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Prostatite parte 2: sobre escolhas

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Esta foi uma das fotos que fiz à bordo de uma coisa estranha que voava*.

Ah as escolhas. Uma das poucas certezas da vida é que sempre achamos que fizemos a escolha errada. Porque não tem como apertar a tecla fast foward e avançar nossa história para saber como seria se tivesse feito a outra escolha. Não dá. O cinema até tentou retratar estas condições em filmes como “O Feitiço do Tempo”, “Efeito Borboleta” e o bobinho “Controle Remoto”.

Apesar de a ficção criar formas de avaliar como seria se tivéssemos feito a outra escolha, na vida real não existe essa chance. Escolhas significam renúncias e não adianta se julgar pelas escolhas do passado porque éramos outras pessoas. Só posso garantir que de pouco adianta se perguntar “como seria se eu tivesse feito a outra escolha?”, porque agora estaria fazendo exatamente a mesma pergunta.

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Efeito Borboleta: o personagem do filme só consegue corrigir os erros do passado magoando a pessoa que amava.

Algumas pessoas de elevada grandeza procuram ajuda na hora das escolhas. Outras seguem um instinto e a grande maioria vai no impulso. Sorte quando a escolha pode ser revista e permitir voltar atrás, mas quando a decisão é irreversível o peso da escolha é eterna. Nada retrata mais essa angústia do que o filme genial “A Escolha de Sofia”.

Com o pedido de biópsia nas mãos fui para o posto de saúde agendar o procedimento. Diante de tanta recomendação parecia que eu faria uma cirurgia. É quase isso. O paciente é anestesiado e o médico introduz um tubo com uma agulha na ponta. Ah introduz pelo rabicó mesmo, na falta de outro orifício nas redondezas. Retiram uma porção do tumor que será examinado no laboratório. Como é feito um corte, isso sangra e precisa cicatrizar, porque não tem como enfiar a mão lá dentro (ainda bem) pra costurar.

Por isso o pré e pós procedimento são praticamente iguais aos de uma cirurgia, porém sem a internação. Entra de manhã, leva o ferro, acorda e vai pra casa. Não, não pode ir de moto, nem dirigir. Precisa levar um acompanhante maior de idade e se prepara, porque depois de passar o efeito da anestesia vai doer muito.

Escolhemos ir de Uber porque eu não queria me preocupar com estacionamento, nem voltar dirigindo. Desta vez fui acompanhado da minha mulher, que respeitou minha vontade de não falar sobre o assunto.

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Nunca a arte retratou tão bem a angústia de uma escolha como no filme A Escolha de Sofia.

No caminho lembrei da minha vasectomia, feita no final dos anos 1980. Já tinha as minhas duas filhas e decidi que seria o procedimento mais eficaz, até porque eu não queria mais ter filhos mesmo. E também é uma cirurgia menos invasiva e bem mais simples do que a laqueadura para a mulher.

Só que eu tinha 30 anos e nenhum médico queria operar um jovem de 30 anos porque, segundo eles, minha vida poderia mudar muito ainda. Um deles até foi irônico:

– Imagine se você se separa, conhece a princesa de Mônaco, ela se apaixona por você, mas só casa se tiver um herdeiro?

De todas estas possibilidades a única que se concretizou é que poucos anos depois eu me separei mesmo. O resto foi devaneio. Mas gostei da possibilidade de casar com a Stéphanie Mari Elisabeth Grimaldi. Eu esconderia o fato de ser vasectomizado até passar a lua de mel, claro.

Sem poder operar nos médicos convencionais apelei para o meu cunhado da época. Pense numa família que tem médico! Ele topou, mas fez a cirurgia no consultório, com ajuda de um anestesista. A cirurgia correu bem, com anestesia local, mas ele não me disse para ir de taxi e fui dirigindo meu Passat sem direção hidráulica.

Na saída do consultório ele me deu uma receita e avisou que, se doesse, era pra tomar aqueles remédios. Saí meio claudicante como quem leva uma baita bolada no saco e fui embora. Assim que pisei na embreagem e engatei a primeira senti uma pontada como se estivessem arrancando minhas bolas.

A dor foi aumentando a ponto de não conseguir mais dirigir. Parei na primeira farmácia, desci e fui quase engatinhando até o balcão. Entreguei a receita pra farmacêutica e fiquei de cócoras implorando para me darem alguma coisa bem forte pra acabar com a dor.

Deram. Uma injeção de qualquer coisa que diminuiu a dor, mas ainda tinha de dirigir aquele Passat duro que nem uma carroça medieval, tentando desviar até de palito de sorvete. Cheguei e capotei no sofá!

Por isso, desta vez, para fazer esta biópsia decidi respeitar todas as regras recomendadas, até porque 27 anos a mais de vida nos deixa um pouco mais experiente.

Fui pra biópsia ainda sem a menor noção do que seria feito. Simplesmente tirei a roupa, vesti um avental que deixa a bunda de fora e deitei numa cama. Uma enfermeira gorda, negra e muito engraçada me levou pro centro cirúrgico perguntando sobre tudo que eu fazia. Foi tipo uma entrevista e isso me deixou bem mais relaxado. Ela explicou o procedimento, mas não prestei atenção porque estava ouvindo a conversa de dois médicos.

Um deles estava literalmente puto da vida porque antes das consultas os pacientes pesquisam no Google e ficavam questionando os diagnósticos. Na verdade eles queriam apenas uma segunda opinião.

Enquanto isso o anestesista já tinha me espetado e aconselhou:

– Pense apenas coisas boas!

Antes de empacotar chamei o médico e aconselhei:

– Doutor, se alguém pesquisar no Google e vier aqui apenas em busca de uma segunda opinião pede pra ele pesquisar no Yahoo!

Apaguei ouvindo o som das risadas no centro cirúrgico.

Apesar de anestesiado senti mexerem no meu corpo até começar a sonhar. Não sei o que colocaram naquela anestesia além de óxido nitroso, porque sonhei que estava numa estrada americana viajando de Harley-Davidson, quando a enfermeira me acordou.

– Ufa, ainda bem que você me acordou, achei que essa sensação dolorida no meu rabo era a vibração de uma Harley!

Dias depois, quando saí daquele mesmo lugar com o resultado positivo para câncer e a palavra "impotência" reverberando no meu cérebro, chegava o momento de fazer uma escolha irreversível: morrer de pau duro ou viver de pau mole?  

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Eu aumento, mas não invento: estas pernas trêmulas são minhas mesmo, num ultraleve, em direção a uma tempestade manauara! Logo ali embaixo está a fábrica da Honda.

No ar

Nunca saltei de para-quedas, mas tenho vontade. O que me impede é o medo. Só de pensar naquele avião a 4.000 metros, de porta aberta já estremeço. Não gosto muito de coisas que avuam. No entanto, a profissão de jornalista e fotógrafo me obrigou a voar muito. Muito, alto e em coisas que nem eu acredito, como em Manaus (AM), nos anos 1980 que precisei fazer uma foto aérea da fábrica da Honda, numa aeronave tão rudimentar que faria o Demoiselle parecer um jato.

Procurei o aeroclube local mas o preço pra alugar um helicóptero era muito acima do meu apertado orçamento. Um cabra ouviu a conversa, me chamou de lado e soltou:

– Eu posso te levar pela metade do preço!

– Fechado!

Só esqueci de perguntar qual a aeronave. Era um ultraleve. Aberto, sem chão, sem teto, sem janelas porque também não tinha portas. Aquela trapizonga era uma asa delta com motor de Fusca e dois lugares. Sem tempo, nem juízo, aceitei a oferta e nem precisei mais de 30 segundos para me arrepender profundamente.

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Lindo dia para morrer engolido pela tempestade! Mas não morri!

Até este dia eu achava que tinha sentido medo. Besteira, medo eu tenho de barata. O que passei naquele projeto de coisa que voa (em alemão flugzeug) superou muito o sentimento de medo, desamparo, saudades do colo de mãe. Principalmente quando olhei pra frente e vi uma tempestade se aproximando.

“Por que eu não gastei o dinheiro do cliente e fui de helicóptero? Por que eu faço tantas escolhas erradas?” pensava enquanto tentava fotografar, me contorcendo para manter a máquina fotográfica estabilizada.

Como você pode ver, eu não morri. Mas meu espírito ficou em algum lugar da selva amazônica junto com minha dignidade.

O silêncio da inocente

Escolhas. E se eu simplesmente não operasse a próstata, continuasse sexualmente ativo, esperando que a natureza seguisse seu rumo, até definhar e morrer como aconteceu com Frank Zappa? Tinha de escolher qual procedimento adotar e se eu queria mesmo operar.

A palavra impotência é cruel. Ela cai na nossa cabeça como um sino de catedral. Entra na corrente sanguínea e se aloja no cérebro como um parasita de cisticercose. O diagnóstico de câncer de próstata vem atrelado aos dois principais efeitos colaterais: incontinência urinária e, para ser elegante, disfunção erétil.

Depois de receber o diagnóstico daquela maneira fria e insensível, saí do centro de São Paulo, até a minha casa, na zona sul, tentando me concentrar na pilotagem da moto com as palavras câncer e impotência na minha cabeça. Precisava chegar em casa e contar pessoalmente para a minha mulher. Mas como dar essa notícia? Os médicos e assistentes sociais não nos preparam pra isso. Nem a Igreja, nem a escola, nem os pais. Ninguém nos prepara pra esse momento.

A moto foi sozinha pra casa porque não lembro de nenhum centímetro do percurso. No caminho passava pela minha mente pensamentos que devem ser comuns a todos que recebem essa sentença: por que eu? por que Deus me escolheu? O que fiz de errado pra isso acontecer? Será um castigo divino por eu ter sido tão promíscuo? Não pode ser um erro do cara que fez o laudo? Será que trocaram meu exame no laboratório? E se eu jogar a moto agora desse viaduto e me espatifar lá embaixo pra evitar tudo que virá pela frente?

Confesso que não lembro muito desse dia (devia ter feito um diário), mas entrei em casa e contei o resultado para minha mulher que manteve-se forte e elegante como sempre. Não falamos muito e aí começou o que considero o maior erro de postura que tomei durante anos seguidos: o silêncio!

Existe um provérbio árabe que ensina: o silêncio é pedra; pedra constrói muros e muros separam. Nunca li tanta verdade em uma frase tão curta. Pena que só aprendi isso tarde demais.

Não é minha intenção fazer um livro de auto-ajuda porque não acredito em livros de auto-ajuda, mas aqui fica minha primeira e valiosa dica para quem vive junto: converse! Saiba a hora, o lugar e como conversar. Não vale, por exemplo, depois do sexo, quando a pessoa está encharcada de endorfina, adrenalina, dopamina, ocitocina, vaselina etc um dos dois virar e falar:
– Então, sobre o natal na casa da mamãe...

Não, definitivamente depois do sexo não é hora de conversar. Deixe os hormônios fluírem.

Também não espere uma explosão de sentimentos para conversar, porque é fácil descambar pra discussão. Espere um momento que ambos estejam de boas. E pare de achar que discutir um assunto é uma disputa, na qual se tem necessidade de “ganhar” ou “perder”.

Outro filme genial "A Profecia Celestina" mostra a troca de energias que acontece quando duas pessoas discutem e como essa energia flui de um para o outro. A sensação de vitória ou derrota em uma discussão reduz ou aumenta esse fluxo de energia.

Nossa sociedade – e a mídia tem um papel importante nisso – nos inculcou a ideia de que conversa de casal é discutir a relação, a tal “DR”. Também nos empurrou goela abaixo a mensagem de que é sempre a mulher quem deve puxar assunto, ganhando a pecha de “chata”. As mulheres naturalmente chamam para a conversa porque faz parte da liturgia do cargo. Homens preferem o silêncio, porque não sabem como falar, ou, geralmente, porque preferem manter guardado. Homens escondem os sentimentos porque aprenderam que “homem não chora”.

Outra dica: no caso de um problema de saúde que afete um dos dois, conversem, porque não está em jogo apenas a saúde de um dos cônjuges, mas na verdade o que fica doente é a relação. Na vida do casal, o câncer adoece os dois. Saber como conduzir, procurar ajuda terapêutica, deve ser extensiva ao casal. Mas isto eu não sabia quando cheguei em casa naquela manhã de julho. Por não saber como fazer adotei a pior postura possível: me fechei como uma ostra.

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No filme "A Profecia Celestina" a cena mostra a troca de energia quando conversamos

Procedimentos

Mesmo sabendo que minhas células cancerígenas estavam se reproduzindo como taradas no cio, eu não sentia nada de errado. Sim, já tinha percebido que estava difícil fazer xixi e que o jato saía fraco. Mas eu creditei na conta do envelhecimento natural. Quando eu tinha 10 anos olhava para meu avô de menos de 60 anos como se ele fosse um fóssil vivo.

A noção de velhice mudou ao longo da última década. Aos 55 anos eu me achava tão ativo quanto aos 35. Mas a natureza tem formas desonestas de me corrigir. E uma delas era esse xixi fraco, que nunca associei a hiperplasia prostática, até porque nem sabia da existência dessa palavra. Na real, deveria ter começado os exames de PSA aos 45, pelo histórico familiar, mas também não lembrava que meu pai tinha sido operado. No dia da cirurgia dele eu estava viajando a trabalho e quando voltei não tocamos no assunto.

Agora, com o diagnóstico feito, cada xixi era uma testemunha de acusação, como se minha uretra dissesse: “ae, mano, eu te avisei!!!”.

E só um esclarecimento que poucos médicos explicam. Não é só o jato de urina que fica fraco. A ejaculação também! Não sai um jato explosivo como um míssil balístico, mas escorre devagar que nem os chafarizes da piazza Navona. Mas este não é um assunto pra ser gozado.

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Chafariz da Piazza Navona: fraquiiiinhos...

Por não sentir nada, e até mesmo rejeitar o diagnóstico, demorei para procurar um especialista. Sem plano de saúde, a consulta pelo SUS estava marcada para quase 40 dias depois, como se fosse apenas uma micose de praia. Até que um dia falei com meu irmão e mandei o laudo da biópsia via Whatsapp. Assim que apareceram as duas barrinhas azuis no aplicativo ele me ligou:

– Vem pra cá que o chefe da Urologia quer falar com você. Mas fica tranquilo...

Ah tá. O pica das galáxias da urologia do hospital onde meu irmão trabalhava falou pra eu ir lá no dia seguinte, mas fica tranquilo... Passei a noite tão tranquilo quanto  um sentenciado no corredor da morte, escolhendo qual procedimento menos agressivo!

No dia seguinte de manhã estava sentado na frente do chefe da Urologia, acompanhado de dois outros médicos residentes para saber quais opções eu teria: câmara de gás, fuzilamento ou forca?

(Continua...)

*Fotos originais feitas em Kodak Ektachrome

Para acessar a parte 1 clique AQUI.


Prostatite 3: então, qual vai ser?

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Vista da janela de um hotel em Amsterdã: viajar é bom, com alguém junto é ótimo. (Foto: Tite)

A difícil decisão sobre qual procedimento para o câncer de próstata

A vida é feita de escolhas. Dã, pensa numa frase mais clichê! Só que traduz exatamente o que é viver. Sempre tive muita dificuldade para decisões e isso me causou tanto problema que uma das vantagens de envelhecer é que na maioria das vezes é a vida que decide por você.

O que gosto no horóscopo é que posso colocar toda a culpa dos meus erros no signo. Escolhi errado, ah é porque sou ariano. Gastei dinheiro com bobagem? Ah, quem mandou ser ariano. Meteu o louco e brigou na rua? Típica coisa de ariano. Tratou mal a mulher (ou qualquer pessoa)? Logo se vê que é ariano. Obrigado astros!

Mas a verdade é que algumas pessoas são mais assertivas do que outras, punto e basta. Os signos só servem para justificar quando deu errado, porque não se escuta alguém elogiando tipo “ah ele é super carinhoso e altruísta porque é ariano”. Não, os astros só atuam nas cagadas.

Uma vez na região da Toscana, na Itália, tive uma crise decisiva. Estava já havia uma semana viajando a passeio depois de uns dias de trabalho. Viajei muito na minha vida de jornalista, mas 90% das vezes a trabalho. Só fui começar a viajar a passeio depois de 10 anos de relacionamento com a Maria*, que me convenceu a gastar dinheiro em viagens. Eu mesmo já tinha rodado por muitas cidades, na maioria das vezes totalmente sozinho.

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Pôr do sol na Mantiqueira: gaste seu dinheiro com viagens, porque é para sempre! (Foto: Tite)

Viajar sozinho é um saco! Fazer qualquer coisa sozinho é um saco. Nas primeiras viagens eu até curtia, porque sou ariano, mas depois começou a ficar meio triste não ter com quem dividir. No filme “Na Natureza Selvagem”, o personagem à beira da morte, depois de enfrentar uma aventura sozinho, chega a conclusão que “a felicidade só é completa quando compartilhada”. Um dos grandes ensinamentos da vida.

Nunca contabilizei quantos países já visitei, porque na maioria das vezes era chegar na quinta, trabalhar sexta, sábado e domingo e voltar na segunda. Posso dizer que não conheci mais de 30 e menos de 40 países. Mas desta vez na Toscana eu estava novamente sozinho, com um mapa na mão (época pré-smartphone). A cidade era San Gimignano, conhecida por ter os melhores sorvetes do mundo, pena que eu não gosto tanto assim de sorvete.

Estava tão angustiado para decidir pra onde ir que surtei. Fiquei prostrado no quarto do hotel, vendo televisão, sem qualquer movimento, enquanto começava uma garoa que deixava tudo ainda mais melancólico. Até decidir sair pela porta sem destino. Fui até os muros de uma fortaleza medieval, de guarda-chuva cobrindo parte da visão, quando percebi algo diferente na paisagem. Era um motociclista todo ensopado, sem capa de chuva, empurrando uma moto antiga.

– Pronto, achei algo pra fazer, pensei já me dirigindo ao motociclista.

Fui ajudar a empurrar a moto e recebi um enorme sorriso de volta, com agradecimento em alemão! O cara era alemão oriental, viajando com uma moto russa Ural 500cc, imitação de BMW. Com o pouco de alemão que aprendi consegui entender que ele não era um colecionador, mas era a moto normal de uso dele, viajando pela Itália em férias. Ele não falava nenhuma outra língua além do alemão que, como até as pedras sabem, é um idioma que se fala exclusivamente na Alemanha e Áustria. E que estava numa baita roubada.

Esta é uma Ural 500cc feita a Rússia, cópia da BMW. Ainda existem muitas rodando até hoje. 

Empurramos até um posto de gasolina e ajudei a explicar aos frentistas que ele só precisava de um lugar coberto porque já tinha as ferramentas e conhecimento para resolver qualquer problema da moto. Traduzi tudo que deu pra entender e fui tomar um sorvete com a sensação de que o meu dia já estava recompensado para quem nem sequer queria sair do quarto.

Mas o vazio de viajar sozinho permanecia.

Na manhã seguinte remarquei minha volta pro Brasil e encerrei minhas férias com uma semana de antecedência. Foi neste momento que decidi parar de viajar sozinho. Quando se viaja sozinho é preciso estar disposto a falar com todo mundo, principalmente com o “baixo clero”, pessoas que estão nos servindo: camareiras, balconistas, motoristas, comerciantes, caixas de supermercado, cobradores de ônibus etc porque eu tenho uma timidez seletiva e não consigo falar com pessoas desconhecidas de "alta patente".

Na verdade eu preciso de alguém não só pra conversar e dividir a felicidade, mas para decidir por mim. Tomar decisões me deixava doente.

O xixi tá fraquinho? corre pro urologista!

Qual vai ser?

Muitos anos depois estava sentado diante do chefe da cadeira de Urologia da Universidade do Grande ABC para decidir qual procedimento adotar diante do diagnóstico de câncer de próstata. Ele me recebeu com toda atenção e gentileza que faltaram aos médicos do SUS.

Com papel e caneta este médico desenhou a anatomia da próstata, explicou pra que servia e deu uma aula que nunca mais vou esquecer. Olhou meus exames, trocou informações com outros dois médicos residentes e pediu para fazer o exame de toque. Sem problema fazer este exame. Ninguém fica mais ou menos homem se passar por isso, mas pode salvar a vida, como salvou a minha.

O residente confirmou a hiperplasia e então o chefe me apresentou as três opções:

1) Como ainda estava muito embrionário eu poderia deixar assim mesmo, fazer exames de PSA a cada seis meses e, se constatar um aumento considerável nos números, decidir pelos próximos dois procedimentos. Porém, a preocupação era o câncer entrar pela corrente sanguínea e se espalhar, causando a metástase, palavra que me arrepiou os pelos do toba.

2) Tratamento com bombardeio de radiação. A radioterapia atinge a próstata e a resseca como uma uva passa ou um maracujá de gaveta. Não é invasivo, não demanda pós operatório, porém (sempre tem um porém) as sequelas são as mesmas da cirurgia aberta, com a possibilidade de o câncer voltar porque a próstata ainda ficaria ali, encolhidinha no meu corpo.

Fundação do Câncer inicia área de Educação com a formação de profissionais  em radioterapia - Fundação do Câncer

Radioterapia: deita aí, não se mexe que vamos te bombardear!

3) Cirurgia aberta. O médico me abre, fuça lá dentro, retira a próstata e o tumor, me costura, me enche de drenos e sondas e eu fico no hospital por uma semana até receber alta. As sequelas são as já conhecidas incontinência urinária e disfunção erétil. Porém (e este porém é bom) eu ficaria livre de qualquer probabilidade de reincidência do câncer. Por garantia ainda ficaria cinco anos fazendo PSA para só então receber alta.

O clima na sala estava absolutamente calmo. Nada se mexia. Eram três médicos esperando qual decisão eu tomaria. E nem fazia ideia por onde começar até que o chefe percebeu minha cara de desespero e explicou:

– Não precisa decidir nada agora. Vai pra casa, conversa com sua esposa. Saiba que você não poderá mais ter filhos.

– Mas eu já não podia, doutor, fiz vasectomia há mais de 25 anos!

– Mas ainda poderia ter filho por inseminação, se quisesse...

– Pelo amor de Deus, não diga isso para a minha mulher! Que fique só entre nós, ela pensava que eu não podia mais ter filhos...

Foi o único momento menos sisudo da conversa, até que eu perguntei:

– Doutor, se você estivesse sentado aqui no meu lugar, qual procedimento escolheria?

Sem a menor hesitação, ele respondeu:

– A cirurgia!

– Então é esta que vai ser. Não preciso conversar com mais ninguém, o senhor é o terceiro médico que me indica a cirurgia, que assim seja então.

Pela primeira vez tomei uma decisão que se mostraria acertada, sozinho e sem a menor dúvida. A vida decidiu por mim. Já saí da consulta convencido a operar, mas as palavras incontinência urinária e impotência ainda reverberavam forte na minha mente. Até que confessei pro médico:

– Sabe, doutor, a minha maior preocupação não é a impotência sexual, mas a incontinência urinária. O sexo a partir dos 55 anos nem é tão frequente assim, mas fazer xixi na cama é um pesadelo que não gostaria de viver.

Ele até esboçou um sorriso, mas me acalmou:

– Olha, você é jovem. Hoje em dia temos remédios para a disfunção erétil que devolvem a atividade sexual. E a incontinência urinária pode ser controlada com fisioterapia. 

Em resumo: Viagra ou Cialis + exercícios físicos. Hum, nada mal, pena que não foi tão simples assim...

Saí do hospital sozinho, abatido, desesperançoso, apavorado, com minha cabeça a 1.000 por hora e começou um processo de desconstrução do Tite que levaria muito anos para passar.

*Os nomes foram alterados para proteger a identidade das pessoas envolvidas.

Para ler a parte 1 clique AQUI.

Para ler a parte 2 clique AQUI

(continua)

 

Prostatite 4: você tem medo de quê?

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Ficar pendurado a 90 metros do chão dá medo?* (Foto: Leandro Montoya)

Quando foi a última vez que você sentiu medo?

O medo é um mistério que filósofos, escritores e poetas já tentaram definir desde que o mundo existe. Como explicar medo e coragem de forma racional? Já tentei algumas vezes em textos intermináveis e modorrentos, mas a melhor explicação vi na série Agente 86. Quando capturado pelos agentes da Kaos, o agente Maxwell Smart, mesmo amarrado, diante dos algozes afirma:

– Sou um agente treinado para resistir todo tipo de tortura e desconheço o significado da palavra medo!

Até que entra o carrasco cheio de aparelhos de tortura e o agente explica:

– Medo significa sensação de ansiedade diante do perigo!

Foi a melhor forma de explicar para as pessoas o que é medo. Poderia substituir por “sensação de ansiedade diante do desconhecido”. Porque nem sempre o medo é reflexo de algum perigo, mas certamente é de algo que não conhecemos, ou não sabemos como vai terminar.

Por mais de 40 anos pratiquei várias atividades que podem matar uma pessoa: corrida de moto (em diferentes modalidades), ciclismo de down hill, escalada e até velejar num barquinho monocasco de 12 pés em plena tempestade no meio do canal de Ilhabela. Fora os anos pilotando moto nas ruas e estradas, aprontando tudo que um adolescente irresponsável poderia fazer. Se minha mãe soubesse metade do que eu fazia perderia o sono pro resto da vida.

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Medo de andar grudado no meio dos pilotos? Não, eu sou o 14! 

Mas especialmente nas corridas de motovelocidade o que mais ouvia era a mesma pergunta:

– Você não tem medo?

Para surpresa do perguntador, que invariavelmente esperava uma resposta do tipo “claro que não”, eu surpreendia com a sinceridade:

– Lógico, eu sou humano, sinto medo como qualquer ser vivo com sistema nervoso central!

Qualquer piloto de corrida, de qualquer modalidade, sente medo. Só existem dois tipos de pessoas que não sentem medo: o louco e o mentiroso. O louco dura pouco nas atividades de alto risco. Mentiroso está cheio. A diferença é que nas pistas os pilotos controlam o medo, porque, ao contrário do que se pensa, tudo é milimetricamente calculado.

É graças ao medo que checamos e conferimos tudo várias vezes antes de entrar na pista. Não dá medo fazer uma curva a 200 km/h com outro piloto colado a poucos centímetros porque os dois se conhecem e sabem muito bem o que o outro vai fazer.

Enquanto há controle o medo fica guardado em algum canto. Mas basta perder o controle para o medo aflorar como um chafariz e inundar nossa corrente sanguínea de adrenalina. Cair de moto a 200 km/h dá muito medo porque demora pra acabar. Durante todo o tempo que o piloto está voando, ralando, esfregando e espetando pelo asfalto como um pino de boliche passa uma eternidade com a mesma dúvida: “como isso vai terminar?”.

Uma vez caí a 200 km/h em Interlagos e enquanto meu corpo deslizava pelo asfalto em direção ao guard-rail eu só pensava “putz, acho que vou me arrebentar todo”. Felizmente só tive uma mínima escoriação no dedinho da mão direita.

Em outra situação, escalando a Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí, caí cerca de 12 metros numa situação inesperada, porque o pedaço de pedra que estava me segurando soltou-se e eu voei de costas, olhando a rocha de afastando e esperando pela pancada fatal. Neste momento eu pensava “putz que sacanagem, vou morrer aqui, dar trabalho para os meus amigos, minha mãe vai sofrer um monte, que merda!”. Como você pode ver, não morri, me ralei muito mais do que naquele tombo de moto e quebrei um dente. Mas o medo que senti foi tão forte que fiquei anos sem voltar a escalar.

Sexo, como é que eu fico sem sexo?

Depois da consulta na qual ficou definido pela cirurgia, voltei pra casa de novo no modo automático. Expliquei pra Maria as três opções e ela não titubeou um décimo de segundo ao sugerir a cirurgia. Muitos anos depois, ela revelou que temia pela minha vida, porque não sabia a extensão do câncer, mas sofreu calada, algo que hoje lamentamos muito. Mas naquele dia – e em todos os outros – ela não demonstrou este medo. Justamente para não colocar mais pressão sobre mim.

Certamente o médico que me atendeu conversou com meu irmão que me ligou no dia seguinte para ir no hospital conhecer o centro cirúrgico. Experiente e sensível, meu irmão achou que isto me acalmaria. A ideia era apresentar as pessoas que cuidariam de mim antes, durante e depois da cirurgia. Achei a ideia muito boa e fui.

O complexo hospitalar incluía maternidade, pronto-socorro, todas as especialidades e meu irmão era (e ainda é) responsável pela UTI. Ele me equipou com as roupas especiais e levou pra conhecer as alas do hospital por onde eu passaria, incluindo a UTI, caso tivesse necessidade. Apresentou médicos, enfermeiras, assistentes, anestesistas a galera toda. Todos extremamente amáveis, atenciosos e procurando levantar o astral.

Quando entramos no elevador estava lotado de enfermeiras. Meu irmão, gaiato por natureza, não sei se por sacanagem ou não, perguntou para uma delas sobre o pai, que tinha passado pela mesma cirurgia de prostatectomia radical. Ela comentou:

– Ele está bem de saúde, mas meio abatido porque mexe muito com a cabeça.

E meu irmão, na gaiatice de sempre, comentou:

– Sim mexe com as DUAS cabeças!

Todas riram e concordaram. Uma delas seria a enfermeira que cuidou de mim depois da cirurgia. Na hora morri de vergonha.

Quando saímos comentei:

– Pow, você queria me acalmar ou me deixar mais nervoso? Estou prestes a ficar impotente e você toca no assunto num elevador cheio de enfermeiras!

– Relaxa, existem outras formas de prazer!

Este é meu irmão!

Minha irmã, que trabalha no mesmo hospital, foi um pouco mais, digamos, profissional, e me acalmou dizendo que daria tudo certo e que eu seria operado pelo professor de urologia.

Mas não foi tão simples assim. Entre o dia do diagnóstico e a cirurgia passaram-se meses. Não sei dizer quanto, fiquei mais de seis meses enrolando, sempre inventando uma desculpa quando a assistente social me ligava para marcar o dia da cirurgia. Primeiro eu dizia que não podia parar naquele período porque a minha empresa precisava de mim presencialmente. Depois inventei que estava com todo tipo de infecção, depois eram as viagens a trabalho e assim fui criando todo tipo de história pra adiar, quando no fundo, no fundo estava era morrendo de medo.

Não da cirurgia, porque eu já tinha sido operado antes, convivi com médicos na família por quase toda a vida e trabalhei em hospital. De cirurgia eu entendia muito, conhecia os riscos e dificuldades, nunca me preocupei. O medo era do que viria depois. Não clinicamente, mas psicologicamente e fisiologicamente, principalmente a palavra que não saída da minha cabeça: impotência!

O sexo começou cedo na minha vida. Muito mais cedo do que o normal. Mais precisamente aos nove anos de idade. Isso mesmo que você leu: 9 anos. Não é fácil falar e escrever sobre o tema, só consegui me abrir agora, em 2023, graças à terapia. Minha iniciação sexual se deu por meio de abuso. Por uma auxiliar da minha escola. Era uma moça de uns 16 anos, bem bonita, de pele muito macia cor de canela, cabelos bem pretos e longos, que colocava a mão por dentro da minha calça, me deixava excitado e me masturbava no ônibus escolar.

A primeira vez que tive aquela sensação de explosão meu corpo todo parecia eletrizado. Era um arrepio bom, seguido de uma felicidade inexplicável e saía um líquido do meu pinto. Eu queria e precisava daquilo todo dia. E passaria o resto da vida em busca dessa sensação, de forma doentia, desequilibrada e que responsável por grandes destruições na minha vida.

Aí eu pergunto: você tem medo de quê? Eu, aos 58 anos, tinha medo de passar o resto da vida sem sexo. Como diz Roger, do Ultraje a Rigor, “Sexo, como é que eu fico sem sexo???”

* Esta foto é uma ilusão, na verdade estou a menos de 1,5 metro do chão, mas parece que está alto! Eu jamais escalaria sem corda!

(Continua...)

Para ler a parte 3 clique AQUI

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Prostatite 5: Sex and the Tite

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Casamento na praia: se vacilar a onda leva!

A dura sentença da moleza

Por mais que o paciente seja orientado, explicado, esclarecido não há palavra que joga mais pressão no homem do que impotência. Não só sexual, mas de qualquer natureza. Uma das frases mais ouvidos por vítimas de assalto ou qualquer violência é sempre “a sensação de impotência” diante dos algozes. É uma resignação que atravessa o ser humano e fere mortalmente o resto de dignidade.

Todo preconceito em cima do câncer de próstata vem daí. Os homens temem que a cirurgia vá lhes tirar o prazer sexual. O seu e o da sua parceira (ou parceiro). Por isso alguns preferem o caminho sem volta da metástase.

O sexo tem um peso enorme em nossas vidas. Crescei e multiplicai. Tá na Bíblia. Mas pode crescer sem multiplicar também, não é pecado. Como revelei no capítulo passado, minha vida sexual começou cedo por meio de abuso. O que eu pensava quando tinha nove anos se confirmou agora, quando o texto foi publicado. Duas pessoas (homens) comentaram que eu fui sortudo ao ser iniciado por uma adolescente. Fico pensando se fosse a filha deles, será que chamariam também de “sorte”?

O tema abuso sexual remete normalmente a um abusador homem contra meninas e meninos. Raramente se vê casos de abuso por parte de mulheres, contra meninos. Além disso, mulher seduzir uma criança é mais socialmente aceito do que o contrário. Ficou famosa a cena da Xuxa seduzindo um menino em um filme de Walter Hugo Cury. Se fosse o contrário, o Antônio Fagundes seduzindo uma menina, o mundo viria abaixo.

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Na sociedade machista tudo bem mulher abusar de menino.

Mas na minha infância, nos anos 1960, o abuso sexual era um tema quase desconhecido.

Naquela época eu não tinha a quem relatar, até porque gostava e não queria que parasse. Se eu contasse poderia passar por mentiroso ou, pior, por maricas, porque estaria revelando ao mundo que não estava gostando de uma mulher me proporcionando prazer. Seria um atestado de viadagem. E se eu contasse pro meu pai corria o risco de ele querer pegar a auxiliar. Pegar no sentido sexual mesmo.

Era comum os pais levarem os filhos pra zona para “virarem homens”. Foi assim que meninos de 14, 15 anos tiveram a primeira relação sexual com uma prostitua, enquanto o pai ficava esperando, bebendo, na sala do puteiro, orgulhoso de seu filho varão comedor. Duvido que mães fariam isso com suas filhas. Felizmente não passei por isso. Eu tinha a minha “professora” particular.

Este abuso não durou muito, a menina sumiu da escola, mas deixou tatuada na minha personalidade uma doença que viria a descobrir o diagnóstico muitos anos depois. Eu precisava daquela sensação de prazer tanto quanto o ar que respiro. Nesta idade comecei a desenvolver uma compulsão por sexo que causaria estragos enormes na minha vida por décadas. E foi assim que me tornei sexoholic ou, se preferir o termo em português, viciado em sexo.

Agora, aos 58 anos, diante da possibilidade de ficar impotente, como eu ficaria sem sexo? Como diria Roger, do Ultraje a Rigor, “como é que fico sem sexo???”

Esse fantasma da impotência me fez adiar por meses a cirurgia, até que não deu mais. Mas Maria só me pediu para esperar até o casamento de um grande amigo nosso, que seria na praia, com uma festa esperada há meses. Ela adora festas de casamento e eu, egoísta, raramente ia porque não sou muito chegado a festas, principalmente de casamento. Mas a exceção foi este casamento à beira mar.

Foi realmente muito bem produzido. O local, os noivos, os eventos paralelos, os convidados tudo estava em sintonia. Eu olhava os casais e meu coração apertava sempre que lembrava que a qualquer momento meu telefone iria tocar e do outro lado da linha alguém falaria: “Sr. Geraldo, sua internação está marcada para amanhã”.

Minha mão suava sempre que pensava nisso. Olhava o oceano e pensava: “e se eu simplesmente saísse nadando até esgotar minha força, afundar e terminar com tudo isso?”. Dizem que a morte por afogamento é tranquilizadora. Viemos do meio líquido e afogar-se é o revés do nascimento, no mesmo meio líquido.

E se...

Não sei as estatísticas oficiais, mas é grande o número de suicídios em pacientes pós prostatectomia radical. Aliás, em pacientes com qualquer tipo de câncer. A depressão que se segue à cirurgia afeta a todos os pacientes, mas cada um reage à sua maneira de acordo com a idade e história de vida. Nada diferente de qualquer outra doença grave.

Lembro perfeitamente de quase todos os momentos daquele fim de semana do casamento na praia. Vaidosa e linda, Maria era a pura expressão da beleza. Olhar pra ela me acalmava e preocupava: o que seria dela depois da cirurgia? Como seríamos um casal sem relação sexual completa?

A todos os homens que passarem por essa situação só tenho uma coisa a pedir: não encarem isso sozinhos. Fui ingênuo em acreditar que poderia “dar conta”. Besteira! Desde o momento do diagnóstico procure ajuda terapêutica e, se for o caso, converse muito com quem estiver ao seu lado.

Minha postura foi esconder de todo mundo. Deixei pra falar para as minhas filhas quando já estava quase chegando a hora da cirurgia. Apenas poucos amigos ficaram sabendo e todos concordaram com a cirurgia. Permiti que somente dois fossem me visitar no hospital. Não queria abrir pro mundo que estava indo para uma castração moral e sexual.

A hora da faca

O casamento foi no sábado. Domingo amanheceu nublado e fomos com mais um casal passear pela praia. Levei meu celular e quando estávamos sentados nas pedras o aparelho tocou. Gelei. Era o médico anunciando a minha internação. Não tinha mais desculpas pra adiar a cirurgia. Tive a sensação de um condenado à morte que recebe a visita do padre para a última confissão.

Virei pra todos, dei a notícia e o mundo parou naquele momento. Não se ouvia nada além do vai-vem das ondas do mar. Tive uma enorme vontade de chorar e não conseguia olhar pra ninguém. A partir deste momento tudo foi mecânico e cinza como o dia. Não se falava. O passeio virou um silencioso cortejo até a pousada para arrumar as malas e voltar pra São Paulo. Eu seria internado na segunda-feira para o pré-operatório e seria operado na terça-feira. Nunca foi tão difícil e distante voltar pra casa.

Chegou a segunda-feira e com ela o caminho para o hospital. Pedi um carro de aplicativo e fomos no banco de trás, Maria e eu, quase em silêncio. Para quebrar o gelo ela conversava sobre eleição com o motorista. Estava nublado, mas lembro quase nada desse dia. Até que algo muito misterioso aconteceu, que só posso creditar ao Divino. Recebi a ligação de um velho amigo que raramente me ligava. Minha primeira reação foi inventar uma mentira qualquer, mas por alguma razão misteriosa decidi falar a verdade:

– Oi Jean, boa tarde, estou indo retirar um câncer de próstata!

Pra minha total surpresa ele tinha passado por um câncer de intestino que quase o matou. Só que não fiquei sabendo na época. Durante quase todo o percurso ele contou a história e foi me acalmando. Até hoje sinto que aquela ligação não foi casual. Porque deu certo e eu cheguei no hospital bem mais calmo do que poderia imaginar.

Passada toda a burocracia, me colocaram num quarto e – outra coincidência: quando cheguei dei de cara com um amigo que estava se preparando para uma cirurgia bariátrica! Duas coincidências no mesmo dia era demais. Ele foi para a cirurgia e ficamos com o quarto só pra nós. A noite veio. O dia seguinte iria chegar. E eu estaria nele para mudar minha vida para sempre.

(Continua...)

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Prostatite parte 6: a hora da faca

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Ponte dei Sospiri em Veneza, último suspiro de uma pessoa livre.

Nem tudo é tão ruim quanto parece, pode ser pior...

Um homem com dificuldades de ereção procurou um urologista. Por ser jovem, solteiro e muito reservado, o paciente pediu ao médico sigilo absoluto, algo até normal e contumaz nestas condições. Ao que o médico concordou e tranquilizou por ser o sigilo parte da liturgia do cargo. Depois de examinar, o médico receitou um remédio de uso diário. “Mas tem de tomar todo dia no mesmo horário, não pode esquecer!”, advertiu o doutor.

– Mas Doutor, eu tenho TDAH, às vezes eu esqueço até de vestir a cueca! Como vou lembrar?

– Faz assim: compra um caderno ou caderneta, deixa na sua mesa de café da manhã e todo dia que tomar o remédio você anota a data e a hora.

E assim o paciente saiu e entrou na primeira papelaria que viu. Ao chegar, dirigiu-se à atendente e, de forma muito silenciosa e discreta, pediu um caderno de 100 folhas. A moça perguntou:

– É brochura?

E o jovem, furioso, bateu o punho no balcão e gritou:

– Mas que médico fofoqueiro, filhodaputa!!!

Isto é uma piada – não diga – mas ilustra duas coisas: a minha dificuldade de levar a vida e meus problemas a sério e a disfunção erétil, eufemismo para brochada!

A disfunção erétil é um fantasma que assombra todos os homens, mesmo aqueles que afirmam peremptoriamente que nunca brocharam. Mentira. Isso acontece com qualquer um e se não aconteceu ainda se prepare, porque vai acontecer! A remoção da próstat aumenta esse fantasma e impede muitos homens de fazer a cirurgia. Mas posso tranquilizar todo mundo. Demorei cinco anos para descobrir, mas a fisioterapia tem o poder de recuperar não só a função erétil, como também a auto estima e a vontade de viver. Vou ter de dar spoiler, mas hoje minha vida sexual é exatamente a mesma de antes da cirurgia, ou seja, ás vezes funciona, outras não!

Antes da cirurgia brochei muitas vezes, sem nenhum constrangimento. Mesmo quando era jovem. Porque no mundo existem dois tipos de pessoas: as que precisam transar para amar e as que precisam amar para transar. Eu faço parte do segundo time. Por isso sempre tive muita dificuldade para transar com garotas de programa, porque eu queria conhecer, saber a vida dela, onde nasceu, como foi a infância e ela só queria meu dinheiro e cair fora dali.

Também era muito raro conhecer alguém e transar na mesma noite. Eu gostava – e ainda gosto – de me envolver, criar laços, passar a noite junto. Simplesmente deitar e transar com uma desconhecida é muito estranho pra mim. Pode ser caretice, cabacice, o nome que quiser dar, mas sou assim e não posso fazer nada.

Claro que já consegui transar com estranha, mas foram tão poucas vezes que dá pra contar nos dedos de uma mão e tive de criar uma história na minha cabeça, como se fosse alguém que conheci há muito tempo e viver uma paixão explosiva. Mas isso me permitiu conhecer várias histórias curiosas de garotas de programa. A cena era meio ridícula: eu, sentado pelado na cama, conversando com uma estranha pelada por 45 minutos até terminar de virar o taxímetro de uma hora.

– E aí? Como foi sua infância?

Eu começava a falar e virávamos amigos. Uma vez em Belém (PA) uma GP bem bonita quis ser minha namorada, depois de uma noite inteira no meu quarto conversando e bebendo sem transar. Tomamos café da manhã juntos no hotel e na despedida ela chorou!!! 

Outra vez comecei a perguntar e a GP, irritada me interpelou:

– Mas que azar, peguei um psicólogo! Moço, eu só quero transar; terapia eu faço no boteco com as amigas!

Como sempre eu levava tudo no bom humor. Depois de uma brochada não tem como sair da situação constrangedora sem apelar pro humor.

 
Broxar ou brochar é um fantasma que assombra todos os homens, mas não é sinal de falta de macheza.

Desde criança eu sempre fui bem humorado e o “palhaço” da família. Felizmente nasci numa família na qual as pessoas riem de tudo e de todos o tempo todo. Quando a psicóloga me perguntou uma vez se alguém da minha família sofria de alguma doença mental, eu respondi:

– Ninguém sofre, todo mundo se diverte com elas.

O bom humor era a marca registrada da minha família do lado italiano. Não que o lado português não se divertisse. Minha vó portuguesa (da linda cidade Figueira da Foz) adorava quando eu contava piada de português. Pena que ela não entendia a maioria, mas ria de chacoalhar o corpo todo.

Quando eu visitava minhas tias no interior, elas me colocavam no meio da sala e falavam:

– Vai, começa!

E eu perguntava:

– Começa o quê, tia?

– Começa a falar aquelas coisas engraçadas que você fala!

E eu desandava a contar piadas, uma atrás da outra, até elas literalmente chorarem de rir.

Minha sogra alemã dizia: Du ziehst alles durch den Cacau! que significa que eu “puxava tudo pelo cacau”, expressão alemã usada para pessoas que ironizam tudo.

Sempre fui assim. Mesmo nas situações mais difíceis, doloridas e estranhas eu consigo achar uma forma de tornar mais leve puxando pelo humor. A palavra humor vem do latim húmus, que significa adubo. É isso que o humor faz, ele aduba a vida para que seja mais produtiva.

Por isso, quando a enfermeira foi me buscar no quarto para levar ao centro cirúrgico remover um câncer de próstata eu comentei:

– Pronto, eu já era adestrado, vacinado, vermifugado, só faltava ser castrado.

Ela riu e continuou empurrando a maca.

Ao sair do quarto vi a Maria, silenciosa, taciturna, sem falar nada, naquele silêncio que diz muito. Dezoito anos de união com esta mulher tão linda que às vezes eu olhava pra ela e me perguntava o que fiz para merecê-la? Mas tive poucas conversas sérias antes e depois da cirurgia. E este silêncio foi um grande muro que viria a nos separar.

Escuro e silencioso

No caminho para o centro cirúrgico meu coração foi ao limiar. Podia sentir o batimento em todo o corpo. Em Veneza existe a Ponte dei Sospiri, que é a ponte murada e fechada entre dois edifícios, que levava os condenados à prisão e possível execução na época da Idade Média. Tem esse nome porque, segundo dizem, era a última visão que os condenados tinham antes de entrarem no escuro infinito da prisão e olhavam apenas por uma pequena e gradeada janela. Eu estive nessa ponte e pude imaginar o que eles passavam, porque a vista do lado de fora é magnífica.

A passagem pela porta do quarto, olhar para a Maria e seguir pelo corredor foi a minha Ponte dei Sospiri. Não tinha mais volta e só Deus sabia o que viria algumas horas depois daquela anestesia fazer efeito.

Só quem foi anestesiado sabe o que é dormir sem sonhar. A anestesia nos joga num poço escuro e silencioso, sem imagens nem sons. Uma escuridão que só termina quando abrimos o olho sem a menor ideia de onde estamos. Foi assim que acordei, depois de cinco horas de cirurgia, com a boca seca, o cérebro confuso, ouvindo as vozes das minhas filhas e da Maria.

­– Preciso de água! Foi só o consegui dizer. Minha garganta estava em chamas. Mas elas precisavam autorização da enfermeira para me dar a garrafa ao lado.

Senti dor no abdome, olhei pra baixo e vi um cano saindo do meu corpo. Ainda grogue vi outro cano saindo do meu pinto. “Mas que porra, pensei, isso foi uma cirurgia ou virei um sistema hidráulico?”.

Minha cirurgia foi aberta, demorou muito mais do que o previsto, perdi tanto sangue que fiquei com anemia, mas foi um sucesso absoluto. Por conta da perda de sangue precisei ficar mais tempo do que o normal, que é de uma semana. Acabei ficando internado mais de duas semanas.

Por influência dos meus irmãos fui tratado que nem celebridade. As enfermeiras super atenciosas, o tempo todo passavam para conferir a sonda e o dreno. Minha maior dificuldade no pós-operatório foi fazer cocô. Porque fiquei ressecado e pra fazer força doía toda região e fiquei com medo de estourar os pontos. A solução foi um laxante. Poderoso. Nunca pensei que coubesse tanta merda dentro de um ser humano de 70 kg. Azar do encanamento do hospital!

Nunca consegui usar aquela bacia chamada de “comadre”. Quem batizou aquilo errou feio, dever-se-ia chamar “cunhado”, porque é inconveniente pra caramba! Não tem como fazer força deitado e isso complicou mais meu quadro porque sentado no vaso parecia que meu abdome iria abrir que nem uma roupa com fecho por velcro.

O período de internação foi uma espécie de calvário. Nestas horas eu tento pensar sempre da mesma forma: “pior não pode ficar, daqui pra frente só pode melhorar”. Quanta ingenuidade!

Sou aquela pessoa que gosta de comida de hospital. Sério! Não sei se foram os quatro anos estudando em colégio semi-interno, mas gosto de bandeijões e PFs em geral. Quando visito fábricas fico ansioso esperando a hora do bandejão. E no hospital tinha PF todo dia. Comida de hospital é rigorosamente balanceada, equilibrada, elaborada por nutricionistas porque tem de levar pouco sal, quase sem tempero, levemente insossa, nada diferente de quando eu cozinho.

Recebi as visitas das minhas filhas, da Maria e de apenas dois amigos que eu autorizei, porque meu quadro era muito constrangedor. Só o meu sócio-irmão Ronaldo e meu amigo inseparável Edu Minhoca. Eles foram os únicos que acompanharam o antes e depois do câncer. Além, claro dos meus irmãos que apareciam.

Por várias vezes anunciaram minha alta, mas era adiada, porque minhas taxas estavam baixas. Houve uma quase trombose no minha bolsa escrotal (aka, saco), que ficou do tamanho de um sapo cururu. Tamanho e forma. Só faltava coachar.

Era acúmulo de líquidos e uma enfermeira teve de fazer uma espécie de sutiã para eu poder andar pelo corredor sem aquela coisa enorme pendurada no meio das pernas.

De vez em quando eu ia até a janela e ficava olhando as pessoas circulando pelo estacionamento e pelas calçadas. Eu chamava elas de “pessoas livres”. Nestas horas lembrava de novo da Ponte dei Sospiri, em Veneza. Só podia olhar e suspirar.

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Minha filha Nina flagrou o momento que fui pra janela do hospital olhar as pessoas livres na calçada.

Alta, enfim

Minha alta era sempre adiada porque ainda saía muita meleca pelo dreno. Pense numa coisa nojenta. Suco de Tite saindo por um tubo e depositado numa bolsa. Parecia aquele líquido que fica na base dos churrascos gregos do centro de São Paulo. Gordura com sangue e secreções nojentas, ecah.

Cheguei a arrumar minha mala pra ir embora várias vezes. Mas o urologista voltava com a cara de sério e adiava a alta. Sabe qual a pior sensação do mundo? A resignação, aquela sensação de não poder fazer nada para mudar e aceitar tudo que lhe é imposto. Era isso que sentia a cada adiamento da alta.

Até que veio a hora de sair. Tudo acertado. Exames feitos. Só precisava retirar o dreno. Coisa à toa. Basta puxar esse caninho aqui e cicatriza sozinho. Nem precisava pontos.

Veio a enfermeira e disse:

– Você vai sentir um desconforto, mas é rápido.

E zum! puxou o cano! Eu gritei, fui parar no teto, voltei e berrei:

– Desconforto? desconforto eu sinto em pé num ônibus lotado, isso doeu pra caraaalho!!!

Ela nem ligou e meteu o curativo, me dispensou, mas a sonda continuaria ali no meu pinto por mais uns 15 dias. Coisinha estranha essa de fazer xixi por um tubinho.

Neste dia começaria o mais longo e difícil pós-operatório que duraria cinco anos!

(Continua...)

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Prostatite parte 7: Começar de novo

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Não espere a doenca:  exercício para assoalho pélvico pode ser feito agora.

O pós-operatório mais longo da História

Vivemos a era da informação. Lembro do dia que vi um site de internet pela primeira vez. Aquilo me deixou tão impressionado que saí contando pra todo mundo que em breve teríamos todo conhecimento do mundo ao alcance de um clic do mouse. Quanta ingenuidade! Hoje o que mais se vê na internet são dancinhas no TikTok!

Minha sede por conhecimento vem de longe. Muito longe...

Meus pais sempre incentivaram a leitura. Eles compravam muitos livros e meu pai adorava enciclopédias. Tínhamos todas: Barsa, Conhecer, Delta Larousse e, claro, Enciclopédia Britânica. Passava horas lendo tudo aquilo e maravilhado com as ilustrações em bico de pena.

Depois, no antigo ginásio, fui matriculado em regime de semi-internato. Entrava na escola de manhã e só saía no final da tarde. Foi isso que me deixou viciado em bandejão! Quando visito alguma fábrica minha primeira pergunta é: “posso almoçar no refeitório?”. Adoro bandejão de fábrica.

Mas o regime semi-interno exigia que praticássemos esporte. Naqueles anos 1960/70 “esporte” era sinônimo de futebol. Os meninos jogavam futebol e as meninas vôlei. Só que eu não gostava de jogar futebol, nem de vôlei. Na verdade até gostava, mas não sabia – e nem sei até hoje – e eu era sempre o último a ser escolhido pelos times, que invariavelmente me colocavam no gol. Péssimo goleiro, por sinal.

Total e completamente desiludido eu acabava inventando desculpas pra não jogar. Até que um dia a diretora da escola me chamou e disse que eu teria de fazer alguma atividade. Não podia simplesmente passar aquele período vespertino sem fazer nada. Sem menor aptidão para esportes, ela sugeriu ajudar na biblioteca. Bendita decisão.

Fui ajudar na biblioteca e vivia cercado de livros. Mais do que livros chatos e modorrentos, descobri histórias em quadrinhos do Tintin e Asterix, que releio até hoje. Além dos livros sobre países, como Itália, Espanha, Portugal, que acendeu dentro de mim a chama do viajante. Tanto que meu sonho de infância era ser motorista de caminhão!

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Asterix e sua turma: meu gibi favorito desde sempre.

Mas por que estou contando isso? Porque ao descobrir que teria de retirar a próstata fui pesquisar tudo sobre as consequências da prostatectomia radical. Encontrei dezenas de artigos – um deles assinado pelo médico que me operou – que focava basicamente na disfunção erétil, quase nada sobre a incontinência urinária.

E a disfunção erétil só tinha um remédio: os tradicionais Tadalafina (aka Cialis) 5mg diariamente e o Citrato de Sildenafila (aka Viagra) 25mg uma hora antes de transar. Só isso.

Xixi na cama

De volta pra casa, depois de tirar o dreno, ainda estava com a sonda para urina. Ter um cano saindo pelo pinto é algo que não desejo pra ninguém. Mas tem todo tipo de situações que levam à sonda, desde cirurgias, por tempo determinado, mas até eternas, como o caso de paraplegia.

Uma cena que me marcou muito no filme “Nascido em 4 de Julho” foi quando o personagem de Tom Cruise, tenta fazer amor com uma garota de programa mexicana e chora copiosamente ao perceber que não nunca mais vai conseguir. Em outra cena, na cadeira de rodas, puxa o cano da sonda, mostra pra mãe e fala “este é meu pênis agora, é isto que ele virou!”. Não lembro se foi exatamente essa frase, mas me causou muita insônia imaginar a possibilidade de perder os movimentos e controles fisiológicos a ponto de viver eternamente com sondas.

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No filme Nascido em 4 de Julho o drama de um soldado que perdeu os movimentos.

Nas primeiras noites com sonda eu ainda dormia na suíte, na mesma cama com minha mulher. Nem percebia a presença da sonda porque eu dormia que nem um pedra cansada, com a enorme vantagem de fazer xixi à vontade sem precisar nem sequer acender a luz do abajur.

Lembrei do meu pai, depois que ele fez a cirurgia de próstata, andando pra todo lado carregando a sonda “disfarçada” dentro de uma sacola de compras. Dei de cara com essa cena na rua, chegando na casa dele e falei:

– Pai, que horror, fica em casa, pode pegar uma infecção, sem falar na falta de higiene!

Ele olhou pra sacola e nem deu bola. Pra ele ninguém percebia o caninho saindo pela calça e entrando numa sacola!

Procurei ficar em casa, esvaziando aquela bolsa cheia de xixi, olhando praquele canudo com um profundo sentimento de resignação, mas ciente de que era temporário. Minha maior preocupação era vazar ou transbordar.

Até que chegou o dia de retirar a sonda. Minha filha mais nova foi comigo. Na sala de espera vi outros homens andando pra lá e pra cá carregando aquela sacolinha tentando disfarçar, sem sucesso, uma sonda cheia de xixi. Mas o tubinho saindo por dentro da calça, pela braguilha, denunciava o verdadeiro conteúdo da sacola. Ainda não inventaram sonda wireless.

A enfermeira finalmente me chamou e veio com a mesma conversa de “vai sentir um desconforto”. Já me preparei para o pior. Só que foi bem pior. Eu não imaginava que a sonda entrava tão fundo no corpo. Quando a enfermeira começou a puxar senti como se minhas entranhas estivessem saindo pela uretra. Aliás o cano passando pela uretra parecia um bastão de fogo.

– Desconforto coisa nenhuma, doeu pra caramba! Repeti a mesma frase de quando retiraram o dreno.

Uma vez retirada a sonda tive de ingerir muita água para fazer xixi, ainda no ambulatório, e conferir se estava tudo OK. Muitos copos d’água depois finalmente fiz o desejado xixi e correu tudo bem. É importante que o paciente tenha controle do esfíncter e travar o xixi depois de aliviar. Achei que meus problemas tinham acabado.

Por segurança a enfermeira sugeriu que eu usasse fralda geriátrica nos primeiros dias porque haveria o risco de incontinência urinária. “Besteira, pensei, consegui liberar e travar o xixi de boas. Dá tempo de chegar em casa”. Santa inocência. Mesmo assim a enfermeira me obrigou a usar pelo menos um absorvente íntimo “para evitar gotejamentos”.

Feliz por conseguir fechar a torneirinha do xixi fomos chamar um carro de App. Assim que entrei no carro senti um leve escape de urina. Virei pra Luna e falei: “Acho melhor esse motorista correr”.

Além de não correr, o desgraçado ainda fez um caminho cheio de semáforos. Cada buraco que ele passava eu sentia uma pontada nos rins e um gotejamento de urina escapava. Por mais que eu implorasse pro homem ser mais rápido ele mantinha o ritmo lento e sacolejante. Até que adverti:

– Moço, se você não quiser lavar esse estofamento vai mais rápido e evite os buracos!

Assim que ele parou na porta de casa fui direto pro banheiro e percebi que minha calça já estava bem molhada. O absorvente não deu nem pros primeiros minutos. O pior ainda estava por vir.

À noite eu peguei dois absorventes e ingenuamente achei que seria capaz de sentir se estivesse com vontade de fazer xixi. Acordei de madrugada com a cama totalmente molhada, lençóis, colchão e até a Maria estava tudo encharcado de xixi. Uma humilhação tão grande que pioraria mais ainda ao forrarmos o colchão com plástico, como nos berços.

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Estes músculos são muito importantes para evitar a fralda depois de adulto.

Na manhã seguinte minha primeira missão era comprar fralda geriátrica. Tentei subir na moto, mas a dor na região do períneo aumentava quando ficava montado no banco da moto. Essa dor permaneceu por muitos dias. Não podia ficar sentado muito tempo. Tinha de ficar mudando de posição e isso me incomodava demais. Doía muito e só aliviava se ficasse deitado ou em pé.

O fantasma da incontinência urinária tinha se concretizado. Não imaginava que era nesse nível desastroso. Mesmo com fralda vazava um pouco. Bom, se eu não lembrava como era usar fralda quando era bebê, agora já sabia. Fiquei apavorado com a ideia de ter de usar fralda pro resto da vida e fui pesquisar na internet.

Fui salvo por um site sobre fisioterapia que ensinava alguns exercícios para fortalecer o assoalho pélvico, conjunto de músculos que controlam as saídas – e eventualmente – entradas por nossos orifícios. Incrivelmente não havia nenhuma citação sobre disfunção erétil.

Pesquisei “exercícios para assoalho pélvico” no Google e encontrei várias referências, mas quase todas voltadas às mulheres, pela consequência da maternidade. Não havia muita coisa sobre incontinência em homens. Mas fiz os exercícios “femininos” e o resultado deu tão certo que não precisei mais de dois dias de fisioterapia para regular e estancar o derramamento de urina.

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Achei os exercícios na internet, mas é necessário procurar um fisioterapeuta (estas bolas são os halteres, viu?).

Faltava resolver a “outra” parte. As cenas do filme “Nascido em 4 de Julho” vinham na minha memória o tempo todo. Eu voltaria a fazer amor? Conseguiria ao menos me satisfazer com ajuda da “mano amica” como se diz em italiano? Teria como manter um casamento com uma mulher jovem, bonita e saudável sem atividade sexual? Como voltar a ter uma vida sexual sem próstata? Estas perguntas levariam quase cinco anos para serem respondidas.

(Continua...)

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Prostatite parte 8 - A força da impotência

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Como é morrer sem ser enterrado

Uma vez li em algum lugar que não lembro mais que quanto mais cedo a pessoa começa a vida sexual, mais tarde ela abandona. Nunca entendi muito bem o que quis dizer, mas no livro “Memórias de minhas putas tristes”, de Gabriel Garcia Marquez, o personagem – anônimo – tem tanto medo de se apaixonar que passa a vida inteira se relacionando apenas com prostitutas. Até completar 90 anos e dar-se de presente uma noite com uma moça virgem, que... não, não vou dar spoiler. Pelo menos na visão do escritor é possível fazer sexo até quase o fim da vida, mesmo antes dos remédios!

O interessante deste livro de leitura rápida e fácil é que trabalha com um dos maiores medos dos homens, especialmente os latinos: a impotência. Não confundir com broxar, que é um “acidente” ocasional. A impotência que me refiro é a permanente, aquela que não tem volta. Ou, com muita sorte, volta com ajuda de remédios.

Foi para esta impotência que fui apresentado no período pós-operatório, logo depois de resolver a incontinência urinária. Chegava a hora de resolver a “questão da ereção”.

Passado o pós-operatório, recebi uma ligação do departamento de urologia da Universidade ligada ao hospital onde fui operado. O residente me explicou que eu deveria fazer consultas regulares para “trabalhar esta questão”, segundo palavras dele.

O ambiente em casa estava estranho. Eu não sabia como lidar com isso. Não procurei ajuda especializada e muito menos conversava com a minha mulher. É um assunto tabu. Difícil de abrir com qualquer pessoa. É uma ferida exposta, incurável, mas interna, que ninguém vê. E quem tem não quer mostrar.

Na minha primeira consulta na Universidade fui atendido por uma médica, jovem, de poucas palavras. Olhou meu prontuário médico, sabia todos os detalhes da cirurgia e encerrou a consulta com uma receita de Tadalafina 5mg diário e Citrato de Sildanefila 25 mg uma hora antes de transar. Só isso!

Com esta simples receita passei na farmácia, daquele jeito bem discreto como se estivesse comprando cocaína, e saí com a solução dos meus problemas. Na teoria.

Comecei tomando a Tadalafila 5mg todos os dias, mas ainda sem clima para propor uma experiência empírica com a mulher. Depois de alguns dias comecei a sentir uma leve taquicardia quando fazia algum esforço.

Também voltei a dar aulas de pilotagem de moto, mas ainda não aguentava ficar muito tempo montado na moto, nem em pé. Tinha de me posicionar meio e lado, revezando as bochechas da bunda pra não apoiar o períneo porque doía muito. Ou sustentar meu peso apenas nas pedaleiras, sem repousar a bunda no banco. Tipo piloto de motocross.

A taquicardia aumentou de frequência e decidi voltar à urologista da universidade. Com muita demora consegui a consulta e ela argumentou que os remédios não causavam taquicardia e nem alteravam o funcionamento do coração, apesar de serem vasodilatadores. E ainda explicou:

- Você é novo, pode recuperar a função erétil sem dificuldade. Se sentir dificuldade para ter relação pode aumentar o Citrato de Sildanefila pra 50 mg ou tomar dois de 25.

OK, se a médica falou, quem sou eu pra contrariar. E chegou o tenso momento de testar a função erétil.

Até esse momento (desculpe-me se não lembro as datas, nem a cronologia exata) nós ainda dormíamos na mesma cama, no mesmo quarto. Uma noite pintou um clima e fomos para a experiência. Um desastre. Eu achava que a incontinência urinária estava controlada, mas na verdade ela estava se fingindo de morta.

Os exercícios para o assoalho pélvico conseguiram controlar a incontinência urinária à noite, durante o sono. Mas eu tinha vários episódios de escape de urina conforme os movimentos que fazia. Ao me levantar do sofá, por exemplo, ou dando uma remada mais forte no skate, ou até mesmo bocejando.

Algumas vezes era só uma gota, outras era um derramamento grande que chegava a aparecer pela calça. Pensa num constrangimento.

Mas o que rolou na primeira tentativa de fazer amor foi algo maior do que o desastre do Exxon Valdez. Quando eu fiz as entrevistas pré-operatórias o médico avisou que eu não teria mais ejaculação. É o tal “orgasmo seco”, mas preservaria a sensação de prazer. Mas eu não estava preparado para o que aconteceu. No momento do orgasmo em vez de líquido seminal saiu xixi que nem uma explosão de Coca-Cola chacoalhada. De repente a cama ficou toda molhada. Molhada e quente. Uma situação tão triste, constrangedora, humilhante e impactante que demoraria meses para tentar de novo.

Mesmo depois dessa experiência ainda tentamos mais duas vezes com o mesmo resultado desastroso. Um chafariz de xixi e o silêncio depois. Achei que essa situação já estava ruim demais pra continuar insistindo. E percebi que Maria também não se sentia à vontade para tentar novamente. Eu queria fazer amor mais para satisfazê-la, porque eu mesmo tinha perdido muito a vontade. E ela, por sua vez, evitava porque não queria me constranger mais. Um momento que deveria ser acompanhado de muita conversa e pesquisa. Mas embarcamos no silêncio.

Não tocamos mais no assunto, mas comecei a me fechar como uma concha. Sem perceber fui me distanciando e meu comportamento começou a mudar. Ficava irritado com facilidade, dificuldade de concentração, um vazio existencial como se vivesse no limbo. É o tal morrer sem ser enterrado que os poetas usam como metáfora para uma existência medíocre.

Parei com os remédios, o tempo foi passando, a situação em casa foi se deteriorando com a falta de diálogo sobre o tema e, aos poucos fui me conformando com a ideia de ser um eunuco. Às vésperas de completar 60 anos, casado há 19, com o fantasma da impotência rondando, comecei a pirar. Não que eu fosse um exemplo de equilíbrio emocional, mas começava a pensar seriamente na possibilidade de viver sem sexo pro resto da vida.

Eu pensava “se tem gente que perde um braço, uma perna, a visão ou a audição e continua vivendo, por que eu morreria se ficar sem sexo?”.

Por outras vezes pensava em castigo divino, por ter feito tanta cagada, causado tanto sofrimento graças a uma vida desregrada e promíscua. Deus olhou lá de cima e pensou “vou mostrar pra esse salame que sexo não é a coisa mais importante da vida”. E plim, tirou o sexo de mim!

Olhava para Maria, doze anos mais nova do que eu, linda, cheia de vigor, tendo de conviver com um homem impotente. Comecei a pensar em separação para libertá-la deste destino. Como seria possível manter um casamento sem sexo? Mas foi um pensamento de mão única, porque homens e mulheres pensam diferente. Quando toquei no assunto “separação” pela primeira vez ela recusou peremptoriamente. A mulher protege a união com mais garra que o homem. Eu não sabia na época, mas ela acreditava no “até que a morte nos separe” e queria continuar comigo, de qualquer forma. Eu pensava em separação. Ela pensava em manutenção. É isso que difere homens de mulheres.

Hoje vejo que foi um engano desastroso. Primeiro porque é possível sim recuperar a função sexual. E depois porque é possível sim um casal manter o relacionamento sem sexo, se os dois forem criativos e bem assessorados por especialistas (sexólogos). Depois muitos anos, quando enfim procurei ajuda, a terapeuta olhou pra mim e disse: se o sexo só proporcionasse prazer com penetração não existiriam lésbicas no mundo.

Constatação que veio tarde demais.

Vamos fugir

Lendo assim parece que foi tudo muito rápido. Mas não foi e não quero te encher o saco com tantos detalhes. A incontinência urinária estava quase controlada. Ainda escapava um pouco de urina quando eu fazia alguns movimentos. Nesta época ainda não sabia nada sobre fisioterapia específica para essa situação e aconteceu uma coincidência de datas que acabaria com meu atendimento gratuito na Universidade.

Para ter direito ao programa eu deveria comparecer a todas as consultas, uma vez por mês. Porém comecei a atender o mercado corporativo na área de segurança de trabalho. A Abtrans (minha empresa de segurança de trânsito) nasceu para atender pessoa física, mas a necessidade de reduzir afastamento de trabalho por acidente de percurso nos levou a atender algumas empresas. Em todo o Brasil. Por isso tive de faltar em duas consultas seguidas, o que me custou a exclusão do programa.

Sem apoio da Universidade, sem coragem para conversar em casa, sem perspectiva de melhoras, minha, ou melhor, nossa relação começou a ruir. Aos poucos fui evitando contato físico até tomar a pior e mais equivocada de todas as decisões: mudei de quarto. Até este dia, por 19 anos dormimos juntos, grudados e de conchinha. Quando eu me deitava repetia como um mantra “este é o momento mais gostoso do meu dia”. Dormir com ela zerava qualquer aborrecimento, doença, tristeza, dor, qualquer mazela. Era como abraçar a cura. E eu abri mão dela.

Começava aí uma sucessão de erros que precisam ser conhecidos de todos que passam por isso para que não se repitam. Minha principal recomendação para casais nesta situação: a recuperação é dos DOIS! Não tentem resolver isso sozinhos. Homens não gostam de falar, nem de ouvir. Mulheres adoram falar, mas também ouvir. Conversem. Não deixem o silêncio criar barreiras porque uma hora essa represa de sentimentos vai transbordar. E Brumadinho taí pra mostrar o que acontece quando rompe uma barragem.

Conformado com uma existência assexuada voltei pra minha rotina de skate pela manhã. À tarde passeava com os cachorros, fazia prospecção para o curso Abtrans e um ou outro trabalho jornalístico – muito mal remunerado, ou mesmo gratuito.

Continuávamos levando uma vida de casal. Fazíamos TODAS as refeições juntos. Aliás essa era a parte da rotina que mantivemos todo tempo. Maria é uma excelente cozinheira. Sabe fazer qualquer prato e, se não souber, aprende e faz. Tanto doce quanto salgado. Qualquer outro homem que vivesse com ela alcançaria a obesidade mórbida em pouco tempo. Menos eu, que sempre fui um magro renitente.

Sempre fui magro. Tão magro que minha vó portuguesa só aceitava me levar à praia se eu ficasse de camiseta. Passei a infância ouvindo meu pai falar que eu tinha ameba. Acho que por isso eu me mantenho magro mesmo comendo mais que lima nova.

A nossa vida como casal foi ótima. Apaixonei-me por ela desde o primeiro momento que a vi. E foi preciso de toda uma linha de acontecimentos para que eu a visse. A história desse encontro eu já contei no meu blog e você pode ler clicando AQUI. Foi uma história de amor de filme mesmo e sempre vou levar isso comigo. Nunca faltou amor em nossa relação. Mas faltou conversa, porque eu não gosto de falar.

Neste texto onde conto a história do nosso encontro tem a seguinte passagem:

“Normalmente sou um cara quieto. E tímido, acredite! Sempre fui quieto e, segundo minha mãe, quando era criança eu só falava com ela. Minha primeira professora dizia que levou seis meses para ouvir minha voz. Gosto de ficar quieto e nada é mais torturante do que "criar assunto". Acho que foi isso que fez de mim um escritor, sou melhor escrevendo do que falando.

Em apenas duas situações eu falo muito: quando estou doente ou nervoso”.

Hoje não sou mais assim. A atividade de ensinar me obrigou a virar a chave e me tornei um verborrágico incontrolável. Mas quando mais precisava falar eu me calei. E por não ter dito nada, já não posso dizer mais nada além de “desculpe”.

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Prostatite 9: uma separação que deu errado

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Moto + skate: dupla perfeita para fugir dos problemas!

Uma avalanche de erros que destruíram uma história

Consigo lembrar com exatidão e riqueza de detalhes os dois dias mais tristes da minha vida. O primeiro foi em 1992, quando levei minhas filhas para o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, SP, para embarcarem para a Alemanha. Mas não era a turismo. Era uma viagem só de ida, sem previsão de retorno.

Foi uma separação totalmente equivocada. Não deveria nunca ter acontecido, mas eu era jovem, inexperiente, arrogante e... cereja do bolo, teimoso! Na época os mais velhos tentaram me convencer de todo jeito a manter a união, a família em primeiro lugar e todas as frases clichês do mundo. Mas eu era teimoso e fui em frente com a separação. O que considero hoje como o maior erro de toda a minha vida.

A mãe delas, com dupla cidadania, conseguiu um bom emprego na Alemanha e partiu com as meninas. Não era uma ameaça, nem uma possibilidade, era real e eu estava no portão de embarque da ala internacional, entregando duas crianças muito amadas para uma possível viagem sem volta.

Para não piorar ainda mais o clima me mantive firme, otimista e bem humorado até elas virarem o corredor em direção ao raio-x. Lembro da carinha delas, agarradas a seus bichos de pelúcia, sem derramar uma lágrima. Quando elas sumiram atrás do labirinto de filas fui correndo pro banheiro, me tranquei num cubículo e desandei a chorar copiosamente como nunca tinha chorado na vida. Chorava e questionava se tinha realmente tomado a decisão correta.

O segundo dia mais triste foi recente. Bem recente. Em setembro de 2023 para ser mais exato, uma quinta-feira. Foi o dia que vi Maria embarcar com nossos cachorros e boa parte de nossas vidas, em direção ao Nordeste em uma mudança de endereço e de vida. Com ajuda do meu grande amigo Café, dono e motorista de uma enorme van, ela embarcou tudo, entrou na cabine e aquela van saiu da frente do portão. Fiquei esperando virar a esquina e entrei em casa.

Lá dentro um enorme vazio. Ainda tinha móveis, vasos, objetos, utensílios de cozinha, roupa no varal, sofá, TV, quadros (alguns pintados por ela), mas o que mais eu via ali dentro era um enorme vazio. E veio de novo o choro copioso, seguido novamente da mesma pergunta que me persegue: será que tomei a decisão certa?

Este é o grande dilema das decisões: nunca saberemos se foi a certa ou errada porque não existem duas vidas paralelas.

A dança das rodinhas

Quando percebi que minha vida não seria mais a mesma, que teria de sublimar o sexo e que minha união estava caminhando a passos largos rumo a um abismo, me refugiei na única coisa que me dava prazer: skate!

A forma como o skate entrou na minha vida foi totalmente aleatória, como quase tudo na minha história. Depois de engordar quase 10 quilos por pura preguiça de fazer atividades físicas, achei que era hora de me mexer. Bem nesse momento uma amiga jornalista de mudança para Manaus anunciou um skate à venda.

– É isso – pensei – skate pode ser divertido! Liguei, fui até ela e saí com um skate amarrado na moto.

A última vez que tinha andado de skate tinha sido aos 14 anos, numa coisa que eu mesmo fiz a partir de um patim Torlay e um pedaço de madeira. Recentemente alguém duvidou disso e eu refiz esse skate primitivo com um patim velho que ganhei de presente. Se tiver curiosidade de saber como ficou cliqueAQUI.

Depois de uma volta meio desajeitada pelo Ibirapuera fui conhecer a ladeira do Museu do Ipiranga. Na primeira descida alucinei de um jeito que peguei o vírus do skate. Comprei trucks, rodas, rolamentos, dezenas de peças e fui montando um skate para cada finalidade. Não sei fazer nenhuma manobra, não ando em pistas, nem em pump track, só em ladeiras, tipo surfe de marola.

Perto das minhas atividades anteriores (motovelocidade e escalada) o skate era muito barato: basta um litro de gasolina na moto. A maioria dos itens eu nem comprei, mas troquei com a turma do down hill por macacões de couro de moto. Em apenas seis meses de atividade já tinha emagrecido seis quilos e adotei um novo estilo de vida que girava em torno do skate. E foi no skate que me refugiei quando a maionese da minha vida desandou.

Aos 58 anos, pós operado, sem perspectivas de nada, usei o skate como fuga para os meus reais problemas. Enquanto isso Maria tentava lutar pelo que ainda tinha sobrado da nossa união. Mas eu não via essa luta. Na minha cabeça só pensava em libertá-la de uma vida sem graça ao lado de um velho castrado e comecei o movimento para a separação. Uma decisão de mão única porque em nenhum momento pensei em perguntar a opinião dela.

Na minha cabeça doente esta era a melhor solução para os dois. Quando na verdade era a melhor solução para mim. Pelo menos eu achava. Mais uma vez faltou diálogo e até ajuda de especialistas em mediação. Faltou investir em uma relação que já durava quase 20 anos. Preferi o caminho que adotei várias vezes na vida diante de alguma dificuldade: desistir.

De tanto eu insistir ela acabou cedendo e se mudou para uma casa bem perto, com a proposta inicial de continuarmos um casal, mas morando em casas separadas. Uma imagem que pode ser muito bonita em filmes e novelas, porque na vida como ela é deu muito errado. Faltou a combinação tácita e clara de objetivos: ela saiu de casa pensando que ainda éramos um casal; eu fiquei em casa com a certeza de que não seríamos mais um casal.

De um lado eu imaginava que estava tudo bem: levava uma vida e solteiro, sem me interessar por nenhuma mulher, dava as aulas de pilotagem, andava de skate todo santo dia. Do outro lado ela continuava cozinhando pra mim, cuidando no nosso jardim, contratando a faxineira, cuidando do “nosso” lar como se fôssemos ainda casados, mas com CEPs diferentes.

Estava claro que aquela situação não ia dar certo. E não deu mesmo.

(Continua...)

 


Prostatite parte 10: a volta!

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A vida pode mudar com apenas um diagnóstico. Foto: Tite.

Um retorno inesperado que mudou tudo.

Como você está hoje? Esta é a pergunta que mais ouço e leio das pessoas que seguem este blog. Para surpresa de todos eu até que estou relativamente bem. Ministrando aulas de pilotagem de moto para iniciantes, palestras em empresas, me virando do jeito que dá e a vida permite, com a saúde meio combalida pelo peso dos quase 65 anos, tentando embalar em um relacionamento amoroso.

Sobre esse último item uma curiosidade: depois de muito insistir, meu amigo Kabé me convenceu a entrar em um App de namoro, o tal Inner Circle. Já não gostei do nome porque tudo que tem círculo no meio é suspeito. Mas criei um perfil e foi patético. Primeiro porque, ingênuo, coloquei minha idade verdadeira, coisa que nenhum(a) over 60 faz. Todo mundo lá tem menos de 60 anos, não importa o tanto de rugas. E segundo porque minha timidez quase doentia me impediu de combinar qualquer encontro, apesar de ter recebido muitas curtidas.

Achei meio constrangedor o App, porque me senti como carne exposta no açougue, ou uma refeição no cardápio. Tipo, a pessoa entra no seu perfil e pede “hum, quero esse cochão duro e esse patinho”. Depois dá “like” e desaparece.

Além disso eu fui (e ainda sou, porque é um cargo vitalício) professor de Português. No primeiro erro grave já me desanima. E hoje em dia quase ninguém mais sabe conjugar verbos no infinitivo. É um tal de “faze”, “fica”, “encontra”, no lugar de fazer, ficar, encontrar. Torna-se até difícil entender se a pessoa está se referindo ao passado, presente ou futuro.

Depois de poucos dias cancelei meu perfil e voltei para minha vidinha calma e tranquila de solteiro, por enquanto... Mas aconteceu algo mágico, que vou deixar pra contar depois.

O retorno.

Durante 18 meses Maria e eu vivemos em casas separadas, mantendo um relacionamento cordial, amigável, mas com certo distanciamento. Nenhum “acerto de contas”, algumas poucas DRs, mas acompanhei a angústia dela não apenas pela quebra do pacto de união em casas separadas, como também pela chegada da menopausa com todo pacote incluído.

Continuamos saindo juntos com nossos amigos, ela ainda cozinhava pra mim, dividíamos a guarda dos nossos filhos caninos e a vida foi caminhando.

Neste período conheci mulheres muito interessantes, que até deram abertura para relacionamento, mas eu ainda vivia o pesadelo da disfunção erétil sem saber que poderia ser resolvida de maneira até mais simples do que imaginava.

Logo depois da cirurgia de remoção da próstata tentei tomar os remédios tradicionais mas tive taquicardia. E seguiu-se uma sucessão de erro e desinformação, causada sobretudo por um plano de saúde de merda, com médicos ridículos de tão ruins. Estou me referindo ao Intermédica, Notre Dame, ou seja lá qual nome que eles adotam, porque muda o tempo todo.

Muitos exames e consultas que chegaram a nenhuma conclusão se eu poderia, ou não, consumir os remédios para disfunção erétil. Segundo o urologista, sim. Segundo a cardiologista era melhor não.

Sem a segurança para transar continuei levando a vida de eunuco feliz e até conformado da minha condição, evitando mulheres interessantes, me agarrando ao skate como forma de liberar endorfina e adrenalina e seguindo minha jornada rumo à senilidade.

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O skate sempre servindo como fuga para os reais problemas. 

Até que algo totalmente fora do programa aconteceu. Em setembro de 2022 Maria veio com uma bomba:

– Não estou conseguindo me manter pagando aluguel, preciso voltar pra casa no fim do ano!

Fui pego de surpresa, meio assustado, porque não previa esse retorno. Ela foi clara na argumentação:

– Só por um tempo, até me acertar financeiramente. Mas vamos viver como colegas que dividem a casa, sem romance, sem amor, sem sexo!

Ops, já tínhamos vivido assim antes. Não foi uma experiência boa. Mas sou filho de uma mãe italiana, acolhedora, mantenedora, redentora e na hora não respondi nada. Só que ia pensar. Na verdade não pareceu um pedido, mas uma afirmação, tipo da que não oferece escolha.

Daquele momento até a possível mudança teria quase três meses para trabalhar essa volta na minha cabeça. Na minha, porque na dela já estava definido a ponto de avisar a imobiliária que desocuparia a casa no dia 31 de dezembro.

A época coincidiu com a produção do anuário AutoMotor do meu mais longevo trabalho como jornalista, ao lado de uma equipe super divertida, comandada pelo meu primeiro editor, Reginaldo Leme e sua filha-prodígio Daniela Leme.

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Equipe que virou uma família: Reginaldo à frente, à esquerda, Miguel, eu, Ellen, Andrea, Bruno, Tiago, Daniela e Ed.

O trabalho de edição de texto, revisão, produção me manteve ocupado, mas sempre com a cabeça naquela novidade: Maria voltar para casa como uma room-mate. Durante dias seguidos fiquei matutando se seria uma boa ideia este retorno nestas condições de colega de casa. Ela se mantinha irredutível na postura de “apenas bons amigos que dividem as despesas”, mas eu começava aos poucos a alimentar uma possível volta à vida de casal. Mas, novamente, não tivemos muita chance para conversar seriamente sobre as consequências dessa volta.

E o tempo foi passando...

Silenciosamente, mais uma vez, vivi um dilema. Aceitar ou não esse retorno. Este era o momento certo para buscar ajuda terapêutica, porque certas decisões precisam de alguém isento para ajudar. Amigos e parentes são péssimos conselheiros. Porque não é a vida deles que pode desandar que nem uma maionese aguada.

Sem coragem pra dizer simplesmente “não quero”, pensei em criar uma suposta “namorada” para evitar o que imaginei ser um erro desde o começo. Com uma enorme dose de irresponsabilidade fui deixando o tempo passar sem tomar nenhuma atitude até que passei a alimentar seriamente a possibilidade de um novo começo.

E o tempo foi passando... Até chegar o dia 28 de dezembro de 2022.

A volta

O dia 28, era o nosso fechamento gráfico do anuário, que fazíamos dentro da própria gráfica Pancrom. Revisar mais de 300 páginas, textos, legendas, títulos, subtítulos, tabelas (muitas), fotos uma montanha de páginas acumuladas sobre uma mesa gigante, com vários colegas em volta. Pense num trabalho exaustivo.

Como sempre começamos pela manhã, sem previsão para ir embora, o que acontecia por volta de três da manhã do dia seguinte, depois de devorar muitas pizzas, batatas fritas, Big Macs, salgadinhos, litros de café e Coca-Cola.

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Las embarazadas: Andrea, Dani e Ellen, tão inseparáveis que engravidaram juntas!

A parte boa desse trabalho é que a equipe se conhece há décadas, criando um laço verdadeiramente familiar. Só por curiosidade, três das mulheres da equipe engravidaram ao mesmo tempo – não do mesmo pai, felizmente!

Para manter o moral dessa turma, num trabalho verdadeiramente exaustivo temos uma receita infalível: o bom humor! Sim, por mais cansados, exauridos e esfomeados conseguimos manter o humor lá nas alturas. Especialmente neste fechamento eu estava atacado. Nem humorista profissional fez aquela turma rir tanto. Quando estávamos nos despedindo no estacionamento alguém comentou:

– Foi o fechamento mais engraçado da história!

E eu, sem preparar o terreno, sem avisar nada e sem falar nada, só soltei a notícia:

– Hoje a Maria voltou pra casa.

Montei na moto e saí pela Marginal Pinheiros vazia, morrendo de vontade de chegar em casa, porque enquanto eu estava na gráfica ela fez a mudança de volta ao nosso lar onde vivemos por 20 anos.

Quando abri a garagem de casa tinha muitos móveis espalhados, caixas de papelão, todo tipo de embrulho. Os cachorros acordaram e correram me receber. Fui até a suíte conferir se ela estava lá. Sim, estava no colchão ainda jogado no chão, sem cama. Deixei ela dormindo e fui pro meu quarto. Ao colocar a cabeça no travesseiro me deu um calorzinho no peito e me veio uma sentença:

– Eu vou reconquistar essa mulher!

(continua...)

Prostatite final – Amor enfim

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Foram quase quatro anos de abstinência e devo confessar: não foi tão ruim assim. A sociedade moderna supervaloriza o sexo como se fosse algo tão necessário à vida humana como respirar e se alimentar. E muitas vezes aceitam relacionamentos tóxicos, abusivos e irrelevantes pelos 30 minutos (ou menos) de prazer. Em nome desta “migalha” aceitam 23 horas e meia de abuso. Por quê?

Porque estes 30 minutos são tão bons!!!

Lembro cristalinamente de cada emoção que senti ao fazer amor pela primeira vez depois da cirurgia. Não foi um caminho fácil para chegar ao sexo enfim. Como já descrevi nos capítulos anteriores, eu meio que aceitei minha condição e me adaptei a isso. Na verdade esta era uma desculpa para não enlouquecer, porque eu vivia numa depressão silenciosa, buscando nas atividades de risco a adrenalina necessária para compensar a falta de sexo.

Nesta missão o skate e a escalada serviram perfeitamente. Até o dia que Maria sinalizou que voltaria para casa. Inicialmente apenas como colega, tipo república, mas na minha cabeça comecei um movimento para reconquistá-la. E fui buscar algum tipo de tratamento que devolvesse a função erétil, já que fiquei muito tempo sem assistência de especialistas.

Voltei às consultas em urologistas, cardiologistas e ouvia sempre a mesma recomendação: um remédio diário e outro uma hora antes do sexo. Só isso! Nenhuma referência à reposição hormonal, fisioterapia, nada. Só remédio. E era óbvio que só o remédio não estava fazendo efeito.

Até que Deus olhou lá de cima para esta humilde figura e resolveu dar uma mãozinha.

Fui visitar minha mãezinha de 91 anos, que lê jornal todo dia e ela separou um artigo que falava sobre fisioterapia de assoalho pélvico para homens pós prostatectomia radical. No artigo li vários depoimentos de homens de diferentes idades contando que recuperaram a atividade sexual com ajuda da fisioterapia, aparelhos e masturbação. Levei o artigo pra casa e isso ficou martelando na minha cabeça por alguns dias. Até que um milagre aconteceu.

Minha atividade de professor de pilotagem de moto coloca muita gente no meu caminho. Pessoas que se tornaram verdadeiros amigos e amigas para toda a vida. Costumo dizer que não tenho ex-alunos, tenho amizades.

Em um destes cursos recebi o pedido de informação de uma mulher. Quando ela me mandou o email era fisioterapia@ alguma coisa. No dia da aula perguntei qual a especialidade dela e a resposta foi um choque:

– Sou especialista em assoalho pélvico. Aliás sou professora desta disciplina na universidade São Judas.

Quase tive um surto! Só consegui responder:

– Foi Deus que te mandou aqui hoje!

No dia do curso não toquei no assunto. Durante a semana liguei pra ela e comecei a falar de um “amigo” que tinha feito a cirurgia de prostatectomia radical e estava enfrentando problemas de incontinência urinária e ereção. Na hora ela respondeu:

– Passa meu contato pro seu amigo que vou tentar incluir o nome dela na nossa turma de estudos.

E eu revelei:
– Professora, o amigo sou eu mesmo!

Fez-se silêncio por alguns segundos e depois ela pediu mais detalhes sobre a cirurgia, pós, tratamentos etc. Ao final da conversa ela só disse:

– Passa na universidade e procura a professora Mariela.

E dessa conversa começou um novo capítulo na minha vida.

Poucos urologistas falam sobre fisioterapia. Quando mencionam é só para conter os escapes de urina. Nunca ouvi de nenhum urologista nada referente a assoalho pélvico, bombinha de sucção, masturbação, exercícios, nada. Nenhuma palavra. Só remédio assim, assado, cozido e frito.

Logo após a cirurgia minha maior preocupação sempre foi a incontinência urinária, porque ninguém merece fazer xixi nas calças o tempo todo. Na época pesquisei na internet e achei vários exercícios para assoalho pélvico, mas todos, 100% indicados para as mulheres parturientes ou idosas.

Escolhi alguns deles e comecei a fazer em casa. Menos de 15 dias depois já tinha resolvido a incontinência urinária. De vez em quando escapava um xixi aqui e ali, se fizesse algum movimento de contração do abdome. Ou quando tossia, espirrava ou relaxava demais.

Lembro um dia em um jantar com amigos que me mexi na cadeira e saiu uma grande quantidade de urina. Percebi na hora que tinha molhado a calça e não fazia a menor ideia de como sair da situação. Perdi totalmente a concentração nas conversas e só pensava em como me levantar sem ninguém perceber que estava mijado!

Até que eles se distraíram com alguma coisa na outra mesa, levantei e corri pro banheiro tentar resolver na base da toalha de papel. Mas pense num constrangimento. Depois desta noite tive várias crises de insegurança e evitava sair de casa.

Um anjo no meu caminho

Combinei a primeira consulta com a equipe de fisioterapeutas da Universidade São Judas, na unidade da Mooca, em maio de 2023. A professora que me atendeu, Mariela Reis, foi extremamente didática. Fez vários exames acompanhada de alguns alunos do último semestre de fisioterapia.

Os testes mostraram que eu estava com a musculatura do assoalho pélvico flácida e a primeira pergunta foi:

– Por que você demorou tanto para procurar a fisioterapia?

E a resposta não poderia ser outra:

– Porque não fazia a menor ideia que existia fisioterapia para este tratamento pós cirúrgico.

Nem eu, nem nenhum outro homem ou urologista com quem conversei.

No teste a professora pediu para eu tirar a roupa, deitar em uma maca e relaxar. Vestiu um par de luvas de látex e já pensei no pior! Na verdade ela só apertou a região do períneo e pediu para contrair e relaxar, depois contrair e segurar. Cronometrou e deu o veredicto:

– Podemos melhorar muito e rápido porque a musculatura está preservada, só precisa fortalecer.

Na verdade o que me salvou foi o passado esportivo. Primeiro como piloto de moto por 22 anos, depois como escalador por mais 10 anos e finalmente como skatista por seis anos. Principalmente como escalador, porque a maior parte da força vem do brioco mesmo. A gente trava o furico e faz força nos braços e pernas.

Além da fisioterapia eu teria de comprar uma bombinha de sucção, sim aquela mesma que anuncia como “enlarge your pennis”, mas que, segundo a vendedora da sex shop, não enlarge nem um milímetro. Engraçado que ela olhou pra minha cara e falou: “é pra próstata?”. Diante da minha surpresa ela explicou que a maioria das vendas são destinadas a pacientes pós operados da próstata. E eu achando que a homarada queria aumentar o bilau.

A função da bombinha é ativar os vasos sanguíneos da pingola, que como todo músculo precisa constante exercício para não ficar flácido. Por quase quatro anos eu mantive meu pênis em repouso absoluto. Um erro que poderia ter custado muito caro. Na verdade a fisioterapia deve ser iniciada cerca de três meses após a remoção das sondas e drenos, quando tudo já estiver cicatrizado.

Além da bombinha outro exercício necessário é a masturbação. Pois é, virei um velho punheteiro! E faz parte da fisioterapia, algo que foi muito bem explicado pela professora. Que também ensinou a usar a bombinha aumentadora de pinto. Pense numa conversa constrangedora.

As sessões de fisioterapia eram de 45 minutos duas vezes por semana. Alguns exercícios exigiam força e outros apenas movimentos. Dediquei-me 100% e nos outros dias da semana continuava os exercícios em casa. Além disso tenho de usar um aparelho de choque no pinto para ativar a circulação sanguínea. Pobre coitado foi eletrocutado duas vezes por semana.

Aproveitei para me inscrever em uma academia e comecei a pegar pesado nos exercícios específicos para assoalho pélvico. No final dos treinos eu ia até a sala de “funcional” e ficava junto com várias mulheres exercitando minhas contrações pélvicas. Só tinha eu de homem na sala!

Os resultados começaram a aparecer muito antes do que eu esperava. De repente em uma noite acordei de madrugada com uma ereção involuntária! Era a primeira vez em quatro anos que isso acontecia. Tive vontade de sair pelado pela rua gritando “ESTOU DE PAU DURO, OLHA ISSO”.

Mas eu e Maria ainda estávamos dormindo em quartos separados, com um certo distanciamento. Não por minha vontade, mas a pedido dela que ainda se recuperava do trauma da nossa separação.

Nossa vida sexual era bem ativa para um casal com 20 anos de exclusividade. Na verdade eu morria de tesão por ela e mal podia encostar que começava uma intumescência instantânea. Só que eu achava pouco, até ler um artigo de uma sexóloga que afirmava que nos casamentos longevos era normal e esperado uma relação por semana. Nossa média era maior que isso! Mas eu achava pouco!

Nosso relacionamento continuava amigável, mas sem romance. Até que em uma noite, meio do nada, ela apareceu dizendo que estava na hora de eu tomar meu remédio. Como eu tomava vitaminas para tratar um maldito zumbido simplesmente jogou o comprimido pra dentro e percebei que era um material e formato diferente. Cuspi e vi que era o Viagra. Fui pego totalmente de surpresa e argumentei que não era o momento ainda.

E então aconteceu. Em uma outra noite que eu tinha acabado de fazer fisioterapia com a bombinha, estava quase dormindo, ela entrou no quarto, deitou do meu lado quase nua e senti uma explosão de tesão que havia anos que não sentia mais. Foi tão intenso que a ereção veio instantaneamente, sem uso do remédio e finalmente fizemos amor.

Nem sei como descrever com palavras como foi o primeiro orgasmo compartilhado depois de quase quatro anos. A comparação mais fiel que posso usar é “renascimento”. Deu vontade de chorar, de rir, de sair gritando, qualquer coisa. Foi muito intenso. E não parou aí. Repetimos outras vezes, até mais de uma vez por noite.

Como no depoimento que li na reportagem do jornal, na qual um senhor de 71 anos afirmava ter ficado ainda melhor do que antes depois da combinação de remédios e fisioterapia, percebi que, inacreditavelmente minha vida sexual tinha voltado ao normal.

Depois de quatro anos de uma doença física e mental, depois de tanto tempo perdido, depois de tanto sofrimento de ambas as partes, pudemos desfrutar de uma vida normal de um casal de 65 e 53 anos.

Por isso queria encerrar essa história deixando alguns importantes recados para quem passou pelo câncer de próstata, para as esposas de pacientes de prostatectomia, para namorados, héteros ou homossexuais, para pais e filhos, amigos e parentes: existe vida após a cirurgia, mas o tratamento deve ser do CASAL, quando for o caso, e exige um acompanhamento psicoterapêutico. A fisioterapia é OBRIGATÓRIA para recuperar a atividade sexual e, por favor, não queria resolver isso sozinho.

Para Maria, que passou por um período de dor, solidão e sofrimento, dedico esta mensagem.

Ah se eu tivesse o divino talento

De fazer voltar o tempo

Tomaria mais sorvete

Que é felicidade em casquinha

Amaria mais você

Que amei de forma mesquinha

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A pequena grande Triumph: como é a Speed 400

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Simples, bonita, divertida e bem acabada. (Foto: Tite)

A Triumph Speed 400 chega para esquentar o mercado

Quando olhamos para a história da indústria de moto, a categoria de 400cc sempre ficou meio de lado. Tivemos alguns modelos memoráveis como a Honda CB 400Four, clássica icônica que teve poucos exemplares no Brasil. Na verdade a categoria 400cc era voltada para o mercado japonês, porque até essa medida de motor a habilitação era mais simples e o seguro mais barato. Acima disso tudo ficava mais caro e difícil. Por isso o mundo ocidental teve pouco contato com motos de 400cc. Geralmente saltava de 350 para 500cc.

Mas o mundo mudou, o mercado ficou mais competitivo e a restrição de emissões de poluentes fez surgirem vários modelos na faixa de 400cc. Normalmente com motor de um ou dois cilindros e potência em faixas mais altas de rotações.

Também foi a categoria que colocou as marcas premium no universo das pequenas e médias cilindradas. BMW, KTM e agora a Triumph perceberam que o público consumidor de motos de altas cilindradas está envelhecendo. Então propuseram modelos mais simples e baratos para conquistar os jovens e duradouros consumidores. Ou seja, fidelizar no berço!

Surgiu a BMW 310, as KTM Duke 200 e 390 e agora estas belezinhas da Triumph Speed e Scrambler 400. Só a Ducati ainda está moscando. Na verdade chegou-se a ventilar o projeto de uma Ducati Scrambler 400, mas foi só fofoca.

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Leve e esperta

Vamos ao que interessa: como é a Triumph Speed 400. Não vou ficar aqui entrando em dados de ficha técnica porque estão lá no fim do texto. Importante é saber que as duas 400 são produzidas com o mesmo capricho e acabamento das grandes. Até o desenho das tampas do motor é claramente inspirado na Street Twin 900. O banco também guarda muita semelhança com a irmã maior. E, claro, o tanque e as tampas laterais. A ideia foi mesmo deixar ela com cara de moto maior. E deu super certo.

Guidão largo, baixo com tubo de secção variável – fino nas pontas e grosso no meio. Achei um pouco largo demais, para uma moto que usa roda dianteira de liga leve de 17 polegadas. E os espelhos retrovisores estão nas extremidades do guidão. Eu entendo o projetista surfar na onda das tendências, mas ele certamente nunca pilotou em São Paulo. Como os manicotos são iguais aos da Scrambler, na minha Speed 400 eu substituiria estes espelhos por normais.

Rodei muito na cidade, estrada e até estrada de terra (sim, eu sou psicótico) e posso escrever sem qualquer chance de errar que das motos oferecidas no mercado na faixa de 350 a 400cc esta Triumph é uma forte candidata a ganhar os prêmios das edições especializadas. Sim a KTM Duke 390 é uma concorrente tão ou mais divertida, mas não oferece o mesmo nível de conforto, sobretudo para quem vai na garupa. A Kawasaki Z 400 e a Yamaha MT 03 não são comparáveis porque adotam motor de dois cilindros, com proposta muito mais esportiva. E por fim a BMW G310 R também pende para a esportividade e tem o motor mais fraco de todas. A que mais se aproxima é a Bajaj Dominar 400, porém com nível de acabamento bem distante da marca inglesa.

Em suma, a Triumph escolheu o caminho da versatilidade, com estilo retrô e acertou na mosca. E antes que me perguntem, jamais poderia comparar com as Royal Enfield 350 pois são produtos muito diferentes em desempenho, acabamento, tecnologia e preço.

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Acabamento de alto nível. (Foto:Tite)

Entre os itens que não curti muito – além dos espelhos demolidores de retrovisores – está a configuração do painel. O conjunto é muito moderno, com o velocímetro analógico gigante e um display menor onde ficam todas as informações importantes, inclusive o quase invisível conta-giros. Na minha visão de mundo motorizado, colocaria o conta-giros grande analógico e o velocímetro digital. Explico: é mais fácil “ler” a velocidade do que “ver”. Nosso cérebro foi treinado para responder mais rápido aos números e letras. Além disso, do jeito que está colocado o conta-giros quase não tem serventia porque precisa colar o nariz no painel pra enxergar a rotação.

Para compensar, no display tem a imprescindível informação da marcha engatada (depois explico melhor), três hodômetros, consumo instantâneo, média de consumo, autonomia, controle de tração ativado, além de luzes de advertência, incluindo o cavalete lateral acionado. Pode-se alterar as informações do painel pressionando o botão “info” no punho esquerdo. Para desativar o controle de tração é preciso manter o botão pressionado por seis segundos. Não aconselho desligar.

Chave no contato, start acionado e o motor acorda sem muita delicadeza. Sim, porque não há engenharia no mundo que consiga fazer um motor de um cilindro ter funcionamento “liso”. Ainda mais com 40 cavalos loucos pra correr. Trata-se de um motor com mais diâmetro do que curso, indicando que gosta de trabalhar em regime de alta rotação. Acelerador eletrônico é tudo de bom: não tem folga e responde mais que criança mal educada. O motor sobe de giro muito rápido, chega a mexer com a adrenalina do piloto. O ronco é discreto, mas este comportamento áspero meio que convida a acelerar. E acelerei mesmo.

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Painel com muitas informações, mas conta-giros difícil de ler. (Foto: Tite)

Com um escalonamento de marcha muito curto e próximo o piloto é forçado a usar muito o câmbio e embreagem. A 60 km/h já dá pra rodar em sexta marcha (abençoado indicador de marcha). E é quase obrigatório rodar uma marcha acima do que o normal, porque a resposta do motor é tão imediata que nas três primeiras marchas parece um cavalo chucro.

Realmente é um motor que demanda certo tempo para se acostumar, porque gosta de trabalhar em alta rotação. A 120 km/h o conta-giros indica 7.000 RPM (pelo menos acho que era isso, é difícil ver as barrinhas e os carros em volta ao mesmo tempo). A potência máxima está a 8.000 RPM e o torque máximo está a 6.500 RPM, o que dá 1.500 RPM de faixa útil. Esta característica que deixa a moto “nervosa” o tempo todo pedindo trocas de marcha. Mas fique tranquilo porque tanto a embreagem quanto o câmbio são extremamente macios.

Para o uso urbano o pé esquerdo vai trabalhar bastante, mas em viagem pode esquecer em sexta marcha porque tem acelerador de sobra. Cheguei a 160 km/h no plano, mas ainda tinha acelerador. Nesta velocidade nem pense em tirar uma das mãos do guidão porque a frente chacoalha e o coração vai na faixa vermelha.

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DEsenho que lembra a irmã maior Street Twin 900. (Foto: Tite)

A partir de 6.500 RPM a vibração é mais sentida nos pés e nas mãos. O guidão é colocado direto na mesa superior, sem coxins. Mais uma vez sou obrigado a esclarecer que é normal para motores de um cilindro. Quer moto “lisa” tem de ser a partir de três cilindros!

E se encontrar alguma semelhança com o motor da Bajaj Dominar 400 não é mera coincidência, porque esta Triumph foi desenvolvida em conjunto com a indiana Bajaj e montada em Manaus.

Calçada com os pneus Pirelli Diablo Rosso III pode inclinar à vontade nas curvas. Aliás, sobra pneu, porque mesmo lixando as pedaleiras ainda sobrou 1 cm de pneu pra chegar no limite. Trechos cheios de curvas é uma diversão garantida, mas mais uma vez o guidão poderia ser um pouco mais estreito.

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Recorte no tanque aumenta o ângulo de esterço. (Foto: Triumph)

Em termos de ergonomia achei a posição das pedaleiras muito bem projetadas. Não é muito recuada, nem tão no centro. Consegui manter minha velha carcaça nesta posição por mais de 250 km sem parar nem pra abastecer, porque a autonomia desta moto é impressionante: segundo o indicador de consumo, minha média geral durante o teste foi de 35 km/litro, para um tanque de 13 litros, o que dá mais de 450 km sem abastecer. Claro que não dá pra confiar no indicador, mas pesquisando em várias publicações nacionais e estrangeiras vi consumos variando entre 25 e 31 km/litro. É moto pra pão duro mesmo.

Ah sim, andei por estrada de terra. Ela não foi feita pra isso, mas na minha modesta opinião, esta Triumph é exatamente o que as motos eram no meu tempo: versátil, do tipo que topa qualquer parada. À parte o pneu esportivo ser mais “duro” eu pilotei normalmente e coloquei o controle de tração pra trabalhar pesado. Funciona mesmo! Sempre defendi a tese que fora-de-estrada é 80% piloto e os filmes no YouTube de malucos viajando na terra com motos carenadas estão aí pro comprovar. Mas esta Speed 400 aceita muito bem o desafio. Só recomendo pilotar em pé, apoiado nas pedaleiras, se não quiser fazer ovos mexidos.

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Versão azul. (Foto: Triumph)

A suspensão dianteira só tem regulagem de altura, enquanto a traseira com monoamortecedor tem regulagem na pré carga da mola. Eu deixaria um pouco mais “mole” do que a regulagem padrão, especialmente para rodar pelas ruas esburacadas.

Engenharia

Bom, quando testo motos deste nível de qualidade, nem perco muito tempo comentando sobre freios, suspensão, ângulos de cáster, essa chatice toda. Mas uma das mudanças que eu faria se tivesse essa moto seria trocar as manetes por versões esportivas, mais curtas, porque o freio é tão progressivo e a embreagem é tão macia que dá pra usar apenas dois dedos.

Sobre os freios uma curiosidade. A marca Bybre pode sugerir um produto desconhecido, mas na verdade é a junção de By Brembo, porque são desenvolvidos pela Brembo, marca super conhecida e confiável. Na dianteira um disco fixo, com pinça radial. Na traseira disco rígido, com pinça flutuante, ambos com ABS. Nesta Speed não tem opção de desligar o ABS, mas na Scrambler pode desligar o ABS traseiro.

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Versão preta. (Foto: Triumph)

Ainda no capítulo “e mais”, ela conta com farol com luz diurna (mas não esqueça de ligar o farol principal à noite) e um muito útil cabo de entrada USB para carregar os gadgets preferidos.

Uma das primeiras boas impressões ao pegar esta Triumph foi o baixo peso. Esperava algo mais pesado por causa do tamanho do tanque. Com magros 170 kg (graças ao farto uso de alumínio e ligas leves) é fácil de manobrar e surpreendentemente o guidão esterça bastante, mesmo com o radiador na frente do motor. O tanque de gasolina tem recortes para encaixar os amortecedores dianteiros (invertidos) e faz toda diferença, quando comparado, por exemplo, com a Kawasaki Z 400, ou KTM Duke 390.

Ah sim, o preço. Não sei nunca afirmar se é caro ou barato, mas a tabela é R$ 29.990. Nesta hora sempre tem alguém que comenta “por este valor dá pra pegar uma Bonneville 900 usada”, mas repito: não se compara preços de veículos novos com usados. Depende de cada um e é mais fácil e barato financiar um veículo zero km.

Dá pra resumir essa Speed 400 como confortável, econômica e divertida.

Ficha Técnica
Motor: monocilindro, DOHC e refrigeração a água, 398 cm³

Diâmetro x curso: 89,0 x 64,0 mm

Câmbio: seis velocidades.

Potência máxima: de 40 CV a 8.000 RPM

Torque máximo 3,82 kgf.m a 6.500 RPM

Suspensão dianteira bengalas invertidas com 43mm de diâmetro e 140mm de curso

Suspensão traseira: monoamortecida, regulável, 130 mm de curso

Freio dianteiro a disco simples com pinça radial

Freio traseiro a disco simples

Pneu dianteiro 110/70-17

Pneu traseiro 150/60-17

Quadro: tubular com subframe de aço e balança de alumínio

Comprimento total 2.230 mm

Largura total 814 mm

Entre-eixos 1.377 mm

Altura do assento 790 mm

Peso (seco) 170 kg

Tanque de combustível 13 l

Cores: vermelho, azul e preto

 

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