Viaje de Gold Wing pelos Estados Unidos e seja muito bem tratado! (Foto: Daniel Carneiro)
Desde que vi a primeira Honda GL Gold Wing da minha vida, em 1976, ainda com motor de 1.000cc fiquei vidrado nessa moto. Cheguei a pilotar na época e a primeira constatação é de que o motor era muito mais avançado do que os boxers da BMW. E continuam sendo até hoje. Foi amor à primeira vista e que permanece até hoje. O meu ponto alto como admirador dessa moto foi ser escolhido como Embaixador Gold Wing para apresentar o novo modelo no Salão da Moto em 2017.
Mas sempre gosto de contar uma experiência vivida dos Estados Unidos, em 2006. Por conta da minha profissão viajei algumas vezes de moto pelas cidades americanas. Tive a chance de rodar de Ducati, Honda esportiva, Harley-Davidson, BMW e Honda Gold Wing. O tratamento recebido nos postos de gasolina, restaurantes e hotéis é muito melhor para quem anda de Harley, sempre foi e sempre será. Os motoristas respeitam, os camioneiros buzinam e acenam, os frentistas de postos te atendem (normalmente é self-service), porque montado numa Harley você mostra que é um bom americano.
No estado do Colorado, sob clima quente e seco. (Foto: Daniel Carneiro)
Em qualquer outra marca de moto o tratamento é bem diferente, como se você fosse transparente. Menos uma: a Honda Gold Wing. É a única moto não-americana que recebe um tratamento respeitoso, quase reverencial. Portanto, se um dia quiser viajar pelos EUA de moto escolha Harley ou Gold Wing.
Esta avaliação foi feita em 2006 com o modelo da época. Depois cheguei a pilotar versões mais modernas, mas não experimentei a GW com câmbio DCT automático e air-bag. De todas as motos desta categoria trambolhuda, a única que um dia repousaria na minha garagem seria a Gold Wing. Principalmente por causa do motor mais “liso” que já se viu numa motocicleta. Tem um filme famoso no YouTube que mostra uma moeda de 50 centavos em cima do cilindro da GW. O motor dá a partida e a moeda permanece equilibrada. Tente fazer isso com uma Harley e perca a moeda pra sempre!
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Chocolate com pimenta
A Honda Gold Wing GL 1800 ganhou mais potência, ficou mais leve e apimentou o conforto.
Assim que girei a chave da Honda GL 1800 Gold Wing e a música emitida pelos 80 Watts de som foi justamente uma das minhas favoritas. Era a promessa de um bom começo a bordo da gigantesca tourer que a Honda começa a comercializar no Brasil a partir de março ao preço de R$ 92.000. Só que o gigantismo fica só na impressão, pois os 372 kg (a seco) quase não são percebidos quando a Gold Wing entra em movimento.
A história dessa clássica começa nos anos 70, quando surgiu a primeira Gold Wing 1000, equipada com o motor boxer (de cilindros opostos) de quatro cilindros, como forma de concorrer com as americaníssimas Harley-Davidson. Nestes 36 anos de evolução muita coisa mudou, sobretudo as dimensões. A "Asa Dourada" cresceu até chegar em sua versão GL 1500 (já com seis cilindros) nos anos 90, enorme, pesada e difícil de pilotar, Felizmente, a entrada do ano 2000 e do terceiro milênio trouxe boas novidades, A primeira GL 1800 já chegou com mais cara de moto. Pneus de desenho mais esportivo, chassi perimetral de alumínio e materiais leves fizeram a Gold Wing muito mais guiável, gostosa de pilotar e até mesmo ousada para uma grande senhora.
Parece gigantesca e difícil de pilotar, mas é tranquilo até pra um nanico como eu. (Fotos do teste de Mario Villaescusa)
O grande responsável pela apimentada foi o novo motor de 6 cilindros. O ronco é música para ouvidos que gostam de mecânica e remete imediatamente aos carros alemães Porsche, pois eles também têm motor de seis cilindros opostos. Uma simples acelerada, os 118 cv acordam e o giro do motor sobe tão rápido, fruto da eficiente injeção eletrônica, que dá a impressão de moto esportiva. A rotação máxima não é tão alta, 5.500 rpm e o torque absurdo de 17 kgf.m está nas 4.000 rpm, ou seja, é um motor que "gira baixo", mas é esperto. Nada a ver com as custom estradeiras
Painel ainda sem o GPS das atuais.
Cabine de comando
A versão da Gold Wing que será importada para o Brasil é um pouco mais simples, mas não se engane, porque mesmo assim ela tem tantos comandos e funções que os punhos são repletos de botões. Só no punho esquerdo são 11 botões para controlar o rádio PX (faixa do cidadão opcional), sistema de som, piscas, buzina e mais seis botões no punho direito e 19 na frente da barriga do piloto, sobre a capa do tanque de gasolina. Somando tudo isso com a regulagem de farol, das suspensões e pisca alerta do lado esquerdo, no total são 41 comandos para acionar um mundo de funções. Pena que faltou um de extrema necessidade: o que regula a altura do pára-brisa. Em uma moto tão sofisticada e cheia de tecnologia chega a ser meio esquisito ter de controlar o pára-brisa soltando duas alavancas rudimentares. Durante o teste o pára-brisa travou e só desceu depois de muitas e insistentes porradas! Dá para imaginar o tamanho do manual do proprietário!
São três enormes compartimentos de carga: dois para a esposa e metade de um pra você.
Quando me posicionei na poltrona, digo, banco, percebi que a GL 1800 está mais compacta e leve que a versão 1500. A altura do banco ao solo é de 740 mm, mais baixa do que a CG 150, só que o banco largo dá a sensação de moto alta. Para quem quiser levantar a moto, uma série de 26 combinações na suspensão traseira pode deixá-la ao gosto do freguês.
Motor ligado, som ligado, para-brisa regulado, lá vamos nós: quase 400 kg em movimento desaparecem num passe de mágica. A distribuição de peso foi tão bem balanceada, com o centro de gravidade muito baixo, que não sinto a menor dificuldade de manobrar a barcaça no pátio de um posto de gasolina. O ângulo de esterço é até surpreendente para as dimensões da moto, com 2.635 mm de comprimento. Até a operação de colocar no cavalete torna-se fácil em função da imensa alavanca do cavalete. É preciso muito mais jeito do que força bruta. A aparência paquidérmica poderia sugerir até mesmo dificuldades para trocar o pneu traseiro, mas além de contar com balança traseira monobraço, o pára-lama traseiro é escamoteável para facilitar a retirada da roda. Além disso, O jogo de ferramentas é tão completo e bem acabado que nem dá vontade de usar. O que facilita muito as manobras é a marcha à ré, por meio do botão da partida elétrica que utiliza o motor de arranque para mover a moto, mas apenas em situações curtas e emergentes.
Entro na estrada e o torque absurdo de 17 kgf.m dá sinal de vida. Mesmo com a aparência paquidérmica, a aceleração é de leopardo e as marchas vão se seguindo até chegar facilmente a 220 km/h. Claro que a imensa área frontal prejudica muito a penetração aerodinâmica, por isso é preciso ficar muito esperto aos balanços que aparecem de forma discreta, mas assustam até o piloto se acostumar Susto mesmo foi na hora de frear. O sistema de freio eletrônico combina dois trabalhos: o ABS (anti travamento) e o DCBS (frenagem integral). Ao acionar tanto a manete quanto o pedal de freio, todos os três discos são acionados. Só que na hora que precisei frear forte a 200 km/h a moto balançou demais, como se estivesse pilotando em cima de uma camada de gelatina.
Freios com ABS e CBS, seguram bem o peso pesado, mas balança um pouco.
Refeito do susto, percebi algo curioso. Nas motos com pára-brisa o ar gera uma zona de turbulência na altura do capacete e força a cabeça para a frente. É engraçado pilotar uma moto e sentir sua cabeça sendo empurrada para frente e não para trás, como seria normalmente.
Entre aquele monte de comandos tem um bem agradável: o piloto automático. Na verdade é um cruise-control (controle de cruzeiro), que mantém a moto em uma velocidade pré-programada dispensando o acionamento do acelerador. O ajuste é feito no punho direito, incrementando a velocidade em 1,6 km/h (uma milha por hora) a cada toque. Para desligar o sistema basta tocar nos freios. Outra função legal é o controle automático do volume. Conforme aumenta a velocidade o volume também aumenta. As quatro caixas de som formam um palco sonoro intenso e de boa qualidade, mesmo de capacete.
Quem acha que Gold Wing não faz curva precisa andar na minha garupa! (Foto: Caio Mattos)
Quem tiver capacete equipado com sistema de fone de ouvido ou intercomunicador basta plugar nas duas saídas para bater papo e ouvir música. Embora eu considere a falta de comunicação com o garupa um dos grandes benefícios da moto.
Com tantos compartimentos de bagagem (que fazem a alegria de qualquer esposa/namorada) o peso é flutuante demais. Por isso ela conta com um sistema de regulagem eletrônica da suspensão com duas opções de memória. Por exemplo, o piloto escolhe o ajuste que agrada quando está sozinho e memoriza. Depois acerta a suspensão com carga e garupa e grava a segunda memória. Depois é só clicar nos botões de cada memoria e pronto! Também em função da carga, existe um botão de regulagem elétrica do farol. É para evitar que a moto, quando estiver muito carregada, ilumine apenas as corujas empoleiradas nas árvores.
Esta é a versão 2013, a mais recente que pilotei em teste. (Foto: Daniel Carneiro)
Daquelas primeiras Gold Wing, até a versão 1500, eu tinha uma impressão de moto muito ruim de curva. Felizmente pude provar essa 1800 atual em um trecho sinuoso e atestar que melhorou muito neste aspecto. A pouca altura livre do solo (125 mm) não permite inclinações ultra radicais, mas ela entra nas curvas tão docilmente que quase nem precisa fazer força. É preciso tomar cuidado com as pedaleiras, porque raspam facilmente e custam caro pacas.
Falando em despesas, a Gold pode passar uma imagem de gastar muito, mas com tanta eletrônica auxiliando na alimentação e ignição, ela consegue manter-se na média de 15 km/litro rodando com muita cautela. Se girar o acelerador com vontade, acima de 150 km/h essa média pode cair até pela metade. A taxa de compressão de 9,8.1 e a injeção eletrônica aceitam gasolina comum na boa, mas quem gastar quase R$ 100 mil em uma moto não vai bancar o sovina e abastecer com gasolina de baixa qualidade!
Sistema de som com rádio PX, hoje tudo substituído pela navegação do celular.
O pacote de opcionais da Gold versão BR não conta com aquecimento de manoplas e banco, como nas BMW de luxo, mas tem possibilidade de toca-CD com disqueteira, rádio PX, descanso para braço do garupa, faróis de neblina, jogo de tapetes para os porta-bagagens, bolsas de náilon e rede especiais para acomodar as tralhas todas. Esses compartimentos têm ainda a abertura por controle remoto, como nos carros. E, seguindo a tendência da Honda mundial, essa também tem chave codificada. Se o dono da Gold for friorento, tem a possibilidade de abrir as janelas que estão em frente as pernas e receber ar quente dos radiadores, mas não esqueça de fechá-las no verão se não quiser fazer uma depilação nas canelas.
Sonho de consumo de muita gente, a GL 1800 é daquelas motos feitas para as estradas dos outros países! Uma viagem pelas rodovias americanas e europeias deve ser como rodar nas nuvens. Aqui no Brasil só algumas rodovias permitem esse conforto. Nas demais, especialmente as do interior de Minas, Bahia e Rio de Janeiro, o mau estado do asfalto irá tirar boa parte do prazer de pilotar, porque, embora com múltiplas regulagens, a suspensão sente cada buraco no asfalto e transfere o baque para a moto de forma cruel. Não fosse pelos bancos bem estofados seria uma pancada atrás da outra. Os cursos das suspensões são limitados pelo tipo da moto, com 140 mm na frente e 105 atrás. Além disso, com tanto encaixe de plástico não é difícil imaginar os efeitos dessa buraqueira ao longo dos anos. Vai ser um tal de procurar de onde vem esse barulhinho! Se isso acontecer não estresse: escolha uma boa música, aumente o volume e boa viagem!
Jóia da engenharia: o motor de moto com menor índice de vibração que o dinheiro é capaz de comprar.
Na cidade
A Gold Wing é o tipo de veículo que nasceu para ser "a segunda moto da família", Não dá pra ter apenas uma estradeira se o objetivo é usar na cidade. A menos que a cidade seja daquelas projetadas, com ruas largas, sem lombadas nem valetas, nem zilhões de semáforos. Para capitais de transito caótico, a Gold é tão ágil quanto um elefante cansado. Esqueça os passeios pelos points badalados, infelizmente, porque essa também é uma das motos com alto poder embelezador. Se quiser economizar na lipoaspiração no abdôme e no implante capilar, basta comprar uma Gold Wing e vais virar um príncipe!
Em 2018 a Honda lançou esta versão para o mercado americano, com câmbio automático DCT e mais "leve" visualmente. Adorei e já coloquei na minha lista de sonhos impossíveis.