auditiva. Ser visto é infinitamente mais eficiente do que ser ouvido. Dentro do carro, com o rádio ligado e vidros fechados o motorista não focaliza de onde vem o som.

 

18)  Pneu traseiro mais largo é mais estável. Sempre aparece alguém comentando: "nossa, coloquei um pneu mais largo e melhorou muito!". Houve melhora sim, mas na verdade é porque tirou um pneu gasto e colocou um novo e não por causa da medida!

 

19)  Na chuva é bom esvaziar os pneus. Não, de forma alguma! Com o pneu murcho os sulcos (os desenhos) diminuem e perdem capacidade de escoamento da água. A calibragem original já prevê o uso na chuva.

 

20)  Quando o pneu dianteiro gasta mais de um lado é sinal de desalinhamento da moto. Nem sempre! Esse desgaste não deveria aparecer, porque se chegou nesse nível o motociclista passou muito do ponto de trocar o pneu. Na verdade esse desgaste é causado pela inclinação das ruas. Elas são levemente inclinadas para escoar a água da chuva e causa atrito maior sempre de um lado do pneu.

 

21)  Motores flex precisam sempre usar os dois combustíveis para limpar os injetores. Nada a ver. O que as fábricas recomendam e evitar usar 100% de etanol porque as motos não tem sistema de partida a frio como nos carros. Mas mesmo em regiões muito frias, com 100% de etanol os motores flex funcionam sem problema.

 

 

Moro flex: pode usar só etanol.

 

22)  Ao passar ao lado de caminhões o vácuo pode te puxar para baixo! Impossível! Só se a moto e o motociclistas juntos pesarem menos que uma folha de papel. O que acontece de fato é que caminhões deslocam muito ar pelas laterais. Ao ultrapassar um caminhão na estrada o motociclista vai sentir um deslocamento lateral, mas não será sugado para baixo. O mesmo acontece quando o caminhão vem em sentido contrário: ao passar o motociclista sente um empurrão lateral, mas não sairá voando!

 

23)  Pedestre na faixa tem prioridade! Sim, mas as campanhas de trânsito esqueceram de esclarecer que um motociclista não pode ficar parado no meio de um cruzamento esperando o pedestre atravessar. Nos cruzamentos as motos ficam muito expostas. Os pedestres precisam todo nosso respeito, mas com critério e só pare a moto perto da calçada para se proteger de quem não previu essa parada.

 

24)  Garupa e baús (top case). Sempre que levar alguém na garupa lembre que terá uma massa extra colocada sobre o eixo traseiro. Isso altera o comportamento da moto, que fica menos estável e os espaços de frenagem aumentam. No caso do baú é pior, porque a massa fica deslocada para atrás do eixo traseiro provocando uma alavanca que desestabiliza a dianteira da moto. Respeite os limites de carga do baú e quando estiver carregado respeite os limites de velocidade indicado pelo manual do fabricante do baú.

 

25)  No corredor do trânsito siga os motoboys. Nada disso! Primeiro porque os motociclistas profissionais tem muito mais experiência e segundo porque alguns passam tocando o terror em cima dos motoristas que podem se vingar no próximo que vier, justamente você!

 

26)  Listas da Internet. Por fim, não confie em tudo que lê em fóruns e redes sociais. Hoje tem muita gente se passando por instrutor de pilotagem. Antes de acreditar em qualquer lista verifique o histórico do autor!

Tempos modernos

$
0
0

 

Interlagos: uma rara imagem de Gilles Villeuve na Ferrari nº 1 do Jody Scheckter

 

Como era ser jornalista nos anos pré-internet

 

Nessa onda de reler alguns livros acabei encontrando meu passado. Dentro do delicioso livro Henfil na China (1981) achei um pedaço de fotolito com um trecho de poesia. Sim, poesia, aquela coisa gosmenta e pegajosa que, segundo ouvi de um senhor num hotel em Londrina, "é o jeito mais fácil de conquistar uma mulher de coração mole".

 

Pois é, todo jornalista que se preza já passou pela fase da poesia. No meu caso teve nada a ver com conquistar corações melequentos, mas por treino mesmo. A poesia está para o escritor assim como o futebol de salão para um jogador de campo. Escrever poesias é a forma de treinar aquilo que só a poesia sabe ensinar: como dizer muito escrevendo pouco. Como os textos jornalísticos na época da imprensa impressa tinham um rigor métrico - era preciso escrever a quantidade certa de caracteres - às vezes nos víamos diante de uma necessidade de explicar muito, porém com pouco espaço. Aí entra o poder de síntese que só a poesia consegue!

 

O mesmo Gilles, no Rio de Janeiro, já na era turbo.

 

Mas não é sobre poesia que queria escrever. Além de lembrar dessa minha época, digamos, romântica, ter um fotolito em mão me fez recordar do começo da minha carreira de jornalista. Que, na verdade, começou na publicidade e nem como redator, mas como retocador de fotolito. OK, vou ser mais honesto, começou como paste-up, mas eu era tão ruim em recortar e colar que o diretor de arte me "promoveu" ao fotolito.

 

Hoje em dia fico impressionado ao ver velocidade da informação e acho graça quando escuto novos jornalistas criticando o excesso de trabalho e as "dificuldades"... puxa, realmente é muito difícil tirar uma foto com o iPhone e enviar para o e-mail do editor com uma legenda de 140 caracteres. Trinta anos atrás era um pouco mais complexo.

 

Stock-Car dos Opalões e rally

 

Telefoto, um bicho de mandar imagem

 Se tem uma coisa que não sinto a menor saudades é do começo da minha vida de jornalista, principalmente de fotógrafo. Só para ilustrar vou contar como era trabalhar no evento mais importante do ano, o GP Brasil de Fórmula 1.

 

Em 1977 eu aprendi a fotografar e justamente no GP Brasil de F-1 em Interlagos. Moleza... os caras com Canon, Nikon, lentes de 400mm, 500mm e eu de Pentax K1000 com uma lente de 200mm fixa. Sabe aquele provérbio "em briga de faca leva vantagem quem está de revólver"?, pois bem, eu estava de canivete! A credencial foi conseguida com um amigo de um capitão da PM, coisas da época de regime militar.

 

Jean Pierre Jabouille, mais conhecido por Jabulé, em Interlagos.

 

Cheguei em Interlagos sem ter a menor noção do que era abertura, velocidade, profundidade de campo, mas tinha uma máquina, lentes e tripé - que logo foi abandonado. Encostei num fotógrafo italiano e pedi um "aiuto", assim na cara mais dura do mundo. Em 10 minutos ele explicou simplesmente: deixe a velocidade aqui e acompanha os carros como se a máquina fosse um fuzil e o carro a caça! Deve ser por isso que em inglês o ato de disparar a foto tem o mesmo verbo de atirar: to shoot! Saí shootando os carro tudo!

 

Naquela época a gente usava máquinas com filme e não tinha monitor pra ver como ficou. Tinha de esperar voltar do laboratório ensacadinhas em pequenos álbuns. Assim que minhas fotos chegaram comecei a mostrar para os amigos (rede social era escola, turma de amigos ou clube) e um deles comentou: "estão muito boas, leve para uma revista". Levei mesmo, pro único jornal exclusivo de automobilismo que havia na época, o AutoMotor, dos irmãos Reginaldo e Ronaldo Leme. Virei fotógrafo! Grazzi, amico italiano!

 

A partir daí eu já conseguia credencial com status de jornalista mesmo. E a pressão aumentou mil por cento. O equipamento recebeu incrementos como motor-drive que fazia 2,5 fotos por segundo, um espanto! Mais lentes e um segundo corpo, porque eram tempos de fotos coloridas e preto & branco. Funcionava assim: cada corpo de máquina levava um filme diferente, aí quando eu achava que tinha feito a melhor foto do mundo, pra usar na capa do jornal descobria que tinha sido na máquina com filme P&B, grrrrrr...

 

Mas o divertido vinha depois! Precisava mandar as fotos para o jornal e não havia iPhone, internet, G4, coisa nenhuma. A gente usava um aparelho hediondo chamado TELEFONE! Esse mesmo, criado pelo Graham Bell alguns séculos seculorum antes. E enviar foto por telefone era um enorme pé no saco, porque exigia um aparelho chamado TELEFOTO.

 

Se hoje você reclama que seu celular não consegue conexão, naquela época nem o telefone de fio conectava direito. Na sala de imprensa era uma briga de tapa para conseguir uma linha. No meio da ligação caía a linha e a operadora da Embratel precisava terminar de lixar a unha pra ligar de novo. Imagina mandar uma imagem por sinal telefônico. Sim, isso existia...

 

Primeiro era preciso ter a foto em papel, ampliada no formato 18x24 cm. O pixel da época era no sistema métrico mesmo. Mas como transformar um tubinho de filme em uma foto pronta? Precisava passar pelo processo de revelação e ampliação. A revelação do filme era simples, mas tinha de ser feita na completa escuridão. Na minha casa eu inutilizei o banheiro do meu irmão e transformei em laboratório fotográfico. Mas num hotel no Rio de Janeiro, como seria possível?

 

Com o meu kit de transformação de qualquer banheiro em laboratório. Consistia de muitos metros de pano preto e quilômetros de fita crepe. Além de canos de PVC, fracos graduados, tubos como os de mostarda e alguns pós brancos que hoje poderiam me mandar pra cadeia. Precisava primeiro preparar as químicas necessárias: o revelador e o fixador vinham em pó e a gente misturava na água a 22ºC, temperatura que no verão carioca qualquer água torneira tem. Precisava também do interruptor, que por ser apenas um ácido acético glacial a gente passava no restaurante do hotel e surrupiava o vinagre. Tudo pra não carregar peso nem volume.

 

O filme era revelado em um tanque de aço inox, depois lavado e secado. Eu olhava pelo negativo qual a foto tinha melhor enquadramento, foco, contraste etc e fazia uma prova. Para ver isso pelo negativo exige muito treino e uma lente de aumento chamada conta-fio.

 

Uma vez escolhida a foto, pegava o ampliador portátil que de portátil só tinha o nome e colocava lá o negativo para sensibilizar o papel fotográfico. O bom dessa fase é que o papel era orto-cromático, ou seja, algumas cores não o sensibilizava, então no kit tinha uma luz vermelha que dava aquele ar de bandidagem no nosso mini-lab.

 

Essa folha de papel passava pelos banhos químicos (há quem diga que já usou xixi como interruptor, mas não no meu laboratório!!!). Depois era secada e estava pronta para o inferno chamado aparelho de telefoto.

 

Tudo começava que nem filme de espionagem. Pegávamos o aparelho de telefone do quarto, desmontávamos os fios e por meio de garras tipo jacaré ligávamos no aparelho de telefoto. Nele era preciso colar a foto 18x24 em um cilindro de aço, instalava o cilindro e esperava dar linha para a telefonista do jornal receber e já entrar no ramal do aparelho receptor.

 

Cada foto demorava em média de 20 a 30 minutos e fazia um barulho infernizante. Aí, quando faltava uns 2 cm de foto pra acabar caía a linha e tinha de começar tudo de novo. Pensa que acabou?

 

Dura lex só no telex

A partir de 1981 eu passei a ser redator, além de fotógrafo. Mas naquela época não havia essa coisa de direitos trabalhistas e ganhava a mesma coisa para fazer a função de duas pessoas, com o dobro do trabalho. Eu reclamava? Nem a pau, porque meu trabalho era conviver com o período de ouro da Fórmula 1, entrevistando caras como Gilles Villeneuve, Riccardo Patrese, Alain Prost, Nelson Piquet e até com meus colegas de pista como Chico Serra, Ayrton Senna ou Alex Dias Ribeiro.

 

Isso é uma máquina de telex moderna.

 

Era uma delícia, que minava minhas energias. Enquanto deixava algum pobre amigo auxiliar passando as telefotos eu tinha de correr para a sala de imprensa para mandar os textos. Sem tempo de fazer um rascunho na máquina de escrever, eu digitava direto na máquina de telex. Uma trapizonga de uns 400 kgs, barulhenta e sacolejante como uma máquina de lavar roupa dos anos 50. Era como uma máquina de escrever, mas sem acento, cedilha e tudo em maiúsculo. Mais ou menos como as pessoas escrevem hoje em dia. Conforme a gente digitava uma fita de papel de uns 2 cm de largura era perfurada. Era essa fita que passava pela máquina e o texto era reproduzido na máquina de telex do jornal. Sem chance de corrigir, quando a gente erava, escrevia (digo, errava), assim entre parênteses.

 

Mesmo com toda essa trabalheira era bom e divertido. Hoje o fotógrafo vê a foto no monitor da máquina, escolhe, manda dúzias por fibra ótica em apenas um click. O redator escreve, pensa, apaga, volta, edita, acrescenta, corta e manda via e-mail em minutos. Por isso a mídia mudou radicalmente. Hoje a briga é para quem publica primeiro e nem sempre a qualidade prevalece. Uma imagem feita por celular, tremida e fora de foco sai na frente porque o que conta é ser visto primeiro!

 

Já meus colegas que cobrem automobilismo e outros esportes, agora tem tempo de sobra. Editam as imagens e mandam em questão de minutos. Por isso sobra mais tempo para postar comentários no Facebook, fotos no Instagram, Twiter, Whatsapp etc. Bando de folgados...

 

* se quiser saber como era, veja esse filme.

Ah, não adianta, não vou publicar as poesias.

Peanuts

$
0
0

abtrans.jpg 

(Ó nóis da FISP)

 

Já que estou sem inspiração para escrever nada muito comprido, aqui vão algumas notinhas da semana na forma de amendoinzinhos!

 

Moto do Ano

Rolou a festa de 40 anos da revista Duas Rodas em conjunto com a Moto do Ano. Baita festa, comidinhas e bebidinhas e todo mercado reunido sob o mesmo teto. Ótima oportunidade para catar aqueles caras que não respondem meus e-mail e dar um "qualé" ao vivo!

 

Honda, Yamaha, Kawasaki, BMW e Triumph ganharam prêmios. A moto mais da hora eleita pelos jurados foi a nova Kawasaki Z-1000 que achei com cara de Transformer. A festa é legal, aquela babação de ovo de sempre e eu nunca na minha vida soube de alguém que tivesse decidido comprar uma moto (ou carro) porque venceu algum concurso "qualquer-coisa-do-ano". Por isso é um evento para deleite dos fabricantes mesmo.

 

Outro destacável foram as duas bailarinas do Faustão autografando o pôster de borracheiro chique. Claro que entrei na fila duas vezes... Já gafe do ano foi a tentativa de fazer graça da apresentadora Glenda Koslowski. Alguém precisa pedir pra ela maneirar nas piadas... mas só a visão dela já compensa.

Como foi em São Paulo, sugeri criar a categoria "Moto Mais Roubada do Ano", mas minha idéia foi severamente rechaçada.

 

FISP 2014

Com a Abtrans estou participando da FIPS - Feira Internacional da Proteção e Segurança - no Espaço Imigrantes, em São Paulo. É a mais importante feira de segurança no trabalho do mundo. Isso mesmo! do mundo todo!!! Vem gente de tudo que é lugar pra ver capacetes, bouldries, cordas, vestimentas, guindastes, extintor de incêndio de todo tipo e tamanho, roldanas, mosquetões etc etc etc. Todas as mais de 300 empresas do setor que se preocupam com o acidente de TRABALHO. Mas a única empresa expositora que se preocupa com a segurança ANTES e DEPOIS do trabalho somos nós! E percebi que esse tema ainda é tabu. Parece que o funcionário não existe antes e depois do expediente. É bom cair a ficha desses gerentes de RH e cipeiros porque a lei trabalhista está para mudar em breve e o SUS está pedindo para que as indenizações por acidente de percurso sejam responsabilidade integral da empresa. SUS precisa cuidar de gente doente e não de jovens machucados em acidentes de trânsito. É aquele círculo vicioso: o Estado não ensina, não fiscaliza e depois reclama de pagar a conta dos remendos...

 

Abraciclo

E também foram apresentados os (assustadores) números de vendas de motos nos primeiros nove meses. A coisa ainda está esquisita, com o maior segmento (motos até 500cc) em queda livre por causa da Copa do Mundo, das Eleições, do rebaixamento do Palmeiras, da margem de erro do Ibope, etc. Seja qual for o motivo como tudo na vida esses números tem dois lados: se cai num segmento cresce em outros. Os scooters tiveram um aumento de 35% em relação a 2013 em função da chegada da Honda PCX 150 (16.786 unidades). E a categoria acima de 450 cc deu um salto também provocado pela chegada da linha 500 da Honda (9.000 unidades somando todos os modelos). Como se vê a marca da asinha ainda dita o humor do mercado.

 

Agora dois dados chamaram a atenção: a brutal corrida ladeira abaixo da Suzuki, que perdeu nada menos que 47,6% de mercado em relação a 2013 e a escalada fantástica da Triumph que ganhou 74,4%. Tudo bem que a base da inglesa era muito baixa mas fala se você não tem visto mais Triumph nas ruas? A Yamaha conseguiu crescer 7,6%, pouco mais que a BMW (6,6%) e a Honda caiu 11,5% praticamente a mesma queda da Harley-Davidson. Aliás, a Yamaha conseguiu sair dos eternos 10% para chegar em 13,5% do mercado, um ótimo sinal, que continue assim!

 

Em suma, se quer investir no mercado de motos foque nos scooters e nas motos grandes.

 

 

A segurança higiênica

$
0
0

Logo_asfalto_peq.jpg

Houve um tempo que se morria por falta de higiene. Não existia esgoto, o lixo era jogado nas ruas, as pessoas não tomavam banho com frequência e as doenças pipocavam em pragas que atingiam caráter epidêmico como a peste bubônica, que no século 14 causou a morte de 75 milhões de pessoas na Europa.

 

O controle de pragas e o conceito de sanitarismo praticamente acabaram com a possibilidade de uma pandemia como a que varreu 1/3 da população européia 700 anos atrás. Hoje a epidemia que desafia a humanidade é a morte por acidente, seja no trânsito ou no trabalho e que vai exigir a mesma filosofia de combate aplicada nas doenças transmissíveis: a prevenção, que gerou a famosa frase "é melhor prevenir do que remediar".

abtrans.jpg

Neste mês de outubro participei da FISP 2014, uma feira internacional voltada à segurança e prevenção de acidente no trabalho. É quase 100% dedicada a empresas que produzem equipamentos ou fornecem serviços na área de segurança no trabalho. Participei com a Abtrans, empresa especializada em segurança do trabalhador, mas com uma enorme diferença: éramos o único expositor focado na segurança antes e depois do expediente!

 

Como se sabe há décadas, os acidentes de itinerário entre casa-trabalho-casa entram nas estatísticas de acidente de trabalho. E as vítimas recebem indenizações tanto da empresa quanto do Estado, dependendo do tempo de afastamento. No entanto entre as 700 empresas que participaram direta ou indiretamente dessa feira a Abtrans era a única voltada à segurança viária, aquela do ir e vir do trabalho.

 

Nesta feira, que é bienal, tive a oportunidade de conversar com vários especialistas em segurança no trabalho e o resultado dessas entrevistas (jornalista não conversa, entrevista) foram algumas pílulas de segurança:

 

- A preocupação com segurança no trabalho atingiu o ponto de quase uma paranóia. Desde o piso anti stress até equipamentos e sensores ultra modernos, existe uma cadeia de produtos que movimenta uma enorme quantidade de dinheiro. Prova de que o investimento na prevenção, apesar de parecer grande, é muitas vezes menor do que o gasto com indenizações por afastamento.

 

- Desde uma simples reforma em casa, até o trabalho em enormes usinas a preocupação com a segurança deve permear toda ação. Pena que essa preocupação ainda se limite ao perímetro do local de trabalho.

 

- O custo de um afastamento do trabalho não é só a indenização salarial, mas vai muito além: um funcionário a menos em uma linha de montagem pode atrasar a produção, mesmo que seja substituído. Causa problemas muito maiores do que só perdas materiais. Segundo uma diretora industrial, demora alguns dias até a linha voltar ao ritmo normal e afeta diretamente a produção.

 

- O impacto psicológico que um acidente - sobretudo fatal - causa no ambiente de trabalho demora muito tempo para ser absorvido. Em alguns casos é preciso trabalhar com psicólogos para retomar o ritmo normal.

 

- Centenas de jovens estudantes estão investindo na carreira de técnico de segurança no trabalho, que pode vir a ser um campo ainda em expansão nos países em desenvolvimento. Mas, conversando com o presidente de uma empresa multinacional ouvi a seguinte teoria: "a segurança no trabalho será um conceito tão arraigado quanto a higiene; ninguém precisa falar para tomar banho ou escovar os dentes, todo mundo aprende isso desde criança e pratica. Com a segurança a tendência é todo mundo aprender e praticar sem necessitar de um técnico. Hoje nos países desenvolvidos existe a auto-regulamentação espontânea: o colega chama a atenção de quem está se expondo a risco". Bingo é isto!

 

Já escrevi algumas vezes que em alguns países europeus existe essa auto-regulamentação inclusive no trânsito. Motoristas são advertidos por pedestres, que são advertidos por ciclistas que recebem bronca de motociclista e todos dividem a responsabilidade pela segurança da coletividade! E, ao contrário do que acontece no Brasil, ninguém considera a bronca como "tomar conta da vida alheia", pelo contrário, respeitam e agradecem.

 

Pena que essa consciência de segurança ainda não atingiu a mobilidade. A forma como os trabalhadores vão e voltam do local do trabalho ainda é tratada como uma questão secundária. Quem nunca viu caminhões da Prefeitura transportando funcionários na caçamba? Quem garante que ao usar o ônibus fretado da empresa o funcionário usa o cinto de segurança? Quem fiscaliza se os veículos particulares (carros, motos ou bicicletas) usados pelos funcionários estão conservados?

 

E anote aí para cobrar depois: com o incentivo ao uso das bicicletas o número de acidentes pode aumentar porque não estou vendo investimento na instrução desses ciclistas que, por enquanto, percorrem ruas e avenidas como se não houvesse regra.

 

Nos últimos cinco anos o Brasil apresentou um dado alarmante, com média de mais de 55.000 mortes/ano. O que pouca gente sabe é que só se considera tecnicamente "morte no trânsito" a vítima que vai a óbito no local do acidente. Se for transferida para o hospital essa vítima não entra na estatística fatal. Portanto esse número é muito maior e mais assustador. É uma epidemia, claro, porque não se conhece uma doença que provoque 55.000 mortes por ano no Brasil.

 

Acredito que um dia a segurança pessoal chegará ao mesmo patamar de naturalidade da higiene, como previu o presidente da multinacional. Mas até lá é preciso investir na informação e qualificação. Segundo dados de especialistas em segurança de trabalho, para cada um real investido na qualificação e prevenção são economizados quatro reais em indenização.

 

Portanto, se não for pela fator humanitário, que seja pelo financeiro!

 

 

 

Se liga nessa parada

$
0
0

frenagem.jpg

(ATENÇÃO: NÃO COPIE E COLE ESSE TEXTO, PUBLIQUE O LINK, SÓ COM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA!) 

 

Como entender a frenagem de motocicletas

É difícil, eu sei, porque a maioria das pessoas tem como primeira referência motorizada o automóvel, um veículo relativamente simples de manejar, tanto que muita gente aprende praticamente sozinho. Uma das facilidades é que existe apenas um pedal de freio. O motorista pisa no pedal e tudo se resolve. Mas na moto não. Tem um comando para o freio dianteiro (não mão direita) e um para o freio traseiro (no pé direito). Você nunca se perguntou porque essa diferença? Por que no carro tem um comando e na moto tem dois?

 

Bom, basicamente os freios de moto e bicicleta são separados porque são veículos que se inclinam nas curvas. Para vencer a inércia, que quer jogar todo corpo em movimento para fora da curva, motos e bicicletas precisam inclinar em relação ao plano vertical, sempre no sentido da curva. Se a curva é para a direita a moto precisa inclinar para a direita e vice-versa. Só por causa dessa inclinação os freios precisam ser isolados, porque em determinados momentos o motociclista não pode acionar o freio dianteiro e em outros não pode usar o freio traseiro.

 

Na curva, por exemplo, no uso estradeiro (ou seja, não em competição), se o motociclista aplica o freio dianteiro com força a moto levanta. É o tal efeito "stand-up" que significa exatamente "levantar" em inglês. E ela levanta porque na curva o ideal é manter a maior parte da energia cinética apoiada no pneu traseiro, que é mais largo e tem muito mais borracha em contato com o asfalto. Ao acionar o freio dianteiro parte da energia se transfere para o pneu dianteiro que é mais fino e "pontudo" que o traseiro e para que ele consiga dissipar essa energia acaba levantando a moto. É uma ocorrência totalmente natural e o piloto quase não tem interferência.

 

Já sei o que você está pensando: "mas e nas corridas"? Bom, primeiro você, leitor, tem de entender esse como um artigo escrito para quem vai pilotar nas ruas e estradas. Se eu for me estender a todas as situações (ah, mas e na terra, e na chuva, e na garagem do meu prédio, e no sítio da minha vó) esse artigo vira um livro e eu não quero escrever um livro. Segundo que em corrida é o próximo assunto para outro artigo.

 

Outro motivo para os freios de moto serem isolados é dar ao piloto a capacidade de isolar e equilibrar o quanto de força quer aplicar em cada roda, de acordo com a situação. Aquela velha equação do 70% na dianteira e 30% na traseiro é um rascunho, porque se fosse uma regra as motos deveriam ter manômetros nas manetes e pedais de freios. Quando chegasse a 70% pára de frear!

 

Tem situações nas quais o freio traseiro deve ser aplicado com mais força:

 

x) Tipo de moto - Nas motos custom e scooters a maior concentração de massa é no eixo traseiro. Logo o melhor balanço da frenagem é aplicar mais intensidade no pedal. Claro que não significa usar SÓ freio traseiro, mas em baixa velocidade, em uma frenagem programada (você sabe onde quer parar) pode até inverter aquela equação e usar 70% do freio traseiro e 30% do dianteiro. Lógico que numa frenagem de emergência quem manda na parada é o freio dianteiro. Mas esse assunto vou tratar depois.

 

y) Carga - Quando estiver com garupa, seja qual tipo de moto, a concentração de massa adicional no eixo traseiro muda completamente a forma de pilotar. Aliás, eu defendo a teoria que motos super esportivas deveriam ser monopostos, sem permitir levar garupa porque desequilibra demais o conjunto, sem falar no desconforto! Imagine uma super esportiva feita para atingir 299 km/h. Os freios foram dimensionados para essa velocidade e com uma pessoa. Ao incluir uma segunda pessoa toda a moto muda e frear em baixa velocidade vai quase arremessar a garupa por cima do piloto. Quando estiver com garupa, use mais intensamente o freio traseiro porque equilibra a distribuição de energia e os miúdos do piloto agradecem, porque ficam ali espremidos contra o tanque... tadinhos! Aqui também pode inverter a equação e mandar ais de 70% pro freio traseiro e 30 no dianteiro.

 

z) Curva - Esqueça o que oskaras falam nas redes sociais e bate-papo de botequim. Se você meter o mãozão no manete do freio dianteiro no meio da curva a moto vai levantar e seguir reto. Tem vários filmes no Youtube mostrando exatamente isso. Depois do começo da curva, se o piloto tiver de reduzir a velocidade deve usar o freio TRASEIRO, porque ele não produz o efeito "stand-up" e ainda ajuda a trazer a moto mais para o interior da curva. Sim, eu sei o que você está se perguntando: "mas o pneu traseiro não derrapa?". Não, porque com a moto inclinada a uns 35º em relação ao eixo vertical, a área de contato do pneu com o solo praticamente triplica e aumenta o nível de aderência. Esse medo de derrapar vem da época das bicicletas, que tinham um pneu mais fino que bilau de recém-nascido. Na bicicleta se usar o freio com violência no meio da curva vai encher os joelhos de Band-Aids.

 

pneus_impronta.jpg

 (A imagem esquerda mostra o quanto de borracha do pneu dianteiro encosta no asfalto com a moto em linha reta. Na direita o mesmo pneu em curva, repare como aumenta a área de borracha com o asfalto)

Inclinado.png

 (Esta imagem mostra como o pneu deforma na curva e aumenta a área em contato com o asfalto, por isso pode usar o freio traseiro em curva)

 

Emergência é a mãe!

Basicamente existem dois tipos de frenagem de qualquer veículo: a programada e a de emergência. A programada é a mais simples, porque a pessoa já sabe que precisar parar, onde vai parar e só vai modulando os freios e o câmbio para chegar no ponto programado completamente imóvel. Na frenagem programada o motociclista pode reduzir gradativamente as marchas (sempre uma de cada vez porque câmbio de moto é sequencial!), até parar com a primeira marcha engatada. Neste caso o câmbio pode ser usado como AUXILIAR, apenas para manter a rotação do motor, mas não tem a finalidade de ajudar a moto parar, que fique bem claro! (depois vou comentar sobre o "freio-motor").

 

A de emergência é a cabeluda e que gera muita confusão. Pra começar se você teve de frear de emergência é porque não prestou atenção em alguma coisa. Motociclistas não podem se permitir passar por uma situação de emergência, é quase um atestado de distraído!

 

Em segundo lugar saiba que a frenagem que visa imobilizar o veículo no menor espaço possível é diferente daquela programada que escrevi lá em cima. Aqui você esquece o câmbio e a embreagem e foca nos freios! Existem dois medos no momento da frenagem forte: o de forçar demais o freio dianteiro e a moto capotar ou o de exagerar no freio traseiro e a moto derrapar. Como se vê, motociclista é bicho medroso à toa, porque se fizer tudo certo nem vai capotar nem vai derrapar.

 

O medo de capotar vem da bicicleta, que realmente capotava e essa descoberta marcou a memória e a pele de muita gente. Mas lembre que as bicicletas eram muito leves, não tinham suspensão e a gente ficava lá no alto do selim. Totalmente diferente da moto.

 

Vou dissecar essa coisa toda. Começando pela derrapagem da traseira. Na verdade é fruto do EXCESSO do freio dianteiro. Como você aprendeu aquela equação dos 70% na frente vai lá e alicata a manete de freio com fervor. A frente afunda, a traseira levanta e nessa hora, se pensar em pisar no pedal do freio traseiro a roda trava mesmo. Portanto, ou você começa pelo freio traseiro e depois dianteiro ou os dois ao mesmo tempo. Se juntar no dianteiro primeiro vai dar caca. Se perceber que a roda traseira começou a travar solte o freio traseiro e mantenha a frenagem só no dianteiro.

 

Quanto à capotagem, só rola mesmo se a moto tiver muito poder frenante ou se jogar 100% da carga no freio dianteiro com a fúria de um rottweiler esfomeado. Se usar os dois ao mesmo tempo ou começar pelo freio traseiro a chance de algo de errado não dar certo é menor.

 

Ou uma coisa ou outra.

Outra diferença com os carros é que graças aos sistemas anti travamento ABS é possível frear e desviar ao mesmo tempo sem perder o controle. No carro... que maravilha. E nas motos?

 

Quando você freia em linha reta, a resultante da energia frenante cai diretamente no pneu dianteiro. Mas se frear e inclinar a moto - pra desviar - ao mesmo tempo, a resultante da energia sai da linha do pneu dianteiro e a chance de a roda dianteira perder aderência é muito grande. Além disso, ao jogar carga na roda dianteira a moto perde capacidade de inclinação (o tal stand-up). Portanto, mesmo nas motos com ABS o piloto precisa pensar e agir rápido: ou freia ou desvia, porque as duas coisas ao mesmo tempo não funciona!

 

freiareto.jpg

 (Freando com a moto em pé a energia coincide com o pneu dianteiro)

freiainclinado.jpg

 (Com a moto inclinada a resultante cai fora da linha do pneu e a frente vai embora...) 

  

IMPORTANTE: Seja qual for a situação - lombada, buraco, animal - se perceber que não vai conseguir parar antes do obstáculo solte os freios, levante um pouco do banco da moto e espere a pancada! Quando a moto freia a suspensão dianteira afunda e o curso vai quase a zero. Nesse momento, se a roda dianteira impactar num buraco ou lombada, não haverá curso de suspensão para dissipar a energia e a pancada na roda dianteira vai ser desastrosa a ponto de até quebrar a roda.

 

Freio-motor que diabéisso?

Antes de mais nada vamos esclarecer as coisas. Motor é motor; freio é freio e eles tem finalidades bem diferentes. Freio não é feito para acelerar e motor não foi feito pra frear.

 

Quando se escreve (ou fala) de forma técnica sobre um assunto é preciso tirar da frente as crendices populares e o achismo. Por exemplo, se eu disser numa roda de amigos que a Terra é redonda ninguém questiona; mas se eu entrar em uma sala de aula de astronomia ou astrofísica e falar que a Terra é redonda eu serei jogado pela janela. Porque não é! Ela tem o formato geóide, quase elíptico. Essa é a diferença entre conversar na rua e dar aula, é preciso dar os nomes certos às coisas e fenômenos.

 

Já escrevi várias vezes que não existe o "freio-motor", porque essa expressão está ERRADA! É o mesmo que classificar a terra como redonda! Só que muito cabeça de pudim saiu por aí escrevendo que o "professor falou que não existe freio-motor, que retardadinho...".

 

Portanto vamos esclarecer esse trem duma vez. A expressão freio-motor é usada por caminhoneiros, pelo nossos avós, pelo motorista do trator, pelo motorista do ônibus etc. Mas em veículos leves (motos inclusas) o termo correto é EFEITO REDUTOR. Que pode ser resultado do motor e câmbio atuando ao mesmo tempo. Se você quiser continuar chamando de freio-motor, vai fundo, todo mundo diz que a Terra é redonda e tá vivo até hoje, só não venha escrever por aí que isso está certo!!!

 

Explicando mais fundo: tudo gira em torno dos significados de cada ação. Frear está implícita a idéia de parar, imobilizar. Quando o economista afirma que vai frear a evasão de divisas, não quis dizer que vai diminuir, mas parar mesmo! Já a expressão reduzir está implícito o conceito de diminuir, desacelerar. Se o objetivo for PARAR não adianta reduzir marcha, porque só aumenta o espaço de frenagem. Se a idéia for DIMINUIR a velocidade aí sim, a redução de marcha ajuda.

 

Já sei o que você está pensando: "mas o Valentino Rossi disse que usa o freio-motor pra frear lá dentro da curva". Ah é? ele disse isso mesmo em português? Ou em italiano que foi traduzido pro inglês e depois pro português? A reduzida de marcha em competição não tem objetivo de parar a moto, mas de auxiliar na frenagem, mas acima de tudo dar rotação para o motor na saída da curva. Motores de competição usam sistemas eletrônicos que controlam a atuação da embreagem na hora das reduções. Imagine um motor daqueles, de mais de 300 CV, com taxa de compressão altíssima, se o piloto acelerar tudo e tirar a mão do acelerador de uma vez a roda traseira até trava (como nas clássicas Honda CB 750Four dos anos 70).

 

Para evitar esse travamento a embreagem desliza mais ou menos, ao gosto do freguês para atuar na redução. E aprendam uma coisa, caras-pálidas, nem tudo que funciona em motores de competição dá certo na rua!

 

Ainda sobre o EFEITO REDUTOR eu costumo fazer um desafio no curso SpeedMaster: convido os alunos a darem uma volta inteira na pista sem encostar nos freios, usando só o motor e câmbio. É um sufoco danado, mas ajuda a curar uma doença chamada "frenite aguda" que é a mania de usar exageradamente os freios. O divertido é perceber o ar de surpresa ao descobrir que dá certo!

 

Portanto, se ouvir que a moto tem três freios: o dianteiro, o traseiro e o freio-motor, cuidado, porque esse terceiro só reduz, ele não pára!

 

Nos Estados Unidos, onde se usam carros com câmbio automático há séculos, eles tem uma explicação simples para esquecer essa bobagem de "freio-motor". Segundo eles, é muito mais barato, simples e rápido trocar as pastilhas de freio do que os anéis do pistão, então por que cazzo usar o motor pra frear?

 

Só recapitulando, a frenagem de emergência, que visa IMOBILIZAR o veículo no menor espaço, deve ser feita acionando os dois freios ao mesmo tempo (ou começando pelo traseiro, depois o dianteiro), sem reduzir marcha e só acionando a embreagem no finalzinho para o motor não apagar.

 

É importante acionar a embreagem no final porque se o motor morrer quem pode morrer junto é o motociclista. Imagine uma via de tráfego intenso e de repente um carro pára. A moto consegue parar, mas o motor apagou e quando o motociclista olha pelo espelho percebe a frente de um carro crescendo rapidamente e fumaça branca saindo pelos pneus! Se o motor continuar funcionando é só acelerar e sair da frente do doido!

 

No próximo episódio vou detalhar a frenagem no modo "racing", inclusive acabando com outro tabu: o do freio traseiro nas pistas!

 

 


A seca e o trânsito

$
0
0

seca.jpg

 

Um exemplo de cidadania que pode chegar às ruas

 

Desde que me conheço por gente nossa família trata a água como um bem valioso. Meu avô italiano dizia, 50 anos atrás, que "vai chegar o dia em que se pagará mais pela água do que pela gasolina". Era um visionário! Por isso ele educou os filhos (e filhas) a usar a água com critério. Essa educação foi transmitida por gerações e lembro da minha mãe recolhendo a água usada da máquina de lavar roupa para lavar o chão e ainda explicava "ela já vem com sabão!".

 

Desde 2012 São Paulo começou a enfrentar uma onda de calor e seca sem precedentes na história da cidade. Mas só nos últimos meses vejo os paulistanos agindo como ensinava meu avô meio século atrás. Vejo carros sujos circulando pelas ruas e finalmente desapareceram as "vassouras hidráulicas", aquela mania típica paulistana de varrer a calçada com água!

 

Para chegarmos nessa mudança de hábito foi preciso sentir o desespero da falta d'água. Com as reservas chegando - literalmente - no fundo do poço, a população percebeu que não dá mais pra agir como se tivéssemos um Amazonas em cada Estado.

 

É disso que precisamos para reduzir os números de vítimas de trânsito: uma mudança no COMPORTAMENTO. Já escrevi centenas de vezes que o trânsito não é feito de veículos, mas de PESSOAS que conduzem veículos. Enquanto o material humano não mudar não haverá qualquer tipo de campanha que trará resultados efetivos.

 

A partir de 1 de novembro os valores das multas serão novamente aumentados e numa proporção assustadora. Algumas passarão de R$ 190 para R$ 900. Sabe o que isso vai mudar? Nos primeiros meses o cidadão vai prestar mais atenção, mas depois vão aumentar a inadimplência (que já é alta) e a arrecadação. Calcula-se que 30% dos veículos que transitam em São Paulo estão com algum débito com a Prefeitura ou Estado. Esse número vai aumentar.

 

Também vai aumentar a arrecadação. Hoje o município de São Paulo arrecada um bilhão de reais com multas por ano. Embora a destinação desse dinheiro não seja devida e claramente explicado, parte dessa verba deveria ser destinada à educação e sinalização de trânsito. Não é o que vemos pelas ruas...

 

O que poderia ser a "falta d'água" no trânsito? Um enorme basta! O único jeito de vislumbrar alguma redução nos acidentes de trânsito é trabalhar nas novas gerações, como meu avô fez com filhos e netos. Os atuais motoristas e motociclistas dificilmente se sensibilizariam com campanhas, por mais emotivas e premiadas que fossem. Em outubro viajei para três capitais do Brasil ministrando palestras de conscientização do trânsito, com foco no motociclismo. Gostaria de dividir algumas constatações com você, leitor:

 

- Existe um enorme, gigantesco, preconceito com relação aos motociclistas em qualquer lugar. Parte por influência negativa da mídia, que está sempre a reforçar o que tem de ruim e desprezar o que tem de bom. Mas também pelos cidadãos em geral. Os motociclistas, sobretudo os mais simples, ainda são vistos como marginais, trombadinhas motorizados, mesmo quando são trabalhadores. São muito poucas as empresas que investem na qualificação e treinamento desses profissionais porque ainda é visto como CUSTO e não investimento. Ouvi o seguinte depoimento de um executivo: "a gente dá treinamento para o motociclista e depois ele muda de emprego". Sim, mas o treinamento precisa vir acompanhado de uma valorização do profissional, dando equipamentos de qualidade, oferecendo motos sempre seguras e bem conservadas etc. E tentar criar critérios de pontuação que premiem os bons com benefícios como folga, adicional no salário, etc. Funcionário bem tratado se mantém na empresa.

 

motocas.jpg

Empresas precisam investir na qualificação dos funcionários motociclistas 

 

- As manias absurdas se espalham como catapora em jardim da infância. Basta aparecer um motociclista usando o guidão encurtado para que isso contamine todos os outros. O mesmo vale para a postura e técnicas malucas de pilotagem.

 

- Falta de informação. Eu fico realmente desesperado quando vejo algumas teorias se difundindo sem que ninguém se questione a veracidade. Isso mostra como é fácil manipular o povo. A quantidade de motociclista que pneus riscados ou remoldados é assustadora. E NINGUÉM sabia que essas duas práticas são ilegais. Teve gente que até deu o nome da empresa que remolda pneu de moto! Pô, mas cadê a fiscalização?

 

- Cadê a fiscalização? O Código Brasileiro de Trânsito é um dos mais completos do mundo. Pena que ninguém conhece e se conhece não respeita e se não respeita não é punido. A única punição aplicada pelo agente de trânsito é a multa, que nunca funcionou nem nunca funcionará como ferramenta disciplinadora. É preciso criar, ampliar e botar nas ruas o agente específico de trânsito capaz de fiscalizar, mas também educar. O Brasil tem um código de trânsito rigoroso, mas aos olhos de um marciano que desça em terras brasileiras somos uma terra sem lei. Todo mundo faz o que bem entende, anda onde e como quer, com veículo caindo aos pedaços. É um território livre. Pode mais quem grita mais.

 

IMG_3892.jpg

Fiscalização zero... 

 

- Vai piorar. Nem a mais santa das freiras carmelitas acredita que o trânsito vai melhorar no Brasil. Não vai! Em 2020 vamos passar (mais um) vexame perante à comunidade mundial porque será o encerramento da década mundial da segurança no trânsito. E a cerimônia será no... Brasil! Eu quero estar lá para ver o rubor na face dos ministros da Cidade e da Saúde ao apresentarem os números da violência no trânsito. A menos que os dados sejam maquiados (e isso nossos políticos são mestres) a vergonha será acachapante. E todo mundo tem sua parcela de responsabilidade.

 

Não sei qual será o paradigma que fará reduzir os acidentes e vítimas de trânsito, a exemplo da postura diante da crise de água. Mas uma coisa eu já sei: se por um milagre chover sem parar por meses em São Paulo e os níveis das represas voltarem ao normal nós veremos novamente as pessoas lavando o quintal, desperdiçando água porque se tem uma coisa que atinge todo mundo é a falta de memória para as coisas ruins.

Harley e eu

$
0
0

HD883_3.jpg

O ano era 1991 e o Brasil vivia a época pré-abertura dos portos. Fazer uma revista de moto naquela época era difícil porque eram poucos modelos e, consequentemente, poucos anunciantes. As revistas tinham 66 páginas, a maioria preto&branco porque o custo da impressão colorida era alto. Faltava assunto e era um tal de reciclar matérias para encher pelo menos 80% das páginas com texto e fotos. Por isso a notícia da chegada ao Brasil das motos Harley-Davidson caiu como uma bomba na redação. Conseguimos exclusividade de entrevistar Christopher Dwyer, Administrador Internacional d Serviços da Harley-Davidosn que garantiu a importação dos primeiros lotes da HD via Motorauto, um grupo de Belo Horizonte, MG, que tinha como um dos cabeças o Beto Motorauto, excelente endurista e homem de negócios. Pela importância da revista na época eles prometeram - e cumpriram - exclusividade na avaliação da primeira HD que pisasse no Brasil. Nessa época eu estava em meu segundo mandato na revista Duas Rodas e coube a mim a importante missão de buscar a primeira Harley desembarcada oficialmente no Brasil.

A moto chegou direto do porto de Santos para uma oficina no centro de São Paulo, onde seria ativada, abastecida e entregue apenas com uma nota fiscal, sem placa e nenhum documento. Para evitar um eventual flagrante por outros veículos de comunicação eu deveria chegar às seis da manhã e encontrar o mecânico que faria a montagem da moto. Eu não tinha nenhuma referência de Harley que, para mim, era como qualquer outra moto. Àquela altura eu já tinha pilotado de tudo, das superesportivas às exclusivas criações feitas em fundo de quintal. Mas admito que mal consegui dormir pensando que iria pilotar uma Harley-Davidson pela primeira vez na vida!

Na hora marcada cheguei na oficina e vi a caixa de metal e madeira no meio da garagem. Ajudei a desmontar a caixa - lembro que guardei os parafusos da caixa e os protetores do guidão por muito tempo - e começou um ritual quase religioso de ativar a primeira HD da nova geração no Brasil. Bateria, óleo, gasolina, aos poucos ela foi ganhando vida e... um simples toque no botão de partida fez o chão tremer - literalmente!

Caberia a mim sair com ela da oficina e levar até a casa do Josias Silveira, diretor editorial da revista, que dada a importância do teste seria o modelo das fotos, feitas pelo Mario Bock. Não lembro muito bem de qualquer emoção diferente ao pilotar aquela moto, só que vibrava muito e tinha muito torque. Contudo sabia que era o começo de uma nova era, porque poucos anos mais tarde foi anunciada a abertura dos portos brasileiros aos veículos importados e nosso mercado só viu aumentar as vendas dessa categoria de motos.

Repare que essa HD 883 Sportster de 1991 não é muito diferente da 883 de 2014 e isso é um dos charmes da marca: mudar sem ficar diferente. Note também que os textos eram enormes e mais detalhados do que hoje em dia. Boa leitura. Obs: o texto foi mantido original, com valores da época. Só para facilitar, US$ 1 = Cr$ 300,00.

Capas.jpg

Harley Davidson 883 Sportster

Conheça este modelo de 883cc que chega ao Brasil a um preço competitivo com as motos nacionais

Harley é Harley, o resto é motocicleta. Esse é um dos lemas adotados pelos fãs dessa tradicional marca norte-americana. Depois de experimentar a primeira Harley-Davidson 883 Sportster De Luxe importada para o Brasil, a conclusão é inevitável: a Harley é uma moto com caráter. O modelo 883 foi o escolhido por DUAS RODAS devido ao preço competitivo em relação às outras motos importadas e às nacionais. Por US$ 13 mil (cerca de Cr$ 4,6 milhões em julho de 1991) é possível comprar esta versão mais simples da Sportster no Brasil, a XLH, conhecida nos Estados Unidos como "a Harley para iniciantes".

Quando a Harley esteve prestes a falir, em 1985, o governo norte-americano injetou muito dinheiro para reerguê-la em nome de uma das últimas motos clássicas a resistir ao "império japonês". Com esta injeção de capital se aproveitou para introduzir tecnologia mais atual nas motos, torná-las mais baratas e tamb[em com uma pilotagem mais fácil.

Esta Sportster tem exatamente 883 cm3, com dois cilindros em V a 45º e uma mecânica bastante clássica para as Harley: comando único no bloco, movimentando as válvulas através de tuchos hidráulicos. São duas válvulas por cilindro e taxa de compressão de 9:1. Alguns detalhes mecânicos da Harley são desconhecidos da maioria do público consumidor das nipônicas, como a transmissão primária por corrente tripla e a corrente de transmissão secundária feita por correia dentada, que não exige manutenção e pode durar até 80.000 quilômetros.

HD883_3.jpg

Para quê desempenho?

Harley não é para correr, é para passear. Com essa afirmação, os harleiros interrompem qualquer conversa onde se fale de desempenho. De fato, não se pode esperar o desempenho de uma esportiva, ou mesmo de uma touring japonesa. Para começar, a fábrica não divulga a potência máxima, quem quiser saber que coloque a moto no dinamômetro. A velocidade máxima da 883 é de cerca de 160 km/h, mais lenta, portanto, de que uma japonesa de 350cc. Mas isso não importa, ninguém tem pressa em cima de uma Harley.

Um dos atuais limitadores da velocidade da Harley é o rigor na legislação americana contra a poluição sonora e ambiental. Por isso o escapamento não produz mais o barulhão que as antigas Harley faziam, mas um ronco suave, grosso, imponente, o único carburador Keihin de 40 mm de venturi (é, não deu para fugir de toda invasão japonesa) tem os giclês estrangulados para reduzir a emissão de poluentes. Mas tudo isso contribuiu para fazer da 883 Sportster uma moto não apenas silenciosa, mas também econômica. Com seu reduzido tanque em forma de gota com 8,5 Iitros, ela chega a rodar 187 quilômetros na cidade (22 km/litro) ou 204 quilômetros na estrada (24 km/litro), segundo o fabricante. Para os viajantes, existe a opção de um tanque maior, com capacidade para 12 litros.

HD883_4.jpg 

Acabamento exemplar

Harley não tem defeitos, tem características. Assim que a moto avaliada começou a rodar, as primeiras impressões, preconceituosas por sinal, desapareceram. Mesmo para uma moto de "apenas" 220 kg (seco), o seu estilo passa a impressão de pesada, difícil de manobrar no transito e instável. Tudo mentira. Ela permite "costurar" no trânsito com muita tranquilidade e é mais leve de manobrar do que uma japonesa de 750cc, por exemplo. Por isso mesmo alguns harleiros americanos dizem que essa 883 Sportster é uma "Harley para mulheres".

As boas impressões continuaram com a estabilidade, graças ao baixo centro de gravidade e os pneus Dunlop Elite 100/90-19 na frente e 130/90-16 atrás, a Harley 883 é extremamente estável, quando o piso é liso. Em piso irregular, a traseira com suspensão bichoque pula um pouco, mas nada que assuste. Para superar buracos maiores e lombadas, basta levantar-se um pouco do banco de ignorar o obstáculo. A 883 supera tudo facilmente, contrariando a impressão de "moto dura".

O banco é outra das "características". Na 883 Sportster De Luxe, o banco pode acomodar duas pessoas, mas com o devido respeito, muito desconfortavelmente. O banco é estreito e com pouca espuma. Depois de alguns minutos de passeio o motociclista começa a sentir saudades das japonesas. Mas isso não é um defeito, é uma característica.

HD883_5.jpg

Já vem vazando

Uma Harley sem vazamento de óleo não é uma Harley. Por mais inacreditável que possa parecer, a Harley Davidson testada já veio de fábrica com um pequeno vazamento de óleo no motor. Segundo os harleiros essa e outra "característica", contra a qual não ha como lutar, Pelo folclore "harlístico", o melhor remédio contra o vazamento de óleo e munir-se de um bom pedaço de pano (ou jornal) para colocar debaixo da moto. Isso, para não sujar a garagem.

A Harley-Davidson adota o sistema de cárter seco, com reservatório de óleo em separado, colocado na lateral direita. Esse tanque recebe o óleo quente do motor e depois de rodar alguns quilômetros em baixa velocidade, o calor começa a incomodar, esquentando a perna do piloto. Mas isso nem de longe pode ser considerado um defeito. É mais uma característica. No imenso catálogo de acessórios para Harley, existe o radiador de óleo, que ajuda a reduzir o calor no compartimento, assim como uma capa cromada que serve de proteção contra o calor dissipado pelo tanque de óleo.

Originalmente, a HD 883 Sportster De Luxe não tem muitos cromados quanta poderia ser esperado. Os escapamentos, a tampa do filtro de ar, amortecedor traseiro, rodas e o aro do pequeno farol sealed beam receberam um tratamento cromado de altíssima qualidade, raramente visto em motos de serie. Outros componentes como espelhos retrovisores, piscas e alguns parafusos, também receberam cromo prateado, contrastando com as peças pintadas de preto fisco ou brilhante, como o tanque de óleo, painel e o cobre-correia.

O resultado visual é muito bonito. Claro que não se pode avaliar o estilo da Harley utilizando os mesmos parâmetros das motos japonesas (ergonomia, por exemplo, é um conceito totalmente desprezado nessa moto). Aerodinâmica é outro detalhe supérfluo que o admirador e consumidor de Harley não está nem um pouco interessado em discutir. Tanto faz se o Cx (coeficiente de penetração aerodinâmica) e x, y ou z.

HD883_6.jpg 

Motor vibrante

Ter uma Harley não é luxo, é estilo de vida. Quem já pilotou uma Harley nos anos 70, deve apagar a experiência da memória porque a nova versão foi melhorada. O bicilíndrico em V foi redesenhado para resolver um dos problemas mais antigos do motor: o superaquecimento do cilindro de trás. Obviamente que o primeiro cilindro recebe mais ventilação e encobre o segundo agravando o problema de refrigeração. Para contornar essa situação, o segundo cilindro recebeu aletas de refrigeração alguns milímetros maiores, algo imperceptível a olho nu, mas que funcionou na prática.

Outra advertência aos antigos "harleiros": as novas Harley não tem aquele temido pedal de partida e seu contragolpe assustador. Agora basta girar a chave de ignição (colocada do lado esquerdo presa ao cabeçote do motor) e apertar o batão da partida elétrica. Pronto, o motor começa a roncar suave, com batidas firmes, sem falhas, pulsando forte como manda a tradição. E, claro, vibrando como uma Harley, apesar do investimento em balanceiros que deveriam reduzir a vibração do motor.

Embreagem macia, a primeira marcha entra depois de um barulho "característico". A moto sai, silenciosa, segunda marcha e um ronco estranho no motor parece acusar algum problema sério. Terceira marcha e o ronco piora bastante, dando a impressão que o câmbio vai explodir. Mas não é nada, apenas mais uma "característica" do câmbio de cinco marchas.

O torque de 7,6 kgf.m a 4.500 RPM garante uma tocada suave, com retomadas impressionantes. Não existe conta-giros na Harley, mas uma das avaliações feitas foi deixar o motor cair de giro em quinta marcha até "pedir" uma redução, e depois acelerar para sentir o motor puxando os 280 kg (220 kg de moto mais o piloto) com uma facilidade admirável. A correia dentada da transmissão secundária não produz ruídos e a impressão e de estar pilotando uma moto com eixo cardã.

Com esse torque e possível andar pelas ruas da cidade sem exigir constantes trocas de marchas, o que melhora ainda mais a sensação de passear com uma Harley. Para viajar com uma Harley é preciso antes de tudo compreender que se trata de uma moto diferente, única no gênero e, portanto, incomparável. Ela não é feita para correr numa estrada, mas sim para curtir o prazer de pilotar uma moto na estrada. Um prazer elevado a enésima potência. Aquela sensação que ficou um pouco esquecida graças às motos "modernas", mas felizmente restaurado por uma das últimas motos do mundo feita de metal e alma.

HD883_Aficha.jpg

 -----------------

Para pessoas especiais

A minha "primeira vez"com uma Harley foi traumatizante. Foi há pelo menos 15 anos (1976) e a moto tinha mais outros 15 anos de uso. Era barulhenta, difícil de pilotar, não fazia curvas e dava tanto prazer de pilotar quanto um carrinho de supermercado lotado. Prometi que nunca iria passar por essa experiência novamente.

Estamos em 1991 e eu sou encarregado de uma missão profissional: avaliar uma Harley-Davidson. "Oh, não, de novo esse trambolho!", reclamei, mas lá fui eu, por dever profissional. Então por uma incrível coincidência do destino, fui experimentar a Harley exatamente na mesma avenida onde tinha passado pela primeira experiência traumatizante. Surpreendentemente ela é completamente diferente. Na verdade é uma moto, não um caminhão. Foi impossível deixar de me apaixonar por ela. A maior dificuldade encontrada na avaliação foi o representante da Motorshop (importador das Harley para o Brasil) conseguir me tirar de cima do assento da Harley. É contagiante: não dá mais para largar a moto e não tem remédio.

Arquivo Escaneado 2.jpeg

--------------------------------------------

Harley para todos os gostos

Apesar de os americanos brincarem, dizendo que a 883 Sportster é uma Harley-Davidson para mulheres, o modelo é feito especialmente para iniciantes no assunto Harley. Além desse modelos "barato" a empresa Motorshop importará outros modelos com preços variando entre 15 a 33 mil dólares, dependendo do nível de sofisticação.

A mais sofisticada de toda a linha é a FLHTC Ultra Classic Electra Glide, com motor de 1340cm3, bolsas laterais de plástico injetado e bancos tão confortáveis que parecem uma poltrona sobre rodas. Além desse modelo, existe o modelo para aficionados por choppers, com a série FXSTS, com roda dianteira de 21 polegadas e garfo dianteiro com amortecedores com molas externas. O motor também é V2 de 1340 cm3. Outra clássica é a FLSTF ou Fat Boy, como é conhecida. A suspensão traseira é batizada de Soft-tail, uma evolução a partir das das antigas "rabo-duro".

O mais impressionante da linha Harley são os acessórios dos mais variados tipos, a ponto de um dos catálogos ser tão completo que virou uma revista, vendida a US$ 2,5 (Cr$ 750,00 em julho/91). A linha de roupas inclui desde os belíssimos casacos de couro, até cuecas. Além de uma centenas de quinquilharias como babador para nenê, canetas, isqueiros, botons, jóias, perfumes, tatuagens removíveis, copos, telefones, brinquedos e um acessório de extrema utilidade: um pequeno tapete de borracha para colocar sob a moto protegendo o chão contra os eternos e necessários vazamentos.

 

 

 

Na velocidade da razão

$
0
0

CBR1000.jpg

O que muda quando se roda a 100, 200 ou 300 km/h

A internet está aí para nos ajudar a adquirir conhecimento e encurtar as distâncias. Hoje uma descoberta em um laboratório no Canadá pode chegar ao conhecimento de um estudante em Caxias do Sul em questão de segundos. Esse é o lado bom. Mas tem o lado ruim: da mesma forma que expande os conhecimentos, também aumenta a velocidade de divulgação do que não presta.

Está se tornando rotineiro abrir as redes sociais na segunda-feira e descobrir uma grande quantidade de acidentes graves envolvendo motociclistas. Assim como se espalham filmes e fotos de painéis de moto atingindo a marca de 299 km/h, maior registro permitido pelos velocímetros, embora as motos passem dessa velocidade.

Nos anos 80 o grande barato era romper a marca dos 200 km/h. Hoje é 300 km/h. Parece uma espécie de condecoração pela bravura. Tem até comunidades que incentivam esse limite, com nomes sugestivos como “Clube dos 300”, ou “299 Racing” etc.

Por trás dessa atração pelos 300 km/h está uma justificativa que soa tão infantil que chega a ser ofensiva à inteligência. Segundo os defensores dessas altas velocidades está a frase ridícula: “quem compra uma moto esportiva é porque quer passar dos 300 km/h”. Então quem compra uma arma de fogo para se defender precisa matar alguém para justificar a existência do arsenal?

Pode-se comprar uma moto esportiva de 180 CV pela atração do estilo, pelas curvas da carenagem, a beleza das linhas e até o ronco do motor, mas não com o objetivo tácito de romper a barreira dos 300 km/h. Nem mesmo dos 200 km/h!

Ducatosa.jpg

 Imagine o que é frear uma moto a 200 km/h ou a 300 km/h. (Foto Lygia Takayama)

Veja alguns dados. A 100 km/h uma moto de caráter esportivo consegue frear em aproximadamente 35 metros. É uma distância razoável e pode até ser reduzida com um piloto bem treinado e saudável. Só que a 100 km/h a moto percorre 27,7 metros por segundo. Já começa a ficar no limite perigoso. Na verdade é pior, porque todo mundo esquece do “tempo de reação” que é o tempo entre o nosso cérebro perceber uma situação de emergência e o freio começar a atuar. Em pessoas saudáveis esse tempo de reação é de aproximadamente um segundo. Ou seja, numa matemática bem simples, a 100 km/h a moto terá percorrido 27,7 metros ANTES de o freio começar a atuar. Mais os 35 metros do espaço de frenagem é igual a uma baita pancada!

Agora imagine o que acontece a 200 km/h. A primeira lição de Física é com relação ao espaço de frenagem. Muita gente acha que é uma simples regra de três: se a 100 ela para em 35 metros, a 200 vai parar em 70 metros. Certo? Errado...

A frenagem nada mais é do que uma aceleração negativa e a unidade de grandeza que mede aceleração é metros por segundo ao quadrado. Portanto é um dado exponencial e não absoluto. A 200 km/h uma moto precisa de 150 metros para se imobilizar. Mas vamos mais além. A 200 km/h a moto percorre 55,5 metros por segundo. Portanto o espaço necessário para imobilizar uma moto a 200 km/h é de 200,5 metros.

Tente imaginar tudo isso a 300 km/h!!! A essa velocidade, a moto percorre 83,3 metros por segundo. Ou seja, mesmo que o motociclista seja um excelente piloto, ele vai percorrer mais de 80 metros antes de o freio começar a fazer efeito e mais uma eternidade para parar efetivamente. Não sei quantos metros a moto precisa para frear a 300 km/h porque esse teste eu nunca fiz nem sei de ninguém que tenha feito (e sobrevivido). Mas não é só isso!

Já expliquei algumas vezes que a área de pneu que encosta no asfalto é muito pequena. Uma moto a 100 km/h em linha reta encosta uma área de aproximadamente 8 cm2 somando os dois pneus. Lembre-se que em linha reta é a posição que menos os pneus tocam no asfalto. Mas quando aumenta a velocidade os pneus deformam com a centrifugação (ou “centripetação”) e se expandem, o que faz a área ser ainda menor. Tente imaginar o que significa frear uma moto a 300 km/h, apoiada em poucos centímetros de borracha! No momento da frenagem o pneu dianteiro deforma e aumenta a área de contato com o solo, mesmo assim não é grande coisa.

CBR600F.jpg

 Lugar de correr é na pista! (Foto: Lygia Takayama)

Esses dados são apenas para mostrar que a mesma alta velocidade que fascina as pessoas também deixa a moto instável e muito vulnerável. Correr a esta velocidade na estrada é um atestado de insanidade e defendo uma fiscalização severa com a perda sumária da habilitação, além de processo civil, criminal e o que existir de cassação dos direitos civis, porque uma moto a 300 km/h é praticamente um míssil.

Recentemente, em uma estrada do Paraná, um motociclista em alta velocidade atingiu um carro em um cruzamento de nível (outra aberração das nossas estradas). O impacto foi tão violento que praticamente partiu o carro ao meio e ainda matou o motorista. O motociclista estava trajando camiseta, bermuda, tênis e capacete. Morreu no local. Os peritos da polícia chutaram uma velocidade aproximada de 150 km/h, e causou aquele estrago. Imagine se estivesse no dobro dessa velocidade!

Enquanto a sociedade discute se deve ou não liberar a venda de armas de fogo, tem muita gente que já tem uma artilharia pesada às mãos, mas pensa que é espoleta!   

Corrupção de caráter

$
0
0

ibira.jpg

Quem liga pra pedestre? Basta parar em cima da calçada

A crise não é política nem econômica, é moral

O Brasil parece que acordou de um sonho bom para viver um pesadelo. A cada dia novos casos de corrupção são divulgados, desde a esfera federal até pequenos municípios no interior do Nordeste onde políticos afirmam sem o menor constrangimento que são “viciados” em roubar. Para completar o ministério da Saúde divulga que o número de jovens com vírus da AIDS aumenta no Brasil, enquanto no resto do mundo diminui. Não acabou, os casos de latrocínio (roubo com morte da vítima) também aumentam. E no meio disso tudo tem os dados de acidente de trânsito que também só aumentam por aqui. O que está errado?

Todos esses índices tem uma coisa em comum: todos eles são fruto do comportamento humano. Equivale afirmar que o ser humano brasileiro está com problemas... e morrendo!

É interessante perceber pelas redes sociais o tamanho da indignação da população perante algumas supostas injustiças – a ponto de alguns pedirem a volta do regime militar. Mas também é curioso observar que um dos espelhos de uma sociedade moderna é o trânsito.

Se está evidente que há uma crise de caráter na sociedade, como esperar que isso não se reflita no trânsito? A mesma dona de casa que reclama da inflação e dos preços “pela hora da morte” na feira estaciona em fila dupla para esperar o filho sair da escola. O mesmo executivo que se espanta com o volume de verba dos esquemas de caixa dois atende o celular enquanto dirige, escondido pela película solar mais escura do que a permitida por lei. O mesmo motociclista que se escandaliza com o aumento do latrocínio faz um intervalo na hora do almoço para fumar um baseado. O mesmo gerente de loja que defende com veemência a introdução da pena de morte no Brasil faz uma conversão proibida para encurtar alguns metros o roteiro.

Não existe justiça quando não se pratica a justiça.

Já escrevi dezenas de vezes que o trânsito é uma organização social. Quanto mais evoluída a sociedade, menos violento é o trânsito. O que nos dá poucas esperanças de um futuro melhor, porque além de não resolvermos os problemas de trânsito ainda incluímos no sopão social o aumento nos casos de AIDS e de latrocínio. Que dureza...

filhodaputa.jpg

 

O motorista de caminhão está nem aí para os motociclistas...  

Quase todo mundo que critica o meio político se esquece de onde vêm os políticos. Eles não são seres extraterrenos que lotam uma nave em outra galáxia e descem no Brasil, eles são pinçados entre os brasileiros. Se a categoria política está com problemas de caráter é sinal que a população está sofrendo desse mal.

Todo mundo que viu o depoimento de uma testemunha ao Fantástico, da Rede Globo, ficou pasmo quando o repórter questionou se ele não se sentia culpado pelo desvio de verba que tirava a merenda escolar das escolas, que impedia as obras de infraestrutura ou que causava morte por falta de um atendimento médico-hospitalar. A resposta do vereador foi sincera: “não, nós não nos preocupamos com isso, só com o dinheiro!”.

É isso! O motorista que para o caminhão em fila dupla para descarregar refrigerante não está preocupado com os outros, só com ele mesmo. O motociclista que cruza a cidade em alta velocidade, com escape barulhento, não está preocupado com os outros, só com ele. O motorista gerente de multinacional que fica parado no semáforo teclando no celular não está preocupado se está atrapalhando os outros, mas só com a comunicação dele. Enfim, vivemos uma crise de caráter na qual todo mundo se preocupa apenas com o próprio umbigo e não com a coletividade. Com os políticos não seria diferente.

filhodapuita.jpg

 

O ciclistas que se danem, legal é abrir o porta-malas e curtir um pancadão 

Sim, eu sei o que você está pensando: “isso é generalização”. Mas não é. Basta sair nas ruas para entender que é a simples observação. Existe um movimento cósmico qualquer que tem feito os brasileiros esquecerem definitivamente o coletivo e pensar apenas no individual e se a categoria política e o funcionalismo público vêm da sociedade o resultado não poderia ser outro senão a repetição da mesma crise moral e ética.

Enfim, o moral dessa história é uma história sem moral.

A arte de frear (parte II)

$
0
0

Ducati_freio.jpg

Com a moto ainda na reta, freio traseiro e dianteiro acionados.

Como modular o freio traseiro

No primeiro capítulo mostrei algumas características de frenagem e os erros mais comuns. Agora é hora de entender como funciona, pra que serve e quando deve ser usado o freio traseiro. Para começo de conversa, esqueça tudo que ouviu sobre o uso do freio traseiro porque ou veio de alguém que usa demais ou de alguém que nunca usa.

Os motociclistas que tem medo de usar o freio dianteiro acabam sobrecarregando o traseiro. Um dado curioso levantado pelas blitzes educativas da Abraciclo é que o freio traseiro desgasta mais rapidamente do que o dianteiro. Tudo porque o motociclista brasileiro tem o hábito de usar apenas o freio traseiro, como foi ensinado na moto-escola.

Como foi explicado no artigo anterior, o freio traseiro deve ser usado em várias situações tanto na cidade quanto na estrada ou dependendo do tipo de moto. E já que surgiram várias perguntas sobre o assunto, vale uma explicação sobre os freios CBS, ou combinados, que tem acionamento em conjunto com o comando do freio traseiro e dianteiro.

CBS_cg.jpg

Freio CBS: quando aciona o traseiro vai 25% de força no dianteiro

O freio CBS simples funciona assim: quando o motociclista aciona só o pedal do freio TRASEIRO um segundo cilindro-mestre (burrinho) manda um pouco de força também para o freio dianteiro. Tá, já sei o que você está pensando: “mas se não pode usar o freio dianteiro no meio da curva, como vou modular a velocidade com o freio traseiro se o dianteiro também será acionado?”. Não tem problema, porque aciona apenas 25% da capacidade de frenagem do freio dianteiro e isso não é suficiente para provocar o stand up, o alinhamento da moto que a faz levantar no meio da curva. Ou seja, pode enfiar o sapato no freio traseiro no meio da curva que a moto não levanta, seja qual for o modelo (de moto, não do sapato!).

Na versão CBS simples, quando se aciona o pedal do freio 25% do freio dianteiro entra em ação. Mas quando o piloto aciona somente o freio dianteiro não acontece nada com o traseiro. Já na versão Dual-CBS é diferente. Tanto faz se o piloto aciona só o freio dianteiro ou só traseiro, as duas rodas serão sempre freadas. Nos dois casos de CBS todo o funcionamento é mecânico/hidráulico e não envolve eletrônica.

freioCBS.jpeg

No freio CBS o disco tem três pastilhas, a menor é exclusiva do traseiro combinado

Mas a Bosch desenvolveu um freio para a KTM capaz de pensar. Isso mesmo, sabe o seu telefone celular smartphone? Dentro dele tem um pequeno medidor de G (acelerômetro) que identifica a todo momento qual a posição do celular em relação aos planos horizontal e vertical. Por isso pode-se baixar um aplicativo que funciona como uma régua de nível, igual à usada por pedreiros, inclusive com a bolha virtual. O meu pedreiro tem! Esse acelerômetro é menor que uma caixa de fósforo e controla toda operação de frenagem. Quando o piloto inclina a moto na curva a central entende essa posição e manda mais energia para o freio traseiro e menos para o dianteiro. Da mesma forma, quando o piloto começa a frear e a frente da moto mergulha violentamente quase no final do curso do amortecedor, essa central percebe e transfere parte da frenagem para a roda traseira para manter tudo em equilíbrio. Enfim, o sistema “pensa” pra você. Graças à evolução desse acelerômetro muito em breve as motos terão apenas UM comando de freio, como nos carros. Felizmente...

 

Use o traseiro e seja feliz

Tem uma coisa que me desanda os intestinos é ouvir “professores” de pilotagem afirmando peremptoriamente que em corrida não se usa o freio traseiro. Meu saquinho, então se não é pra usar, porque a equipe mantém toda aquela estrutura de frenagem? Pow, manda tirar o pedal, as mangueiras, pastilhas, pinças e disco que além de aliviar o peso ainda facilita o pensamento. Só que vai lá nos boxes de Interlagos e está todo mundo com os freios traseiros instalados.

Na verdade essa orientação muitas vezes é dada apenas para facilitar o papo, porque é mais fácil proibir do que ensinar. Existem pilotos e pilotos. Pessoas são diferentes, pensam de forma diferente e tem experiências de vida diferentes. Por isso cada um ensina de acordo com o que sabe a aprendeu.

Felizmente – para mim e meus alunos – eu não sou apenas um ex-piloto, aliás, o lado jornalista contribuiu muito para minha vida de piloto porque tive a chance de conversar com grandes pilotos e tirar várias dúvidas. Por exemplo, o americano Kevin Schwantz fala sem qualquer constrangimento que não usava o freio traseiro nunca e quando tentou usar caiu! Mesmo assim teve 25 vitórias da categoria 500cc e foi campeão mundial em 1993.

Já os também americanos Eddie Lawson e Freddie Spencer (que foi meu professor em 1997) defendem o uso do freio traseiro como forma de equilibrar a frenagem e tornar a pilotagem mais “redonda”. Lawson teve 31 vitórias e quatro títulos mundiais, acho que dá para afirmar que ele sabe alguma coisa. Já Spencer foi o último piloto a vencer dois títulos mundiais no mesmo ano em categorias diferentes, dono de um estilo tão limpo que olhando ele na pista parecia que estava bem mais devagar do que os outros, mas no cronômetro era mais veloz. Freddie teve 27 vitórias e três títulos mundiais.

Mas o que realmente me convenceu sobre o uso do freio traseiro foi ter entrevistado o australiano Michael Doohan durante um evento na Espanha em 2002. Lembrei do drama que ele vivera em 1992, quando sofreu um grave acidente e quase perdeu a perna direita. Ele perderia o título de 92, mas a partir de 1994 dominou o mundial com cinco títulos consecutivos e 54 vitórias. Perguntei sobre a “lenda” do freio traseiro na mão ele revelou o mistério.

freiotraseironamao.jpg

Freio traseiro acionado pelo dedão: depois do Doohan muitos pilotos adotaram o sistema

A partir de 1993, para conseguir usar o freio traseiro Doohan teve de adaptar a moto e colocou uma segunda manete na mão esquerda para acionar o freio traseiro usando o dedão! Sabe o que aconteceu? Ele descobriu que conseguia usar o freio traseiro tanto em curva para a esquerda (o que todo mundo faz) quanto para a direita (o que pouca gente faz). Esse foi o pulo do gato! Em curvas para a direita é quase impossível usar o freio traseiro porque a ponta do pé encosta no asfalto e impede o curso do pedal. Segundo Doohan “nas motos com motor dois tempos a frenagem é muito crítica e o freio traseiro é importante. Sem saber, acabei melhorando muito a frenagem acionando o freio traseiro com o dedão; depois outros pilotos também tentaram e adotaram o mesmo sistema”.

Então a gente analisa a carreira dos pilotos que admitiram usar freio traseiro e compara com um que não usavam e podemos concluir quem está certo...

Merci, Hilaire

Apesar de todos esses depoimentos, quem efetivamente me mostrou o truque foi um piloto francês que correu no Brasil e era instrutor da escola de pilotagem de Christian Sarron. Foi Hilaire Damiron que colocou o ovo em pé ao explicar COMO usar o freio traseiro sem travar a roda nem mandar o piloto pro espaço.

Basta pensar na Física. Quando a moto está em velocidade constante as massas estão equilibradas. Ao acionar o freio, começando pelo dianteiro, a frente mergulha, a traseira perde pressão e fica “leve”. Neste momento, se o piloto encostar no pedal do freio é derrapagem na certa! Então o segredo é começar aplicando o freio traseiro, dessa forma é a traseira que mergulha e quando o piloto aciona o freio dianteiro as massas se equilibram melhor. (E se você é Físico ou engenheiro, por favor não perca seu tempo para me escrever afirmando que “massa não desloca, bla-blá-blá” porque esse é um texto genérico e não um artigo científico).

Resumindo: em moto de alto desempenho a frenagem deve COMEÇAR pelo freio traseiro e logo em seguida o freio dianteiro. Mas esse gap entre o traseiro e dianteiro é o que os cientistas mais renomados chamam de “pentelhésimo de segundo”, no sistema métrico da NASA.

O Hilaire chegou a criar uma escola de pilotagem aqui no Brasil, mas infelizmente por motivos pessoais mudou-se do Brasil, mas deixou um discípulo por aqui...

Na prática, em competição, a frenagem começa e termina pelo freio traseiro. O piloto deve acionar o traseiro no início, aplicar o dianteiro com a moto ainda em pé e à medida que inclina na curva vai soltando o freio dianteiro e mantendo o traseiro, que será totalmente liberado um pouco antes do meio da curva.

ducanapista.jpg

Curva para direita: punho direito travado e pé longe do pedal de freio

Só por curiosidade, você já se perguntou porque a maiorias dos motociclistas prefere fazer curva para a esquerda? Ouvem-se as respostas mais malucas, desde o alinhamento dos planetas, hemisférios justapostos, piloto canhoto ou destro, mão de direção etc. Mas a explicação está na própria moto, que é assimétrica. Do lado direito estão o acelerador e o pedal do freio traseiro. Quando a moto inclina para a direita é difícil acionar o freio porque o pé encosta no asfalto e o punho fica “travado” sem curso. Já em curvas para a esquerda o piloto consegue acionar totalmente o freio traseiro e o punho tem 100% de curso para controlar o acelerador. Por isso é tão gostoso pilotar em pistas com sentido anti-horário, porque tem mais curvas para a esquerda!

CBR 600na curva.jpg

Curva para a esquerda: pé alcança o freio e mão direita livre.

E como fazer para acionar o freio traseiro em curva para a direita sem a manete do Michael Doohan? Ah, a mágica é usar a lateral da bota e não a ponta do pé... hehe, pode ir treinando, depois me conta se deu certo!

 

Viewing all 291 articles
Browse latest View live