A Bela na praia de Paraty
Diversão sobre duas rodas tem nome e sobrenome: Hypermotard Ducati
O escritório da Ducati em São Paulo fica ao lado de um shopping center muito bacanudo. A torre de escritórios é tão sofisticada que tem carrinhos elétricos para levar as pessoas até o estacionamento e não se cansar nem se molhar. Até os elevadores são modernos e só depois de aproveitar uma porta aberta e entrar me dei conta que é do tipo que a gente seleciona o andar ANTES de entrar. Preso naquela caixa que subia verticalmente, ao lado de uma belíssima secretária exalando Armani Mania e de um executivo cheirando a Calvin Klein percebi que meu perfumeychó não combinava com aquele lugar. Pior, estava vencido! E o constrangimento só me fazia suar mais...
Assim começou a avaliação da apimentada Hypermotard SP, moto feita por italianos para pessoas de muito cuore! E um tanto de altura. Se você tem um traseiro muito sensível e um coração idem, esqueça a Hypermotard SP. O banco é quase tão duro quanto um mouse pad e o motor é de uma antipatia com os novatos que lembra um coice de mula. Nunca fui em rodeio nem montei touro bravo, mas assim que dei a partida nela senti o chão tremer e meus miúdos idem. Já me imaginei montado em um touro bravo, mas com o sedém (aquele torniquete nas bolas do infeliz) ainda frouxo. Com a moto ainda parada a cada acelerada o crescimento de giro é espantoso, tipo braaaapp mesmo. Uma patada!
Mas depois de engatar a primeira e deixar o motor morrer na primeira tentativa de sair me dei conta que o touro estava com o sedém ajustado e na segunda tentativa dei mais motor, soltei a embreagem e seguuuuuuuuuuuuuura peão!
A Hyper não é uma opção para amadores. A primeira é engatada depois de um sonoro clonc e dá um salto insinuante pra avisar que aqui o cabra tem de ser macho. E a embreagem, bem, se você não tiver nervos de aço, saia de perto, porque a embreagem é da base do tudo ou nada. Se soltar pouco ela fica quietinha, mas basta relaxar mais um pouco e ela sai como um cavalo de corrida. Até acostumar com essa indelicadeza o piloto levará muitos sustos.
Com apenas 1,68 m de altura não alcanço os pés no chão. Ou apóio o direito ou o esquerdo, os dois nem pensar. Para complicar o guidão esterça muito pouco e na primeira tentativa de costurar no trânsito muvucado da Marginal Pinheiros quase preguei na traseira de uma perua (carro).
Essa Hypermotard SP é uma versão incazzata que vem com pneus Pirelli Diablo Supercorsa SP, para servir como cartão de visita do tipo "se tiver coragem monta e acelera". Só tive a chance de pilotar no seco (graças a Deus), mas imagino que no piso molhado o piloto jamais se atreva a inclinar mais de 35º em relação ao eixo vertical porque vai esparramar R$ 65.000 pelo asfalto. No piso seco esses pneus são extremamente perdoáveis, ou seja, mesmo que você incline bem mais do que recomenda o juízo eles vão segurar sua barra.
Para avaliar essa Ducati fui para Paraty e já comecei fazendo uma lambança logo na saída. Como meu cérebro demora pra pegar de manhã, marquei com o fotógrafo um ponto de encontro em uma estrada, mas fui esperá-lo em outra. Tudo bem, meu corpo estava lá mas minha alma ainda estava na cama abraçada ao ursinho de pelúcia. Dei sorte, porque esse erro me fez descer ao litoral pela rodovia maravilhosamente cheia de curvas conhecida como Mogi-Bertioga. Como você sabe, na língua tupi Mogi-Mirim quer dizer "cobra pequena"; Mogi-Guaçu quer dizer "cobra grande" e Mogi-Bertioga quer dizer "a cobra vai fumar". A estrada tem mais curva que intestino delgado! Campo minado para pilotar a Hyper.
Na parte reta da estrada é um tremendo tédio, porque o motor é nervoso e pede pra acelerar, mas sem proteção aerodinâmica minha cabeça parecia que seria desgrudada do pescoço. Fora o barulho e o medo de realmente perder a cabeça por uma linha de pipa com cerol. Foi nessa estrada que peguei (pela quarta vez) uma linha com cerol, que enroscou na carenagem de uma Honda Sahara e cortou o plástico que nem serra tico-tico.
Mas chegaram as curvas. E qualquer vestígio de sanidade mental desapareceu assim que deitei no limite do Super Corsa. Grazzi, Giuseppe Pirelli, che Dio te benedica! Como faz curva, mamma mia! Durante a semana, estrada vazia, uma sequência de curvas de alta, baixa e média velocidades, asfalto de boa qualidade e me senti mais feliz que cachorro em churrasco! É disso que um homem (ou mulher) precisa de vez em quando para fazer o sangue ferver. Só fiquei pensando uma coisinha: imagina eu com essa moto num autódromo! Só vou sair de cima com um pé de cabra!
Na Hyper SP o objetivo é claramente divertir. Suspensões de caráter esportivo que atendem pelos nomes de Marzocchi na frente e Öhlins atrás, uma dupla ítalo-sueca totalmente regulável para garantir até o mais pentelho dos perfeccionistas encontrar a medida ideal para o estilo de pilotar. O purosanguismo dessa moto se revela ainda em algumas peças de estilo racing, como pára-lama dianteiro de carbono, as maravilhosas rodas Marchesini e o gerenciamento do motor com três opções: wet (pra chuva), sport e race. Para rodar no trânsito ou no piso de pedras de Paraty a melhor opção é o wet, que limita a potência a 75 CV. Mas na estrada o bom mesmo é o Sport, que sobe para 110 cv. E se tiver em uma pista, ou simplesmente quer saber como é a vida derrapando, coloque no Race, mas saiba que o ABS irá atuar apenas na roda dianteira e seguuuuura, peão, porque a cavalaria fica xucra!
A grande diferença dessa Hypermotard para a versão anterior é a substituição do motor 1100 a 90º pelo nervosíssimo 821 a 11º. Apesar do downsizing a potência foi upsizada de 95 para 110 cv e o arrefecimento passou de ar+óleo para líquido de verdade. É tipo encontrar aquela mina insossa do seu colégio, 10 anos depois, com cabelo pintado de ruivo, 300 ml de silicone em cada lado e toda tatuada. Vai sair testosterona pelo ouvido.
Quadro de treliça: obra de arte!
Na verdade não tem nem um parafuso sequer do versão anterior e o motor com ângulo mais fechado fez reduzir também a distância entre-eixos o que deixou a Hypermotard SP ainda mais estável em curva. É difícil descrever em letrinhas o que significa pilotar essa moto em cenário como a Rio-Santos, entrando nas curvas inclinado e ainda vendo o mar lá no horizonte. Um privilégio difícil de formatar do meu HD.
Sufoco em Paraty
Cidade pra lá de charmosa é fácil considerar Paraty como um dos pontos turísticos mais importantes do eixo Rio-SP. Tem atividades culturais e gastronômicas o ano todo, além da tradição de produzir boas cachaças nos alambiques locais. Claro que provei várias, porque tive o bom senso de dormir lá e continuar o teste no dia seguinte, com o corpo descansado e o fígado destruído.
É bom avisar que essa Ducati é para poucos. Não só pelo preço de aquisição (favor conferir no site porque não gosto de falar de dinheiro), mas a posição de pilotagem é bem agressiva. Nessa viagem tive a chance de também pilotar a Hyperstrada, uma versão estradeira mais mansa para duas pessoas. Mas chamá-la de big trail é um exagero. No máximo ela é uma opção divertida de levar a companheira pra uma viagem, fingindo que é uma moto touring. Jamais seria comparável a uma BMW F 800GS, Triumph Tiger 800, etc. O motor vibra em excesso, especialmente na faixa entre 3.500 e 4.500 RPM e na velocidade de cruzeiro a 120 km/h o conta-giros revela 5.000 RPM.
Mas se quiser moleza a Ducati Hyperstrada é uma espécie de meio-termo, que vem com os versáteis Pirelli Scorpion Trail, com vocação 80% asfalto, de bom grip no seco e molhado. Ela foi minha companheira de viagem com o fotógrafo Beá. Chegou mesmo a surpreender como a Hyperstrada se comportou nas curvas da deliciosa Rio-Santos. Em termos de versatilidade, obviamente que essa versão estradeira representa uma enorme vantagem por permitir até discretas incursões em estradas de terra, enquanto a Hyper quer mesmo asfalto e, quer saber, bom mesmo é autódromo ou kartódromo, o resto é um tedioso percurso.
Olhando para o caráter esportivo pode-se até imaginar um enorme consumo de gasolina. Outra surpresa, porque é mais econômica do que algumas motos da mesma categoria. Pilotando no modo Sport é capaz de passar de 21,5 km/litro facilmente, sem preocupação alguma. Mas quando no modo "mãe na zona" ela fez média de 20,5 km/litro. Já na opção Wet, ou salada de chuchu ela se equivale às versões mais mansas. O que mais estraga o consumo é o ronco maravilhoso desse motor e a forma como sobe de giro. Pena que eu não grudei a GoPro para gravar essa música, porque a hora que abre o acelerador (wireless) o motor praticamente grita de forma imoral. Pilotar essa moto de forma normal é um tremendo exercício de auto-controle digno de padre jesuíta.
Ninguém escolhe uma moto como a Hypermotard SP impunemente. Ela é alta (890 mm do banco ao solo) e pilotos com menos de 1,75m ficarão esticados como um bailarino flamenco. O guidão esterça muito pouco, o que atrapalha bastante na cidade, a embreagem é dura e quando roda em baixa velocidade o motor esquenta a ponto cozinhar os ovos do piloto. Não há outra justificativa para escolher esse modelo que não seja o irracional prazer de acelerar. Na estrada, em linha reta, é como se usasse um cavalo de corrida para levar criança no sítio. A moto fica impaciente e pede acelerador!
Difícil é fazer a roda dianteira ficar no chão!
O dia amanheceu ensolarado na histórica Paraty e já me preparei para o sofrimento: pilotar essa cabrita naquelas pedras redondas e escorregadias. Não tem como ser mais dura e o piloto sente até um palito de sorvete no asfalto. Imagine o que foi rodar com ela nos pisos de pedras redondas colocados pelos escravos no século XVI!
Depois de visitar várias vezes Paraty o turista pode observar uma curiosidade sobre o pavimento: no meios das ruas foram colocadas pedras mais bem talhadas e no sentido longitudinal, formando uma espécie de passarela perfeitamente alinhada e lisa. Ninguém soube explicar o motivo, mas bastou observar as charretes para perceber que é nessa passarela que os cavalos pisam, escapando do risco de torcer uma pata. Mas também é muito útil para mulheres de salto alto, bêbados e quem se atrever a entrar montado em uma Ducati Hypermotard. Outra curiosidade é que a cidade fica no mesmo nível do mar e algumas vezes por dia a maré invade as ruas, deixando um limo feio e escorregadio. Nem pense em passar de moto por cima!
Implorei quase de joelhos para não ter de rodar nesse piso, mas quem convence um fotógrafo? E como evitar passar na frente de casarões antigos com um cenário só visto em Ouro Preto, MG? Azar o meu que todo equipado suei mais que tampa de marmita e praticamente exorcizei uma pontinha de ressaca.
Na volta para São Paulo tive a chance de pilotar a Ducati à noite e apesar de o farol parecer pequeno, o facho luminoso surpreendeu. O painel também tem boa leitura, mas uma quantidade muito grande de informações. Com o computador de bordo pode-se saber o consumo instantâneo, médio, velocidade média do percurso, tempo de percurso, dois trips parciais, temperatura do líquido de arrefecimento, do ambiente, hora e tem ainda o lap time que cronometra os tempos de volta em uma pista. Coisa pra apaixonado. Os modos de potência podem ser alterados com a moto em movimento, mas com o acelerador fechado. Também é possível alterar parâmetros do motor, controle de tração e ABS. Aqui também é saudável deixar como vem de fábrica ou só mexer com o manual do lado.
Na subida da serra entre Paraty e Taubaté várias vezes a roda dianteira saiu do chão e fui ficando cada vez mais animado até a primeira escorregada colocar ordem no meu galinheiro e maneirar, afinal mesmo não sendo minha odeio a ideia de levar um estabaco durante teste. Pilotar essa Ducati não é pra qualquer um.
Se você leu tudo isso e ficou inclinado a comprar a Hypermotard SP para posar de moderno na turma, um conselho: aprenda a pilotar primeiro. A coisa mais fácil é ver a frente empinar sem saber como trazê-la de volta pro chão. O limite dos pneus é altíssimo, assim como a moto, se quiser fazer curva pendulando como se estivesse numa esportiva vai se dar mal, precisa adotar a postura de pilotagem do supermotard, em pé, como no motocross e a moto inclinada. Outro conselho: nem chegue perto dos controles de subida de giro do motor, ABS e tração, a menos que seja muito experiente, porque a chance de dar merda é altíssima. Como diria meu avô italiano: é una moto per profissionisti!!!