Esta moto é uma verdadeira salada mista, mas elegante. (Fotos: Mário Bock)
HONDA CBC 450, uma lição de como fazer moto!
Em meados de 1987 o mercado brasileiro de motos era limitado a poucos modelos. Tão poucos que motos na faixa de 350/450cc eram chamadas de motos "grandes". Uma das sensações desta época era a Yamaha RD 350LC que deixou a Honda CB 450 com cara de museu. Só mesmo quem odiasse motores 2T escolhiam a CB 450, porque a RD representava a esportividade máxima dentro da categoria.
Os concessionários Honda começaram a pressionar a fábrica para lançar um produto que pelo menos se aproximasse da RD 350, já que a CBX 750F custava quase o dobro! Um destes concessionários era ninguém menos que Denisio Casarini, piloto super bem sucedido de motovelocidade e motocross, que encarregou outro gênio, Victor Macaya, de projetar o que ele imaginava ser uma concorrente à altura da RD 350. Assim nasceu a Honda CBC 450, o segundo "C" de Casarini, claro.
O Victor Macaya era quase um professor para mim. Eu passava horas na oficina dele, a Moto Mavi, na avenida Moema, quando era adolescente. Aprendi demais com ele, principalmente a ser uma pessoa humilde e batalhadora. Quando a moto ficou pronta ele fez questão que eu fizesse o teste pra revista Duas Rodas. Com isso, levamos a CBC 450 para Interlagos, juntamente com uma Yamaha RD 350LC e uma Honda CBX 750F. Já deu pra imaginar nossas intenções...
Bom, não vou dar spoiler, mas depois que esta matéria foi publicada o departamento de engenharia da Honda Brasil examinou essa CBC 450 de tudo que é lado. Alguns meses depois chegou ao mercado a CBR 450SR, com muita semlehança com a moto criada pela dupla Casarini-Macaya. Até mesmo a carenagem criada pelo meu amigo Toya Ponzio serviu de inspiração. Na versão "oficial" as rodas vieram com 17 polegadas e optou-se pelo escapamento 2x1. Mas não dá pra negar que foi muito inspirada na CBc 450. Acompanhe o teste! (O texto original é de minha autoria e foi mantido da época).
Na capa da revista. Os escapamentos eram da CBX 750F importada.
Honda CBC 450
Duas Rodas antecipa com exclusividade como a Honda poderá modernizar sua CB 450: três discos de freio, aro dianteiro de 16”, novo tanque e muitos outros detalhes.
Ela é preta, tem aro dianteiro de 16", dispositivo antimergulhante, suspensão traseira Pro-Link, motor quatro tempos, velocidade acima de 180 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 5,5 segundos. Esta moto não é nenhuma importada superesportiva, mas uma Honda CB 450TR, que o piloto de competição Denísio Casarini desenvolveu em sua revenda, antecipando a nova CB 450 que a Honda Motor do Brasil deverá lançar em novembro. A nova moto da Honda não deverá trazer todas as inovações existentes na moto de Denísio, mas revela bem as possibilidades que a CB 450 ainda pode ter no Brasil, mantendo a mesma estrutura básica, como o motor e o quadro.
As modificações realizadas na CB 450 original são tantas que é mais rápido listar o que não mudou, ou seja, a parte elétrica, a parte dianteira do quadro, câmbio, carburação, comandos e espelhos retrovisores. O resto é tudo diferente.
Capitão Gemada e o famoso macacão amarelo. O tanque e as laterais são da Honda VF 400R
Começando pelo mais atraente da moto, que é o estilo. A transformação, realizada por Victor Macaya e Carlos de Souza, incluiu muitas peças importadas, como tanque, laterais, rabeta, banco, balança traseira, amortecedor traseiro, velocímetro, contagiros, lanterna traseira e
escapamentos da Honda VF 400R. A carenagem é nacional, fabricada pela Toya, as rodas foram produzidas sob encomenda pela Scorro e são de liga leve. A suspensão dianteira, os discos de freio, pinças de duplo pistão e piscas traseiros são da Honda VF 500R.
O resultado final foi uma grande semelhança com a Honda CBR 600. Para reunir todas essas peças numa moto, Victor Macaya precisou modificar a parte traseira do quadro, utilizando tubos de secção quadrada, e realizar soldas tão bem acabadas quanto às das motos de fábrica. Para instalar o amortecedor Pro-Link foi preciso mudar a posição da bateria, que ficou de lado e não transversal, e o filtro de ar foi suprimido, adotando dois copos com elemento filtrante em cada carburador. Não foi preciso alterar a coluna de direção para instalar a roda dianteira de 16” porque a suspensão dianteira foi concebida para receber esta rodagem (a roda original da CB 450TR tem diâmetro de 19'').
Coincidentemente meses depois a Honda lançou a CBR 450SR com carenagem integral.
Motor bravo
Para que a moto não ficasse apenas com visual de superesportiva, foi realizado um trabalho no motor de dois cilindros e quatro tempos, elevando a potência e a cilindrada. Os cilindros foram retificados no limite máximo de tolerância, abrindo 1mm no diâmetro, que passou de 75 para 76 mm, mas manteve o curso de 50,6 mm, com isso a cilindrada passou para 459cc. O comando de válvulas foi trabalhado e a moto passou a desenvolver 48 CV a 8.500 rpm (potência estimada a partir de cálculos matemáticos), contra 43,3 CV a 8.500 rpm (dados declarados) da CB 450 original. Porém, o consumo melhorou: a 80 km/h a CBC fez 24,4 km/litro, contra 19,9 km/litro da CB 450TR.
Eu na CBC 450 e o Zé Cohen na RD 350: um pega divertido em Interlagos.
Para ter um dado comparativo, já que concorre na mesma faixa de mercado, foi levada para a pista de testes a Yamaha RD 350LC com novo desenho realizado pelo também piloto José Cohen. Desta forma, foram colocadas lado a lado uma Yamaha RD 350, com mecânica original contra uma Honda CB 450 com motor preparado. O resultado foi surpreendente. A velocidade máxima da CBC 450, na melhor passagem, foi de 183,6 km/h para um motor ainda não amaciado, com apenas 300 km rodados contra 195 km/h da RD 350. Na aceleração de 0 a 100 metros a CBC gastou 5,33 seg na melhor passagem, contra 5,80 seg. da Yamaha RD 350. Na aceleração de 0 a 100 km/h a CBC 450 gastou 5,50 seg. contra 6,13 seg. da RD.
Para enriquecer mais ainda o comparativo, foi levada também a nova Honda CBX 750F para a medição, que gastou 5,53 seg. para ir de 0 a 100 km/h. Conclusão: a CBC 450 foi a moto mais rápida na aceleração de 0 a 100 km/h. Esta aceleração pode ser explicada pela utilização de um pinhão menor, com 15 dentes (o original tem 16), o que reduziu a relação secundária de 2, 25:1 para 2,40:1. Com a relação original esta CBC poderá passar dos 190 km/h.
Foi neste dia que eu abri um buraco no macacão amarelo ao raspar o joelho no asfalto.
Presa ao chão
Depois de analisados os detalhes (cuidadosos) de acabamento, como as soldas do quadro, tampa esquerda do motor alongada e uma presilha na guarnição da bolha, que impede a borracha de sair voando em alta velocidade (detalhe esquecido nas Yamaha RD 350 de fábrica), chegou o momento de experimentar a moto em movimento. E nada mais adequado do que levá-la ao Autódromo de Interlagos, onde pode-se andar mais à vontade nas curvas e retas.
Gabriel Marazzi na 750; Cohen na RD 350 e eu na CBC 450. Os Teletubies da imprensa.
Logo nos primeiros metros dá para sentir uma diferença na dirigibilidade graças à roda dianteira de 16". A suspensão dianteira é composta de garfos telescópicos oleopneumáticos, com curso de 140 mm e na bengala esquerda fica o dispositivo antimergulho Trac. A sensação ao pilotar alternadamente uma CBC 450 e uma CBX 750 nacionalizada é que na primeira a roda dianteira está mais "solta” e a frente fica mais "na mão", mesmo em curvas a alta velocidade. A frente não oscila nem um milímetro e a segurança para inclinar é total. Já na CBX 750F, com aro de 18", suspensão dianteira convencional, a sensação é de que a frente está "mais longa" e nas curvas é mais demorada para descer ao limite.
Sim, fizemos medições de verdade, com aparelhos sofisticados.
A suspensão traseira Pro-Link com curso de 115 mm é justa e garante uma estabilidade à moto, só comparável às CBX 750F importadas (aquelas saudosas motos com suspensão traseira regulável, aro 16" entre outras “melhorias”). O comportamento desta CBC 450 não lembra nem de longe as sacolejantes CB 450TR com suspensão traseira bi-choque e dianteira “normal”. Jamais uma CB. "original" proporcionaria tamanho prazer ao pilotar quanto esta CB Casarini.
A CB 450TR quando levada ao limite nas curvas apresenta uma vibração lateral que pode assustar um motociclista desavisado. Até os pilotos que corriam na extinta Fórmula Honda 400/450 cansaram de reclamar do jingado dessas motos nas curvas. Por outro lado, a CBC 450 fica tão agarrada ao solo que chega a ser um convite a uma pilotagem mais esportiva, abusando da aceleração nas saídas de curvas, permitindo que se exija dos freios nas tomadas. Aliás, os freios merecem atenção especial.
Os detalhes em preto&branco. As rodas são quase iguais às da versão oficial.
Frenagens no limite
Experimentando a moto em Interlagos foi possível avaliar o excepcional conjunto de freios. Na dianteira estão instalados dois discos com pinças de pistões duplos. Na traseira existe apenas um disco com duplo pistão. O resultado aferido nas medições comprovaram as primeiras impressões. Para não arriscar uma queda com esta moto única, Duas Rodas abriu uma exceção e permitiu que o próprio Denísio Casarini fizesse as frenagens.
Logo de início ficou evidente que os freios eram “demais” para essa moto leve (190 kg a seco, contra 177 kg da CB 450TR), nas frenagens a 40 km/h e 60 km/h a roda dianteira travou de tal forma que chegou a desequilibrar a moto, mas sem derrubar o piloto (felizmente).
A título de comparação, a CBC 450 percorreu 4,7 metros para imobilizar a 40 km/h, enquanto a CB 450TR com apenas um freio dianteiro a disco na frente e a tambor na traseira, gastou 8,5 metros na mesma velocidade. A 60 km/h a CBC freou em 9,6 metros, e a CB 450TR em 16,0 metros. Uma CB 450TR a 100 km/h percorre 41,0 metros até parar, ou seja, 2,6 metros a mais do que a CBC. Por aí dá pra imaginar o que representa em termos de segurança, um conjunto de freios mais eficiente.
A velocidade máxima foi de 183,6 km/h!
A intenção principal de Denísio Casarini era apenas mostrar para a Honda o que é possível fazer com a CB 450TR, que a rigor se mantém a mesma desde o lançamento em 1980. Como resultado ele conseguiu mais do que isso. Ao ser apresentada aos projetistas da Honda, a moto foi muito elogiada e feitas muitas fotografias de detalhes como a suspensão traseira, o quadro e a suspensão dianteira. Para a Honda lançar uma CB 450 bem melhorada e concorrer mais eficazmente com as RD 350, não seria necessário um alto investimento e atrairia o público que gosta de moto esportiva, mas não consegue comprar uma CBX 750F, ou não gosta de motor dois tempos.
Ao que tudo indica, a nova CB 450 virá com duplo freio a disco, carenagem integral e suspensão traseira monoamortecida Pro-Link. Outros equipamentos vão depender de a fábrica acreditar, ou não, na Economia do País.
Carenagem Toya em uma CB 450 normal serviu de inspiração pra Denisio Casarini.