Use a bike, seja feliz, mas não encha o saco!
Ainda na moda da lista de “coisas que nos enchem o saco” agora é a vez de mexer com essa nova religião chamada “ciclo-ativista”.
Começa logo por essa denominação: ciclo-ativista! Quem usa carro é motorista. Quem usa moto é motociclista. Quem anda a pé é pedestre. Mas quem usa bicicleta é ciclo-ativista. Por quê? Desde quando meio de transporte é ativismo? Aí está: tem gente tratando o meio de transporte e mobilidade como bandeira para ativismo fashion. Comecei a andar de bicicleta quase um bebê. Antes de mim, meu pai foi ciclista de competição e corria com uma Peugeot. Antes dele meu avô era ciclista. E ninguém enchia o saco dos outros por causa disso.
Na primeira oportunidade meu avô comprou uma moto. Meu pai comprou um Gordini e eu ganhei uma moto com 12 anos. E nunca enchemos o saco de ninguém. Por que os neo-ciclistas que começaram a pedalar ontem enchem tanto o nosso saco? Acho que isso dá uma ideia da lista que vem abaixo.
1 – Demonizar os veículos motorizados. A última moda entre ciclistas é induzir a sociedade a acreditar que as montadoras de carros estão por trás dos grandes problemas de urbanização e mobilidade urbana. Mas quando eles nasceram foram levados da maternidade para casa dentro de um veículo motorizado e não na garupa de uma bicicleta. Quando ficam gravemente doentes vão para o hospital dentro de uma ambulância motorizada e não na garupa de uma bicicleta. E quando morrerem seus restos serão levados em um coche funerário e não em uma charrete puxada por uma parelha de ciclistas. Portanto o motor é muito bem vindo quando lhe convém.
As grandes montadoras já estão há décadas investindo em veículos elétricos, compactos e até em bicicletas! Não será uma manifestação de ciclistas pelados com pelancas que irá transformar o perfil da mobilidade urbana. As grandes corporações já estão de olho nesse mercado e a cada manifestação eles agradecem porque tem a certeza que continuarão faturando. A palavra que precisa enfiar na cabeça dos neo-ciclistas de sapatilha é COMPARTILHAMENTO de modais. Ônibus e trens com lugar para levar bicicleta; bicicleta feita para caber no porta-malas de um carro, como o exemplo da Ford. Em suma, em vez de demonizar, compartilhar o que cada veículo tem de bom.
2 – Espírito corporativista. Filho(a) pedale sua bike, vá para o trabalho, para a faculdade, vá vagabundear, fazer o que quiser, mas não faça disso uma religião! Não precisa ser um “líder” nem evocar o espírito de corporação porque essa é a mola propulsora do regime militar e do fascismo que você critica. Essa coisa de “siga o líder” pega bem nas forças armadas, mas não entre amigos civis. Convide os amigos para um rolê, mas não queira ser melhor do que ninguém. Uma das cenas de corporativismo mais decadentes que presenciei foi um grupo de nightbikers descendo a avenida Rebouças. Quando fechou o farol dois ciclistas fecharam a avenida Henrique Schauman para que os motoristas não atravessassem até a última bicicleta passar. É a prova de um corporativismo burro e sociopata, porque quer mostrar à sociedade que bicicleta tem uma prioridade que não tem! O ciclista tem de respeitar para ser respeitado, como qualquer cidadão. Quando um sinal de trânsito diz “pare” é para parar. Simples assim.
3 – I ‘m the best, fuck the rest. O que causa guerras no mundo inteiro, desde que o homem saiu das cavernas são dois conceitos: da propriedade (terras) e religião. A mais cruel de todas é a religiosa (e étnica) porque mexe com o inconsciente coletivo e inculca nas pessoas a ideia de que uma religião (ou etnia) é melhor que a outra. E não é!
Os ciclo-ativistas agem dessa forma ao tentar nos impor que a bicicleta é melhor do que os outros modais de transporte! Bom, parte dessa crença religiosa vem do fato de a maioria viver em grandes cidades, no clima ameno e temperado do Sudeste. Vai para Mossoró (RN) perguntar para o cabra que acorda às seis da manhã já com o sol à pino e temperatura de 36ºC se ele acha melhor pedalar uma Barraforte ou dirigir um carro com ar-condicionado?
Não existe o conceito de “melhor”, porque, na verdade, isso é um pré-conceito. Tem situações que a bicicleta é ótima opção, mas em outras não. Simples assim... Não queira nos empurrar sua filosofia goela abaixo!
4 – Vejam eu aqui! Parece que o ciclo-ativista tem uma necessidade vital de mostrar à sociedade o quão descolado é. Mais uma vez presenciei uma cena bizarra: durante um Fórum de segurança um ciclista armou uma pequena confusão porque quis levar sua bicicleta pelo elevador até a sala de convenção! E vestido com aquele traje discreto de porteiro de circo. Optar pela bicicleta como meio de transporte é saudável, contribui para reduzir os efeitos da poluição e deixa a cidade mais humana, mas não precisa mostrar isso pra ninguém! Mais uma vez cito o exemplo da religião: seja religioso, fervoroso, tenha sua crença, mas não esfregue seus ícones na minha cara!
5 – Informe-se mais e melhor! Em outro debate sobre modais de transporte uma ciclo-ativista levantou a questão da poluição dos veículos automotores e citou um dado sobre emissões das motocicletas de 1992!!! Hoje os veículos automotores poluem bem menos do que há 20 ou 30 anos. Claro que em um país pobre vamos confrontar com a realidade de uma frota antiga e mal conservada. Mas é preciso se atualizar e saber que hoje a indústria e a pecuária são os maiores vilões do meio ambiente. A queima de combustível fóssil causa sim doenças e mata tanto quanto acidente e violência. Mas hoje carros e motos modernos vendidos no Brasil estão sob um dos regimes de emissões mais rigorosos do mundo. E vai ficar mais ainda! Se caminhões e ônibus a diesel ainda emitem fumaça preta aos rolos é reflexo da falta de fiscalização. E seja um pouco menos ingênuo do ponto de vista ambiental: o quilo de picanha que se consome causa um estrago muito grande no meio ambiente, mas o churras é sagrado! Quer um planeta melhor? Continue pedalando, mas pare de comer carne!
6 – Pedalar por esporte é uma coisa; por necessidade é outra! Outra coisa que me irrita a ponto de desandar os intestinos é confundir necessidade com moda. Existem dados que mostram que o mercado de bicicletas no Brasil vem caindo desde 2008 (http://www.abraciclo.com.br), enquanto o mercado de motos cresceu. Aliás, basta cruzar os dados de vendas de motos x bicicletas para entender o que é moda e o que é necessidade. Quando as vendas de motos crescem caem as de bike; quando as vendas de motos caem crescem as de bike. Quem sabe interpretar números percebe que a moto é o objetivo do ciclista que realmente usa como meio de transporte e não por modismo. Quem roda o interior do Brasil vai ver a quantidade gigantesca de bicicleta popular circulando. São as primeiras a perder o mercado para as motos, porque esse cidadão não vê a hora de sair do pedal para entrar no mundo motorizado.
Já nas grandes cidades a bicicleta ganhou outro status de necessidade, por causa do trânsito insuportável, aliado a um programa de ampliação das ciclovias e ciclofaixas e introdução da “cultura da bicicleta”. Mas essas bikes são mais sofisticadas e geralmente estão nos pés de quem tem um veículo motorizado na garagem, seja carro ou moto. É uma necessidade que foi criada para compensar parte das perdas de mercado com a popularização das motos.
Quando alguns ciclistas demonizam as montadoras de carros e motos mostram outra face da ingenuidade política. Quem é o maior interessado na ampliação do uso de bicicletas caras nos centros urbanos? O seu plano de saúde ou os fabricantes de bicicletas? Ou os dois? No mundo capitalista vale tudo para aumentar vendas, inclusive criar um cenário de comoção social para gerar uma nova necessidade de consumo. Quer mais um dado curioso? O mercado de bicicletas no Brasil cai a cada ano. Mas quando saímos às ruas das grandes cidades o que vemos é mais bicicleta circulando. Não, elas não procriam na garagem, é apenas o reflexo dessa necessidade de criar um novo apelo de consumo: grande parte dessas bicicletas estavam guardadas em algum canto, só vieram para as ruas porque surgiu uma condição nova, que são as ciclovias, que é o próximo assunto.
Ciclovia, um bem necessário!
7 – Eu pedalo onde quiser. Não, não e não! Fiquei chocado quando li recentemente um artigo de uma ciclo-ativista “formadora de opinião” pregando a simples desobediência às leis de trânsito pelos ciclistas. Vamos com calma: os ciclo-ativistas querem proporcionar um novo modelo de sociedade, querem criar um mundo melhor, com harmonia e respeito mútuo. E pretendem fazer isso desrespeitando as leis de trânsito? Eu trabalho com segurança viária há 30 anos e não gosto da expressão “leis de trânsito”, porque pressupõe leis válidas só para quem está usando veículos motorizados. Prefiro o termo EDUCAÇÃO NO TRÂNSITO, porque isso inclui pedestres, ciclistas e usuários de transporte coletivo. Mais: gosto de começar minhas palestras afirmando que o trânsito nada mais é do que uma organização social e respeitar essa organização é o primeiro passo para a cidadania. Quando um ciclista age como se não existisse lei seu lado cidadão vai pro esgoto. Me irrita profundamente essa sensação de só porque uso um veículo que “não polui e é ambientalmente correto, então tenho mais direitos que você”. Coisa nenhuma! Tem direitos e deveres iguais.
A ciclovia (e ciclofaixa) é uma realidade e nem adianta gritar, xingar, espernear porque é um caminho sem volta e uma necessidade. O prefeito de São Paulo precisava tomar a iniciativa, mesmo às custas de um inferno de críticas, para despertar o assunto na sociedade. Agora o próximo passo é avaliar o que funciona, o que não funciona, o que pode melhorar e o que tem de desaparecer.
Mas no meu último passeio de bicicleta ainda vi ciclistas rodando pela calçada, fora da ciclovia, afinal ele aprendeu que bicicleta está acima da lei!
E mais: fique 10 minutos em qualquer ciclovia de uma grande cidade, aos domingos e repare como as pessoas se comportam. Vamos precisar de anos de investimento em educação para começarem a entender como funciona a vida em sociedade. Em qualquer país de mão francesa (volante do lado esquerdo) em qualquer via, com qualquer veículo, inclusive a pé, quem vai devagar se posiciona à direita da via, para deixar a esquerda livre pra quem quiser passar. Nunca vi um pai ensinar isso ao filho. Nem na estrada, nem na rua, na calçada, nunca! A bicicleta deveria ser uma mini-escola de trânsito, mas quem ensina desconhece ou pouco se importa com a lei.
Ensine desde pequeno que bicicleta tem duas rodas
8 – Usar rodinhas laterais. Aqui é uma irritação antiga e exige uma explicação longa. Bicicletas são veículos de duas rodas tandem, uma na frente e outra atrás. Como tal tem um equilíbrio todo balanceado pelo esterçamento do guidão e auxiliado pelas rodas em movimento. Aí o papai pega uma pequena bicicleta, equipa com duas rodinhas laterais e entrega para o pimpolho. Só que essa coisa deixou de ter duas rodas e passou a ter QUATRO rodas, um veículo que se equilibra pelo contato de quatro pontos de apoio. Para fazer curva em um veículo de quadro rodas é preciso virar o guidão e se apoiar na roda externa. Ou seja, para virar à esquerda a criança vira o guidão para a esquerda e apóia o peso no rodinha do lado direito, inclinando a bicicleta ao contrário da curva.
Pois bem, quando a criança se sente à vontade o pai vai lá e tira as rodinhas laterais. A bicicleta volta a ser um veículo de DUAS rodas, que para fazer curva é preciso inclinar para o lado interno da curva e virar o guidão ao contrário do sentido da curva. Quando percebe que a criança não pára de cair o pai fica furioso e reclama com mãe!!!
Papais e mamães: se querem que seus filhos aprendam a andar de bicicleta e não de quadriciclo, comece logo em duas rodas. O aprendizado é mais rápido e intuitivo.
9 – Burro de carga. Sou do tempo que chamávamos bicicleta de camelo. Mas ao contrário do animal ungulado, não foi feita para transportar a família, mobília, botijão de gás, etc. Tenha um pingo de bom senso para perceber que aquela cestinha que vai à frente tem limite de peso e é bem menor que o do rottweiler fofo. Muito peso no guidão transfere massa para o eixo dianteiro, desequilibra a bike e pode causar acidente. Não leve criança no guidão nem no cano. Tem cadeirinhas próprias pra isso. E como todo veículo, bicicleta tem limite de carga, leia o manual!
10 – Politizar a diversão. Chega de polarizar o mundo! Desde a Idade Média que o mundo adora se dividir em categorias. Não dá mais pra agüentar essa coisa de cultivar rivalidades. Nenhum ciclista precisa demonizar outros meios de transporte para curtir sua bike. Nenhum motorista precisa passar por cima de um ciclista para provar que é melhor. Nenhum motociclista precisa invadir a ciclofaixa para mostrar que é mega esperto, senhor das ruas. A palavra mágica da mudança é COMPARTILHAMENTO. A sociedade só vai ter harmonia quando todo mundo conseguir entender qual é o seu espaço em relação ao todo. Sou e sempre fui contra moto-faixa, porque a segregação é a raiz do preconceito. Segregar um veículo significa dar um poder que não lhe é de direito. Veículos motorizados precisam compartilhar o MESMO espaço e os usuários tem de aprender a conviver. Já a bicicleta (e skate, patins etc) não tem motor, rodam a baixa velocidade e precisam dar ao usuário uma sensação de segurança e proteção. Por isso precisam sim ser separadas dos veículos motorizados.
E, por favor, usem, curtam, divulguem a bicicleta sem discursos segregacionistas, nem ativismo de iPhone. Quer usar a bike, apenas use! Simples assim!
Capacete é muito simples: usa quem quer, mas não encha o saco de quem não usa!
*11 – Capacete é bobagem. Depois de terminar essa lista chegou-me um artigo que considero uma leitura obrigatória. O autor considera que o capacete de bicicleta é inútil e ridiculariza quem usa a título de proteção. Percebe-se que o autor é jovem, porque se adulto fosse saberia que essa mesma “defesa” foi feita quando exigiram cinto de segurança nos carros e capacete para motociclistas. Papel (e tela de computador) aceita qualquer coisa. Sou jornalista e escritor e já fui contratado por uma grande montadora francesa para redigir um estudo comprovando que a bolsa inflável (air-bag) não é o salva-vidas que se diz. Para isso encontrei vários artigos de especialistas americanos mostrando os riscos da explosão acidental do air-bag, inclusive com relatos e fotos de mortes causada pelo air-bag. Claro que em todos os casos houve negligência por parte das vitimas ao não usar o cinto de segurança, mas isso foi omitido no estudo final. Felizmente a montadora desistiu de publicar esse relatório (mas me pagou, ufa!) e logo depois foi a primeira a vender um carro pequeno com air-bag para o passageiro, porque mostramos que o apelo de marketing da segurança era um bom argumento de venda.
Tudo isso para mostrar que qualquer um pode provar qualquer teoria, desde que escolha as fontes necessárias. O cérebro ainda é um órgão vital. Quem precisa mantê-lo funcionando usa o capacete, quem não precisa dele não usa, pronto, simples assim. Não precisa fazer patrulha nem contra nem a favor, mas saiba que já existe projeto de Lei tramitando para obrigar o uso de capacete em bicicleta e até de placa e licenciamento!!!
Como este é um blog pessoal, preciso me posicionar: sou a favor do capacete, mas contra a obrigatoriedade porque é preciso ensinar e não invadir as liberdades pessoais. Quanto ao emplacamento é uma discussão mais complexa que vai depender muito mais de como os ciclistas se comportarão do que com a fiscalização e arrecadação com eventuais multas.