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Mais que ciclovia

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O desafio de se mover em uma cidade com 12 milhões de pessoas

 

O tema está na pauta de qualquer conversa e dominou as redes sociais: as ciclovias e ciclofaixas em São Paulo. Se para você é uma novidade, isso sim é o primeiro grande erro ao tratar do assunto mobilidade urbana.

 

Só para lembrar da minha velha teoria do caos, acredito fielmente que as decisões na administração pública em São Paulo são tomadas sempre quando o caos já está implantado. Não existe o menor vestígio de planejamento. Primeiro a cidade precisa chegar no limite para depois tomarem medidas desesperadas e que geram resultados insatisfatórios.

 

Para comprovar o que estou afirmando, em 1981 - nada menos que 33 anos atrás - trabalhei em um projeto da Comgás, junto com a Prefeitura que tinha como objetivo nada menos do que implantar uma rede de ciclovias que ligaria as principais avenidas e - veja você - aproveitando as margens do rio Pinheiros. Esse projeto - com centenas de páginas, desenhos, plantas etc - foi solenemente arquivado e deu no que deu: o caos!

 

A pergunta que fica é: por que demorou tanto para essa ideia ser desengavetada? A única resposta que consigo vislumbrar é a mais pura falta de interesse. Na mentalidade dos administradores públicos as boas ideias só são válidas se vierem atreladas a algum interesse político. Tenho pena de quem acha que essas polêmicas ciclovias criadas às pressas em São Paulo foram resultado de uma ação planejada e estudada. Que nada, foi a velha correria para tirar proveito político.

 

Naquele projeto de 1981 o alvo era o usuário da Caloi Barra Forte ou Monark Barra Circular, que usa a bicicleta porque precisa e não aquele que usa por ativismo ideológico. Por isso o projeto começava na zona leste e era interligado com transporte coletivo (antes do metrô). Previa a criação de bicicletários com armários, banheiros e segurança.

 

Barraforte, essa é de respeito!

 

Menos carro, mais problemas

Hoje a consciência ecológica elegeu o carro como o inimigo público número um, a ponto de criar o Dia Nacional Sem Carro, embora jamais eu tenha ouvido falar em Dia Nacional Sem Corrupção, Dia Nacional Sem Criança Fora da Escola etc. Depois de incentivar, produzir e gerar a necessidade por automóvel por mais de 50 anos, a administração pública de São Paulo decidiu demonizar o automóvel e desviar a verdadeira incapacidade de gerenciar o sistema viário.

 

A mais nova sugestão é aumentar para dois dias por semana o rodízio municipal de veículos. Essa medida tem o mesmo efeito que aumentar o tamanho do balde para resolver o problema de goteira! Não cura a doença, só elimina o sintoma! E a Prefeitura aproveita a onda ativista contra os automóveis para promover uma falsa ideia de "antenada com a consciência ecológica". Mentira da grossa! Se houvesse mesmo essa preocupação já não teríamos mais nenhum ônibus movido a óleo diesel rodando pela cidade. Essa medida é essencialmente política e não técnica e baseada em uma pesquisa fajuta com 700 munícipes num universo de 11 milhões de pessoas! Beira o ridículo!

 

Outra teoria que defendo desde o longínquo 1981 é que não se pode importar soluções holandesas para implantar em uma realidade paulistana. As cidades europeias existem há mais de 2.000 anos e o cidadão aprende a viver em sociedade de forma organizada desde que nasce. São Paulo existe como sociedade organizada há pouco mais de 150 anos e o resultado é o que se viu logo nos primeiros dias de implantação das ciclovias nos bairros: carros estacionados nas ciclovias vazias e comerciantes furiosos!

 

Bicicleta popular, solução inteligente

 

Ficou evidente para qualquer pessoa que essas ciclovias foram implantadas às pressas, sem um estudo de impacto na região não só do ponto de vista de mobilidade, mas também de como iriam afetar os comerciantes, profissionais e moradores. Foi no melhor estilo do "faz e depois a gente vê como fica"... o que comprova o caráter mais eleitoreiro do que prático.

 

Evidentemente os ativistas são a favor da teoria do caos, tipo "uma hora teria de ser feito, não podia mais adiar". Adiar??? O primeiro projeto data de 1981, como assim adiar? Se fosse respeitado o primeiro projeto essas ciclovias já estariam todas implantadas há décadas, funcionando e operando sem causar o menor furor.

 

A cegueira ativista não enxerga o óbvio: São Paulo (e o Brasil) é dependente da indústria automobilística desde os anos 1950. Foi nos pátios das indústrias da região do ABC que nasceu o partido político que comanda o Brasil e a cidade de São Paulo. A indústria tem um peso fundamental nas decisões políticas e econômicas, dizem quando e quanto querem pagar de impostos e usam como poder de barganha a eterna ameaça de demissões em massa. O medo de mexer com esse poder econômico foi que impediu por décadas que se investisse em melhoria no transporte público, ou na implantação das ciclovias.

 

Agora, como um tratamento de choque, o prefeito quer demonizar o automóvel por meio de canetadas desqualificadas e inofensivas. Percebe o tamanho do buraco?

 

E as motos?

Tratar de mobilidade urbana não se limita a atender reivindicações de ativistas, vai muito além disso. Por exemplo, cansei de escrever que em uma cidade com 11 milhões de habitantes quanto menos as pessoas se deslocarem melhor. Não há milagre que faça seis milhões de veículos circularem harmoniosamente. Portanto nessa batalha por mais mobilidade não se mover, ou mover-se o mínimo possível, é uma opção. Aqui entram os profissionais de recursos humanos que devem olhar com especial atenção para o endereço dos candidatos à vaga. Se puder fazer essa pessoa se deslocar menos, melhor.

 

Outro papel dos profissionais de recursos humanos é garantir a segurança e saúde dos funcionários. Não dá para aceitar como normal que um trabalhador gaste quatro horas por dia só para se deslocar ida e volta para o trabalho. Reduzir esse tempo pela metade permitiria que essa pessoa investisse em qualificação profissional, saúde e até lazer.

 

É nessa hora que entra a motocicleta como opção de mobilidade. Mas falar em moto para um gerente de RH é quase um palavrão. Porque o peso - inclusive financeiro - por um afastamento de trabalho por acidente de trânsito soa como pesadelo. Não passa pela cabeça desse profissional de recursos humanos (que, acredite, cursou uma faculdade) investir no treinamento e qualificação do motociclista. Ele prefere proibir, isso mesmo, proíbe ou desqualifica o candidato que usa moto para se deslocar.

 

Mas o pesadelo dele vai piorar. Hoje o ativismo está incentivando o uso da bicicleta como meio de transporte com propostas como redução de impostos às empresas que conseguirem uma diminuição das emissões de carbono. É a receita certa para desandar a maionese de vez, porque estou só lendo, ouvindo e vendo medidas como criação de bicicletários, vestiários, para estimular o uso na magrela mas até agora não vi uma só medida no sentido de ENSINAR essas pessoas a como se comportarem no trânsito!

 

Preparem-se para um crescimento na acidentalidade semelhante ao que aconteceu com as motos nos últimos 20 anos. Vamos incentivar o uso da bike mas não vamos ensinar como atravessar a rua, em qual lado da via se colocar, respeitar a calçada e os pedestres e em breve os mesmos profissionais de RH que estimularam o uso da bike estarão propondo a desativação dos bicicletários e vestiários. É o mesmo filme que vimos acontecer com as motos. De solução para o trânsito, hoje a moto é a vilã que ainda causa mais engarrafamento a cada acidente.

 

Tudo consequência de uma doentia incapacidade de executar a tarefa mais primordial de qualquer projeto urbano: PLANEJAMENTO! Esse conceito é tão abandonado que estou aqui escrevendo sobre uma "novidade" sugerida 33 anos atrás! Ao contrário do que os ativistas adoram alardear, ciclovia não é uma necessidade urgente, porque a urgência é a mãe de todo esse caos. Na verdade ela tem nada de urgente, a ciclovia em São Paulo está três décadas ATRASADA. Não se corrige um erro de 30 anos pintando um pedaço de rua.


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