Na moto versão "de rua" não se vê o radiador. (Fotos: Mário Bock)
Sim, conheça a rara Yamaha DT 180 com arrefecimento líquido.
Mais uma do fundo do baú. Durante a arrumação dos meus armários achei a revista Duas Rodas de 1984 que inaugurou minha colaboração como jornalista especializado. Foi a minha primeira participação como colaborador, por isso guardei um exemplar. Mas mais do que isso, levei um susto quando li na capa: “teste completo Yamaha DT 180 refrigerada a água”
Já não lembrava mais que isso existiu. Pra dizer a verdade, acho que ninguém nem sabia disso. Mas existiu sim. Uma empresa de São Paulo produzia kits de arrefecimento líquido para a DT 180. Acho que não fez muito sucesso, não sei, porque o teste não foi muito convincente. E logo depois a Yamaha lançaria a DT 200 com arrefecimento líquido.
A propósito cabe uma reparação história: o termo “refrigerada” a água é um erro grave. Conceitualmente, considera-se refrigerar a condição na qual a temperatura da água (ou ar) fica mais baixa do que a temperatura ambiente. Por exemplo, o ar-condicionado refrigera um ambiente. No caso dos motores, o termo correto é ARREFECIMENTO, porque o objetivo é apenas reduzir a temperatura, mas não abaixo da do meio ambiente. Se estiver fazendo 15ºC seria impossível manter um motor a 14ºC. Também não se usa “água”, mas LÍQUIDO, porque aquilo que vai dentro do radiador é uma solução de água + etileno glicol. Mas eu mantive o texto original da época.
Outra curiosidade: a moto com kit de arrefecimento líquido apresentou um rendimento menor do que a moto original. Mas as medições foram feitas separadamente. A original foi medida pelo Gabriel Marazzi, já a “líquida” foi medida pelo pai dele, o Expedito Marazzi, maior e mais pesado. Em uma moto com motor dois tempos a massa faz muita diferença.
Curta essa raridade e aguarde porque vem mais. O texto é de autoria de Gabriel Marazzi, com copydesk de Roberto Araújo. As fotos são do museólogo Mário Bock.
Yamaha DT 180S refrigerada a água
Recurso já disponível no Exterior até em modelos menores. A refrigeração a água – criada pela Draguem em forma de kit para Yamaha DT 180S e para MX 180 – apresenta pelo menos duas vantagens em relação ao sistema convencional: mantém a temperatura do motor no nível ideal e permite melhor preparação.
O desempenho não alterou nadica de nada.
À primeira vista parece uma Yamaha DT 180S igual às outras. Só que na parte superior do motor monocilíndrico de dois tempos não existem as aletas de refrigeração, e do lado esquerdo nota-se um radiador estreito e alto. Trata-se realmente de uma Yamaha DT 180S, só que com um kit para refrigeração líquida recurso ainda não disponível em qualquer motocicleta de linha produzida no Brasil.
Esse kit, feito pela empresa paulista Draguem, pode ser usado tanto na DT como na Yamaha MX 180 (só que para a MX o radiador é colocado na parte superior das bengalas, no local onde seria o farol). Conta com o cilindro do motor, o cabeçote de alumínio, radiador para a água, mangueiras, anéis, pinos, travas e braçadeiras. Todo o restante de peças é mantido original, inclusive pistão e biela.
A vantagem que esse sistema oferece em relação ao original aparece principalmente em locais de muita lama, onde o motor deve render o máximo e o barro que se junta no motor dificulta a passagem de ar pelas aletas, prejudicando o resfriamento e provocando uma diminuição de potência. Com o kit, além de não haver aletas que acumulam barro, não é o ar que refrigera diretamente o motor, e sim a água que circula por ele internamente. Nesse caso, a preocupação foi a de colocar o radiador a uma altura em que a lama não o atingisse, como na MX, o que para a DT implica na retirada do farol.
Em situações normais, a refrigeração à água não é tão necessária, e o sistema de refrigeração a ar original de fábrica mostra-se adequado para uso na cidade. No trail a utilização do kit para refrigeração líquida é mais vantajosa, porque permite que um motor de pequena capacidade cúbica tenha um melhor aproveitamento, em altas rotações, sem superaquecimento, e é inclusive uma solução que a própria Yamaha Japão utilizou para a sua DT 125 LC.
Motor
Uma característica do conjunto Draguem é a não utilização de bomba para impulsionar a circulação da água, como ocorre na maioria dos motores refrigerados à água de automóveis e de algumas motocicletas. Para refrigerar o motor de dois tempos e 176cc da DT, a água é impulsionada por um fenômeno físico conhecido por "termo-sifão'" e que se torna bem simples de ser aplicado em motores onde o radiador pode se situar a uma maior altura que o motor, como nas motocicletas.
O funcionamento do sistema se baseia no fato de que a água mais quente tem menor densidade que a mesma água mais fria, isto é, o mesmo volume de água quente tem menor peso que a fria. Assim, em um circuito onde há água em parte quente e em parte fria, a água fria, sendo mais pesada, tende a ocupar a parte mais baixa da canalização, enquanto a água quente ocupa a parte mais alta. Isso faz com que a água passe pelo radiador. E essa água, que se aqueceu ao refrigerar o cilindro do motor, esfria ao passar pelos tubos capilares do radiador. Desse modo, completa-se o sistema, havendo a circulação e assegurando a refrigeração do motor.
Ao preparar o kit Draguem, os construtores fizeram alterações nas janelas de admissão e expulsão dos gases que ficou com novos ângulos, o que deixou a moto em boas condições para receber um trabalho de motor (envenenamento), que pode ser feito pelo comprador.
Duas motos com kit Draguem foram cedidas a Duas Rodas. Em uma foi montado o kit na DT 180 Super, movida a gasolina, e sem nenhuma outra modificação em relação às outras DT, sendo que com ela foram feitas as medições para se ter uma idéia do comportamento em relação às outras Yamaha DT 180. A segunda, preparada exclusivamente para o fora-de-estrada, tinha o álcool como combustível, pneus tipo cross, radiador no lugar do farol, "trabalho'" de motor e escape dimensionado, o que alterou bastante o seu comportamento no fora-de-estrada.
Na moto para uso misto, com radiador de água lateral, a mudança de ângulos das janelas a fez passar dos 16,6 HP a 7.000rpm de potência máxima para 18,2 HP a 7.200 rpm. A taxa de compressão, que na DT original é de 6,5:1, passou no kit Draguem a ser de 7,1:1 (na opção para o álcool, a taxa é de 12,0:1). Todas essas informações são dadas pelos fabricantes.
Só que o modelo testado não era uma motocicleta nova, muito menos o kit de cilindro. A moto apresentava, portanto, alguns desgastes que poderiam modificar alguns dos resultados do teste de desempenho. A começar pelos instrumentos, o velocímetro apresentou um erro bastante acentuado na aferição, por volta de 20%, enquanto na DT 180S testada por Duas Rodas na edição nº 91, o maior erro foi de 11,8%, a 40 km/h. Quando o velocímetro da DT a água marcava 120 km/h, a moto rodava a apenas 96,3 km/h. Mas isso mostra apenas como o uso constante pode alterar o funcionamento de componentes. Os números do teste se referem sempre à velocidade real.
Pilotando
Ao se ligar o motor, o barulho é o mesmo da DT, uma vez que o escapamento é o original, e as mudanças feitas no motor não são suficientes para haver alguma modificação nesse sentido. Quanto ao desempenho, talvez por algum problema de regulagem, ou acerto da carburação, havia uma falha de funcionamento do motor, que acontecia quando a rotação chegava próximo aos 8.000 rpm, e isso provocou uma perda da velocidade final, assim como a velocidade máxima em cada marcha. Além disso, dessa vez as medições foram realizadas por Expedito Marazzi, 20 quilos mais pesado que Gabriel Marazzi, que realizou as medições da DT 180S na edição nº 91.
Assim, com a DT refrigerada a água, a velocidade máxima foi de 109 km/h na melhor passagem, enquanto na DT original ela foi de 112 km/h, o que permite concluir que com uma melhor regulagem, e o mesmo piloto, a DT refrigerada a água teria uma melhor velocidade final. Por razões semelhantes, a aceleração piorou. A DT original fez de 0 a 100 km/h em 18,12 segundos, enquanto a DT refrigerada a água demorou 22,0 segundos. Já na retomada de velocidade, em algumas faixas, como de 40 a 80 km/h, houve empate em 13,9 segundos.
Usada no fora-de-estrada (teste realizado por Patrick Kiehlmann), a DT equipada com radiador a água sobre o pára-lama dianteiro, pneu tipo cross, e motor movido a álcool mostrou um comportamento muito mais agressivo do que a outra, equipada apenas com refrigeração líquida o que mostra as possibilidades de preparação da motocicleta equipada com refrigeração líquida. Isso mostra também que, colocado lateralmente, o radiador de água não evita o barro, que pode se acumular nele, como aconteceria com as aletas do motor original, além do que fica sujeito a quebra em tombos, ou ao ser atingido por galhos, no trail.
Mercado
Como está se tornando cada vez mais comum, quando as fábricas não sofisticam suas motos com equipamentos que existem nos modelos correspondentes no Exterior, os fabricantes de acessórios se encarregam de fazê-lo. E foi isso o que aconteceu com o kit Draguem para refrigeração a água. E essa empresa não está sozinha disputando essa fatia, já que outros grupos trabalham em projetos semeIhantes, inclusive trocando o sistema de termo-sifão pela bomba d'água. Esse mercado complementar parece, portanto, bastante promissor.
A proposta de comercialização da Draguem não é vender a moto completa, mas apenas o kit, por Cr$ 280.000,00 (preço de março – P.S pode considerar R$ 2.500 na moeda atual). A instalação pode ser feita por mecânicos ou pelo próprio comprador, desde que entenda um pouco de mecânica, com base em um folheto explicativo que acompanha o kit. A produção inicial ainda é pequena100 unidades por mês, mas segundo a empresa deverá crescer em breve.
Na versão cross o radiador fica na frente, no lugar do farol, solução boa, mas feia que dói.
O kit pode ser para motores a gasolina ou a álcool. A taxa de compressão vai variar de acordo com o combustível usado. A escolha do radiador lateral ou frontal deve ser de acordo com o uso: quem pretende principalmente viajar ou andar em cidades, opta pelo radiador lateral, podendo manter o farol principal da moto; quem deseja usar a moto exclusivamente no fora-de-estrada deve escolher o frontal. Quanto à preparação (envenenamento) do motor, esse é um trabalho que fica a critério de cada comprador.
De forma geral, essa opção oferecida pela Draguem atende em parte ao interesse dos motociclistas brasileiros em ter em suas motos soluções técnicas equivalentes às existentes no Exterior, Como a refrigeração líquida. Tecnicamente, este tipo de refrigeração seria restrito a uma utilização muito severa e constante no fora-de-estrada ou em motos muito preparadas. Mas pode atender também ao público que quer apenas "passear'" com uma moto diferente.
O kit era oferecido para montar em casa.
“Necessário não é. Mas pelo preço...”
Um motor sem aletas não e o que a gente está acostumado a ver pelas ruas brasileiras. Também o radiador é algo visto normalmente só em motos de competição ou de grande cilindrada. Inevitavelmente isso chama a atenção numa Yamaha DT 180S, e quase todos os motociclistas gostam de chamar a atenção. Além disso, tenho dúvidas sobre a real necessidade de se colocar um kit desse na DT 180, a não ser que o motociclista viaje muito frequentemente em alta velocidade ou use a moto num trail ou enduro muito puxado. Existe, porém, uma outra maneira de ver a situação: se levarmos em conta o preço de uma moto nova e o quanto os motociclistas gastam em acessórios, ele não chega a ser caro. Acho que eu colocaria um deles em minha moto.
Carlos Eduardo Guida
A capa da revista Duas Rodas de 1984.
"O importante é que dá preparação"
Não é muito fácil sentir a diferença entre uma Yamaha DT 180S original e uma equipada com a refrige ração liquida. Ela existe, mas para ser sentida é preciso forçar o motor, exigir muito, usar a motocicleta onde uma DT original ficaria superaquecida, perdendo rendimento. E isso pode acontecer após, digamos, horas forçando a moto. Com a moto vermelha, toda preparada para o fora-de-estrada, a álcool, pneus cross, pude me "divertir" um pouco mais. Já com a preta, que era original e com o radiador colocado lateralmente, fiquei preocupado em cair ou que algum galho acertasse o radiador, danificando-o. O principal, na minha opinião, é que um motor pequeno como O da DT, tendo refrigeração líquida, possa ser muito melhor prepara do para render mais. Essa preparação é necessária para se vencer certos obstáculos só transponíveis com motos maiores. E uma solução, aliás, adotada internacionalmente. Não cheguei a fazer um teste de longa duração, mas acho que a refrigeração líquida permite ao motor trabalhar com temperatura mais uniforme e isso prolonga a vida do pistão e dos anéis, diminuindo a manutenção.
Patrick Kiehlmann