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Especial, o dia que pilotei uma Ducati 916 em Interlagos

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Este dia foi louco: uma Ducati 916 zero todinha só pra mim em Interlagos! (Fotos: Mário Bock)

O ano é 1995, logo após completar um ano da morte do tricampeão mundial de F-1 Ayrton Senna, ídolo de toda uma geração de brasileiros. Qualquer brasileiro, gostando ou não de automobilismo, sentiu uma ponta de tristeza pela morte do Ayrton. Minha mãe disse que só tinha visto tamanha tristeza quando morreram o cantor Francisco Alves (em 1952) e depois o presidente Tancredo Neves, em 1985. Por isso a imprensa explorou o quanto pôde a morte do Ayrton. Qualquer publicação que trouxesse a foto dele na capa era certeza de sucesso de vendas.

Claro que isso respingou na redação da revista Duas Rodas. A vontade de colocar uma foto do Ayrton na capa era enorme, mas cadê que aparecia oportunidade? Até que ela surgiu por meio de um importador independente, na época envolvido com a marca Ducati. Ele me ligou com duas bombas: tinha acabado de chegar a primeira 916 em solo brasileiro e ele que receberia a moto na caixa. A outra bomba: ele conseguiu permissão para fotografar a versão Senna número 001, mas apenas parada.

Não foi difícil criar uma situação para justificar meter a foto do Ayrton na capa: teríamos a 916 normal à disposição para teste dinâmico e a Senna para fotos. Foi assim que me vi em Interlagos, num dia de semana, pilotando uma Ducati 916 novinha, algo inimaginável e ainda com autorização para acelerar à vontade. Claro, este importador já me conhecia há décadas e sabia que eu jamais mandaria uma moto daquelas pro espaço. Aliás, que fique registrado: eu nunca caí durante um teste nestes 40 anos de rala e rola.

Ser jornalista da Duas Rodas sempre dava muitos privilégios, mas exigia muita responsabilidade. Perdi a conta de quantas vezes eu peguei motos diretamente da caixa para a rua. Sempre com liberdade para andar à vontade. Pena que isso não tenha mais nenhum valor hoje em dia!

Para criar uma ilusão no leitor, nós fizemos as fotos da 916 Senna com o mesmo capacete, botas, luvas e macacão que usei na pista. O Mário Bock usou um filtro na máquina que dava a sensação de velocidade, mas esqueceram dos tijolinhos da parede ao fundo! Ah e quem estava na Senna não era eu, mas o Edson Perin.

Curta a leitura do mesmo jeito que eu curti demais acelerar essa moto em Interlagos. Ah, a edição em questão vendeu bem!

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O cantor Francisco Alves, em 1942, também curtia as motocas. (Wikipedia)

n.d.r: As fotos são todas do grande Mário Bock, mas nesta fase a revista Duas Rodas foi impressa em uma gráfica nova que demorou para acertar o padrão de cores e de qualidade bem duvidosa. Melhorou o papel, mas a impressão ficou pior. Por isso as fotos estão com resolução muito ruim. A culpa não é do Mário, tá?

DUCATI 916, o mito!

EXCLUSIVO! Revelamos a Ducati Senna 916, versão 001, feita especialmente para o piloto brasileiro. E andamos na Ducati 916, a mais esportiva das italianas, avaliada pela primeira vez no Brasil.

A Ducati 916 Senna tem a mesma mecânica e ciclística da Ducati 916. As diferenças estão em algumas peças feitas de fibra de carbono, pintura e menor peso. O mais importante é a exclusividade da Senna: foram feitas apenas 300 unidades, como uma obra de arte dedicada a um grande artista.

Prepare-se. Pela primeira vez a Ducati 916 vai entrar em uma pista brasileira. O cenário é o circuito de Interlagos, palco de incontáveis proezas motorizadas. Com absoluta exclusividade DUAS RODAS avaliou a mais esportiva das italianas, lançada recentemente no mercado mundial. Sua produção é pequena, o que eleva o preço a níveis estratosféricos. A 916 avaliada estava sendo vendida a R$ 35.000. Sem dúvida, um prazer para poucos e sortudos motociclistas.

O primeiro contato com a Ducati 916 surpreende. Ela tem dimensões reduzidas, menor do que a Honda CBR 600F. A cor só poderia ser o tradicional vermelho-Ferrari, já que esta Ducati está sendo chamada na Itália de "a Ferrari em duas rodas”. O estilo é o mais esportivo possível, com as duas lentes do farol em formato amendoado incrustadas na carenagem de formas retas. Duas entradas de ar sob os faróis reforçam o aspecto agressivo da frente.

A análise visual revela ainda outros detalhes de extrema esportividade. A suspensão traseira monoamortecida é regulável na mola e amortecedor (da marca Showa japonesa). Um braço articulável permite ainda regular a altura da traseira. Tudo isso é completado com o monobraço oscilante, permitindo o saque rápido da roda traseira, soltando apenas uma porca. Esse sistema monobraço é um aviso do pessoal da Cagiva (atual “dona" da marca Ducati) para os japoneses de que logo deverá surgir uma 916 especial para competir no mundial de endurance (provas de longa duração). Atualmente a Ducati é bi-campeã mundial de superbike e podem aguardá-la vencendo também nas provas de longa duração.

A esportividade se estende por todo projeto, incluindo o banco monoposto e suspensão dianteira invertida da Showa. A carenagem integral é fixada por presilhas de engate rápido, semelhante às utilizadas em competição. Por tudo isso pode-se dizer que a Ducati 916 é a moto atual mais próxima de uma moto de corrida. É como se pegassem um Fórmula 1, instalassem faróis e piscas e saíssem por aí passeando pelas ruas.

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O maravilhoso conjunto de escapamento e a centralina eletrônica que gerencia o motor.

Ronco mágico

A segunda surpresa da Ducati 916 é na hora de ligar o motor. Acionada a partida o ronco é impressionante. Esqueça as velhas Ducati barulhentas e vibrantes, essa versão tem o ronco grave, como se fosse um caminhão, mas um caminhão que pode chegar a 11.000 rpm. O motor de dois cilindros tem a configuração em V a 90º (n.d.r. quando um motor em V tem 90º o correto é chamar de motor em L), considerada a forma ideal para eliminar as vibrações sem necessitar dos enormes contrapesos do virabrequim que prejudicam a potência. O comando de válvulas é o eterno e funcional desmodrômico, que dispensa as molas de retorno dos balancins. Os ressaltos do comando abrem e fecham as oito válvulas (quatro por cilindro), melhorando muito a eficiência do ciclo entra-mistura-saem-gases. Para completar a eficiência deste propulsor, a alimentação é por injeção indireta eletrônica, pondo fim aos carburadores e suas complexas regulagens.

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O belíssimo quadro de treliça tubular, uma obra de arte!

As dimensões compactas servem sob medida para pessoas de 1,70m. Os semi-guidões ficam presos diretamente nas bengalas, numa posição baixa, forçando as mãos e punhos. As pedaleiras são recuadas e não há pedaleiras para garupa. O banco é praticamente uma camada fina de espuma e o piloto é obrigado a ficar constantemente com a barriga encostada no tanque. Os comandos elétricos seguem o padrão convencional.

Pouco convencional é o quadro. Enquanto a maioria absoluta das esportivas japonesas utiliza quadro do tipo delta-box de alumínio, a Ducati foi buscar inspiração em seus modelos mais antigos e criou um quadro de treliça tubular de aço-cromo-molibdênio, capaz de combinar resistência e flexibilidade, além de ser mais leve que os quadros integrais. O motor fica "pendurado" nesta estrutura complementando o quadro. Uma das novidades desse quadro é o ângulo de cáster regulável, podendo variar entre 24° e 25º, o que corresponde a um trail de 94 a 100mm. Mais uma vantagem para quem for correr com a Ducati 916, já que é possível adaptar a melhor geometria de quadro de acordo com o tipo de pista.

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Na versão Senna algumas peças são de fibra de carbono e o quadro é dourado.

Rainha do asfalto

O projeto da 916, assinado pelo engenheiro Massimo Tamburini junto com o centro de pesquisas da Cagiva em San Marino, levou quase cinco anos para ser concluído. O motor é uma evolução natural do 888, que nasceu em 1986, com quatro válvulas por cilindro e refrigeração líquida. Para crescer até 916 cc foi preciso alterar o curso em 2mm, passando para 66mm, mantendo o diâmetro de 94mm. A potência extraída desse bicilíndrico chega a 114 cv a 10.000 rpm, o que representa 4 cv a mais do que a versão de 888cc.

O mais impressionante dessa moto não é sua velocidade máxima, que chega a 263 km/h reais, mas a forma "redonda” com que cresce de rotação, desde 2.000 até 10.500 rpm, quando entra em ação o corta-ignição que limita as rotações do motor. Uma das maiores vantagens do motor de dois cilindros em V a 90° é conseguir transferir a potência para a roda traseira com máxima eficiência. Por isso as Ducati, com sua tecnologia dos anos 80, conseguiram chegar a 100a. vitória nas provas de superbike, passando na frente das marcas japonesas.

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Balança traseira monobraço já de olho nas provas de longa duração.

A aceleração não chega a ser tão estúpida quanto às superesportivas japonesas de 1.100cc. A Ducati faz de 0 a 100 km/h em 3,35 segundos, atingindo essa velocidade em apenas 40 metros. De 0 a 200 km/h é preciso pouco mais de 10 segundos e menos de 400 metros. Para uma moto de corrida, a velocidade máxima não é muito importante. Parece contraditório, mas dificilmente um circuito permite rodar em velocidade máxima por muito tempo. Em Interlagos, por exemplo, quando o motor atinge os 10.000 rpm em sexta marcha, na placa de 100 metros em frente a reta dos boxes, já é momento de frear para fazer o “S do Senna”.

Em compensação a Ducati 916 é muito veloz na aproximação e saída de curva. A frenagem é garantida por dois discos dianteiros flutuantes de 320mm, enquanto na traseira o disco simples de 220 mm fica no centro do eixo da roda, obviamente todo sistema de freio é da marca italiana Brembo. A capacidade de frenagem é assustadora! Em baixa velocidade é recomendável não "alicatar” de vez a manete para a roda dianteira não travar. Em alta velocidade os freios são moduláveis e funcionam melhor quando já aquecidos. Mesmo em situações críticas não aparece tendência ao travamento.

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Pra quem não  conhece Interlagos antigo esta é a saída da Curva 4, eu estava a uns 190 km/h. Nós usamos trechos do circuito antigo para facilitar as fotos!

Nas curvas a Ducati 916 merece nota 10 com louvor. Ela se mostrou a esportiva mais estável já avaliada рог DUAS RODAS. As suspensões são rígidas, ideais para rodar no asfalto liso, mas que provoca um certo desconforto para pilotar na rua. Os pneus Michelin oferecem aderência acima de qualquer suspeita. Pode-se inclinar nas curvas com a segurança de que os limites da moto estão acima dos limites de um piloto "normal". O pneu traseiro tem medidas nunca vistas em uma moto de série: 190/50-17. Para se ter uma idéia, é mais largo que os pneus do Fiat Tempra (185). Na dianteira a medida é 120/70-17, com o mesmo desenho quase de competição. Parecem pneus slick (lisos) riscados.

Não bastasse a aderência excepcional nas curvas, a resposta do motor na retomada de velocidade em saída de curva garante a vantagem que a Ducati precisa para ser mais rápida nas pistas do que as esportivas japonesas. Pode-se despejar a potência praticamente no meio da curva em diante sem correr risco de ver a traseira ir embora. Como a transferência de potência é mais gradual do que nos motores de quatro cilindros em linha, o piloto fica seguro para girar o acelerador mais cedo. E acelerar mais cedo significa ganhar tempo e mais velocidade na reta.

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Esta foto foi feita no escritório do Ayrton Senna, em São Paulo. Para dar esse efeito o Mário Bock usou um filtro na máquina. Teria dado certo, não fosse os tijolinhos parados ao fundo!

Resultado: mesmo sendo menos veloz em reta, a Ducati 916 é mais rápida em circuito misto, principalmente de média velocidade, como Interlagos. O amortecedor de direção (colocado numa inédita posição entre a mesa superior e o tanque de gasolina) garante que a frente não ficar sacudindo como uma maluca na hora de sair “rasgando” das curvas de baixa velocidade.

A bela nua

Terminada a euforia da seção freia-inclina-acelera chega o desagradável momento de devolver a 916. Primeiro decidimos tirar a “roupa" da belezinha. A operação é simples: basta tirar as presilhas de engate rápido e fica tudo a mostra. Debaixo do banco fica a "centralina” eletrônica que comanda a injeção de gasolina e o tempo de ignição. Essa central explica a razão de respostas tão eficientes. O sistema funciona com sensores que "lêem" os parâmetros de rotação do motor, abertura do acelerador, condições atmosféricas e outros detalhes para enviar a quantidade ideal de mistura e controlar o tempo exato de ignição nos cilindros. Como resultado tem-se um motor que nunca engasga e acelera prontamente.

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Na versão Senna pára-lamas de fibra de carbono.

Não foi à toa que na hora de colocar seu nome em uma moto, o perfeccionista Ayrton Senna escolheu a Ducati 916, batizada de 916 Senna. As diferenças entre a versão normal e a Senna estão nos detalhes, com alguns componentes feitos de fibra de carbono e acabamento ainda melhor. As cores também são diferentes, com grafite e vermelho. Outra diferença está no preço. Enquanto a Ducati 916 "comum” custa R$ 35 mil, importada por empresas independentes, a Ducati 916 Senna, com produção limitada a 300 exemplares, já estava sendo cota da a US$ 75 mil. Tudo pela exclusividade e um nome.

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Ayrton Senna na capa: certeza de boas vendas.

DUCATI SENNA 001

Quando Ayrton Senna decidiu colocar seu nome numa moto, escolheu uma que fosse mais próxima de sua filosofia de "driven to perfection” (pilotar para a perfeição). A Ducati 916 Senna é a perfeita tradução dessa filosofia em motos esportivas. O projeto é assinado por Massimo Tamburini, fundador da Bimota (outro exemplo de moto esportiva e exclusiva) e atual diretor do Centro Ricerche Cagiva (centro de pesquisas Cagiva), considerado o centro de projetos mais avançado da Itália. Já no momento do nascimento da 916 "normal”, no final de 93, um dos protótipos recebeu alguns componentes feitos de fibra de carbono, como pára-lama dianteiro, laterais e ponteiras de escapamento, que deixaram a 916 ainda mais exclusiva e cara, caríssima. Além das peças de fibra de carbono, a 916 Senna tem pintura com grafismo diferenciado e, claro, a marca Senna na carenagem.

Outra aproximação da Ducati com a Fórmula 1 também se deu no desenvolvimento do motor de dois cilindros em L. Para conseguir um bom resultado no cabeçote de quatro válvulas, Massimo Bordi, engenheiro diretor da Divisão Moto do grupo Cagiva foi buscar auxílio da Cosworth. Esta empresa inglesa se especializou em preparar os motores Ford V-8 da Fórmula 1. Foi a Cosworth quem deu as informações necessárias para o melhor ângulo de inclinação das válvulas em 40°. Com isso a Ducati conseguiu colocar os dutos de aspiração, alimentação e escape mais retilíneo possível.

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A unidade 001 ainda está com a família de Ayrton. Virou peça de museu, deve permanecer pra sempre.

Existem somente 300 unidades da Ducati 916 Senna em todo o mundo. E como nenhuma outra Ducati Senna será fabricada, essas 300 motos se tornaram sinônimos absolutos de exclusividade. Contudo uma delas tem um charme a mais que o das 299 outras e também uma pitada maior de importância. É a Ducati 916 Senna número 001, fotografada com exclusividade por DUAS RODAS. Ela foi fabricada em Bolonha, na Itália, especialmente para o piloto brasileiro Ayrton Senna, que nunca chegou a pilotá-la. Aliás, o protótipo apresentado para que Senna desse suas últimas sugestões de acerto, em 7 de março de 1994 (semanas antes da morte do piloto), era exatamente a moto que se transformou na número 001. Agora ela pertence à família do piloto Ayrton Senna e eventualmente poderá ser vista em algumas exposições.

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