As duas em Interlagos: César na Blackbird e eu na Hayabusa. (Fotos: Fábio Arantes)
Pare tudo que está fazendo e respire fundo porque vamos pilotar duas das mais velozes motos produzidas em série. Na época – 1999 – elas eram as rainhas da velocidade e muita gente queria saber como era ver o mundo a 300 km/h. Posso garantir com toda experiência: é bem distorcido.
No início do século 20 os médicos diziam que um ser humano não sobreviveria a uma velocidade acima de 100 km/h em um veículo terrestre. Os olhos saltariam das órbitas, os órgãos explodiriam por centrifugação e sairiam por todos os orifícios do corpo. Não precisou nem 10 anos para que a barreira dos 100 km/h fosse quebrada e ninguém perdeu o coração saindo pelos ouvidos.
Nos anos 1970 as motos de série chegaram no patamar de 200 km/h e o mundo se perguntava aonde isso iria parar. E no final dos anos 1990 chegamos nos 300 km/h sem nenhum apêndice aerodinâmico. Hoje as motos já estão chegando a 400 km/h, mas com ajuda de spoilers dianteiros para fixar no chão. Na próxima vez que voar em um grande avião fique de olho naquele painel GPS e note a velocidade que eles decolam: é por volta de 320 km/h.
Este teste comparativo eu escrevi na época da Revista MOTO!, com o auxílio do meu então companheiro de equipe César Barros. Nós corríamos no campeonato brasileiro de motovelocidade na categoria 125 Especial. Eu na categoria B (para motos de 1994) e o César na categoria A (para motos 1997). No momento deste teste eu estava liderando o campeonato e o César estava em quinto depois de perder uma corrida por causa de uma corrente quebrada.
Por uma questão contratual (ele tinha patrocínio Honda) o César só podia aparecer pilotando a Blackbird, mas nós dois pilotamos as duas motos. Eu pude fazer várias experiências nas duas. Confesso que nunca gostei muito do estilo da Hayabusa, com aquele farol único no centro da carenagem, que lembra um Ciclope. Pra piorar tinha um acessório pro banco que a transformava em monoposto, coisa horrível de se ver, porque lembra um camelo. Mas ela sempre foi a mais esportiva, tem uma legião de fãs no mundo inteiro e está em produção até hoje.
Já a Honda tem mais classe, desenho super refinado, mais confortável, porém saiu de linha muito rápido. Eu tive a chance de pilotar as duas em autódromo e a Suzuki se dava melhor nestas condições.
Nossa única dificuldade nesse comparativo foi controlar eu e o César, com duas super motos dentro de Interlagos. Tarefa que coube ao capo Roberto Agresti. As fotos são de autoria do meu “filho” Fábio Arantes. Segure-se bem e boa leitura.
COMPARATIVO!
300 km/h. Essa é a velocidade que alcançam a Suzuki Hayabusa e a Honda Blackbird, estrelas da velocidade.
Anote bem este número: 300 km/h. Tem gente que não imagina o que isso significa, mas podemos dar uma noção. Essa velocidade representa 83 metros por segundo. Isso mesmo, no tempo em que você, leitor, demora para falar “um rinoceronte” um veículo a 300 km/h percorre 83 metros, o que representa mais ou menos um quarteirão e meio. Estamos, portanto, falando de algo que corre muito.
Na briga para saber qual marca faz a moto mais veloz, foi superada a barreira dos 300 km/h com a Suzuki GSX-R 1300 atingindo a impensável marca de 308 km/h - 325 km/h, segundo a fábrica, em condições ideais. Até então o modelo mais veloz era a Honda Blackbird, com 303 km/h. E vem aí a Kawasaki ZX-12 Ninja, que promete bater na Hayabusa. Oh, Deus, aonde vamos parar? Esta pergunta já foi feita dez anos atrás quando as motos atingiram a marca de 250 km/h. Agora volta-se à mesma questão e é mais provável que as fábricas tentem um acordo de paz para terminar essa guerra de velocidades e desempenhos estúpidos. Alguns países da Europa, como Alemanha e França, já determinaram a proibição de venda de motos que passam de 100 cv, justamente para inibir a guerra pela velocidade.
Poderíamos comparar com a polêmica sobre o uso de armas de fogo. Nem todo mundo que tem um revólver chega a utilizá-lo. Da mesma forma, nem todo mundo que roda com uma moto que passa dos 300 km/h vai querer ver o ponteiro do velocímetro superar essa marca. Alheios a essa polêmica, temos duas representantes da categoria sport touring, uma definição um tanto vaga para essa categoria de supermotos. Talvez o mais correto seria chamá-las de super speed, ou qualquer coisa do gênero.
Suspensões mais esportivas garantem melhor desempenho pra Haya numa pista.
A Honda já é nossa conhecida. Para 1999 ela ganhou injeção eletrônica de gasolina, mas o desempenho manteve-se quase igual. O motor quatro cilindros em linha, que já era dócil e de excelente retomada, ficou melhor, com respostas rápidas desde as rotações mais baixas até a faixa vermelha. Nota-se pouca vibração, mesmo para um motor que desloca exatos 1.137 cm3 e tem potência (declarada) de 164 cv a 9.500 rpm.
A Suzuki é a novidade. A arquitetura do motor é a mesma, com quatro cilindros em linha, 16 válvulas, duplo comando, injeção eletrônica, mas as semelhanças param por aí, porque em termos de comportamento ele é bem diferente. A primeira surpresa ao se acionar os exatos 1.298 cm3é a rapidez com que ele sobe de giro. Até parece motor dois tempos, mas a decepção vem do excesso de vibração. A potência declarada de 172,6 cv a 9.800 rpm pode ter participação nessa doença congênita.
Blackbird: mais confortável e suave de pilotar. Pena ter saído de linha.
Esse motor é totalmente novo, mas teve como base o propulsor da GSX-R 1100W no aspecto técnico e inspirado na estética do motor da GSX-R 750. Os principais cuidados foram na alimentação e na distribuição. Os carburadores saíram de cena para receber a injeção eletrônica multiponto, integrada à ignição eletrônica com microprocessador. Esse sistema permite controlar a alimentação de forma a cuidar de cada cilindro particularmente. Ou seja, cada cilindro recebe a sua quantidade de mistura independentemente do que acontece com os outros três.
Na Blackbird o motor quatro cilindros também vem de linhagem nobre, derivado da CBR 900RR, muito compacto, com injeção multiponto. A exemplo da Hayabusa, na Blackbird a central eletrônica “lê" os parâmetros climáticos e da moto para enviar a mistura certa para cada cilindro. As duas marcas usaram os princípios da aerodinâmica para reforçar a alimentação. Na Suzuki, as tomadas de ar ficam bem no bico, ao lado do farol e têm até a colaboração dos piscas para direcionar o ar aos orifícios. Já na Honda, as tomadas estão abaixo do farol, no ponto de maior pressão aerodinâmica.
Soluções diferentes para as tomadas de ar.
Na parte ciclística as principais diferenças estão na suspensão dianteira. A Suzuki optou por uma solução mais esportiva, com garfo invertido e bengalas multirreguláveis. Já a Honda foi mais conservadora, utilizando garfo convencional e bengalas sem regulagens. A Hayabusa ainda tem como equipamento de série o sagrado amortecedor de direção que nos livra de vários sufocos, enquanto na Blackbird esse equipamento foi dispensado em função de uma ciclística mais equilibrada. Mas cá pra nós, um amortecedor de direção é sempre um equipamento tranqüilizador, principalmente em motos que rodam a 300 km/h.
Ambas têm quadro de alumínio, mas a geometria da Suzuki demonstra uma clara inspiração mais esportiva, com menor ângulo de cáster (24,2°) e menos trail (97 mm). A Suzuki é também a mais baixinha, com 805 mm de distância do banco ao solo, contra 810 mm da Honda. Na prática esses 5 mm nem são percebidos. O que se nota é mais uma vez a tendência de as motos ficarem mais altas.
Pneu traseiro mais largo na Suzuki (a da direita).
Outra grande diferença entre ambas está nos freios, com o sistema CBS de frenagem combinada na Honda, mais eficiente que o sistema convencional da Suzuki – que apresentou superaquecimento da pinça traseira durante os testes em pista.
Passarada
Com as duas maxi sport touring batizadas com nomes de pássaros, a briga é nos ares. Por sinal, as aves são animais de características extremamente agressivas, algumas praticam o canibalismo e outras brigam por uma fêmea até que um dos machos morra! Pense bem antes de ter uma ave exótica em casa... No caso dessas motos com nome de aves, é melhor rodar nelas para saber quem devora e quem será devorado.
O funcionamento dos motores revela personalidades bem distintas. Na Blackbird o motor tem curvas mais suaves de torque e potência, evidenciando seu aspecto touring. Pode-se deixar o motor cair de giro, em última marcha, que ela tem disposição e saúde para retomar. O torque máximo aparece aos 7.250 rpm, mas já aos 2.500 rpm pode-se sentir o empurrão nas costas, subindo de rotação de forma "limpa" e progressiva. A Hayabusa tem funcionamento mais “áspero" e agressivo, com o torque aparecendo apenas aos 3.200 rpm, atingindo o máximo mais cedo, com 7.000 rpm. Em compensação, a subida é mais rápida, chegando facilmente a 9.000 rpm. Poderíamos dizer que o motor da Honda é mais suave na entrega da potência, enquanto a Suzuki oferece a potencia de forma mais violenta.
Frente a frente: difícil dizer qual é mais bonita.
Apesar de remeterem a ideia de touring que sempre sugere uma estrada reta e bem lisinha, as duas apresentam estabilidade compatível com as esportivas, A Suzuki Hayabusa tem vocação para as curvas, sobretudo pelo pneu traseiro mais largo (190 mm) e mais baixo (50 mm), enquanto a Honda Super Blackbird monta pneu traseiro 180/55. Na frente as duas usam a mesma receita 120/70. Na prática, a Suzuki revelou forte tendência a sair de traseira, principalmente pela forma abrupta que entrega a potência, fazendo os pneus escorregarem com facilidade. Nada comprometedor, desde que se mantenha a calma para colocar tudo de volta no lugar – inclusive o coração que saiu pela boca. Na Honda também pode-se praticar a derrapagem controlada, com mais tranquilidade pelo comportamento mais dócil do motor. Uma das vantagens do pneu sem câmara que equipa as duas foi comprovada na prática, quando um prego furou o pneu traseiro da Suzuki que só foi esvaziar à noite. Justamente a Suzuki, que não tem cavalete central, equipamento presente na CBR.
Painel da Hayabusa
Parelhas
Falar em diferença de desempenho é uma questão sutil, porque elas têm cotas bem parecidas. A Suzuki foi mais rápida em velocidade máxima, mas em algumas medições a Honda foi melhor e houve até alguns empates. Por exemplo, a aceleração de 0 a 100 km/h é exatamente a mesma, inclusive na casa decimal, com 2,8 segundos para as duas. Já na aceleração de 0 a 400 metros, a Honda fez em 9,8 segundos contra 10,1 segundos da Suzuki. Já na aceleração de 0 a 1.000 metros, a Suzuki foi pouco melhor, fazendo em 18,7 segundos contra 18,9 segundos da Honda.
Painel da Blackbird
As velocidades máximas, como já foi descrito lá no começo, foi maior para a Hayabusa, com 308 km/h, contra 303 km/h da Blackbird. Alguém pode questionar por que aparecem marcas diferentes de velocidade para uma mesma moto. A explicação é uma só: depende das condições do teste. Lembra das aulas de química? a tal CNTP – Condições Normais de Temperatura e Pressão. Muitas vezes uma mesma moto pode variar até 10 km/h de velocidade máxima, apenas mudando a direção do vento. Por isso mesmo a velocidade máxima é o dado que mais varia nas medições.
Semelhante também é a posição de pilotagem das duas, com uma pequena vantagem para a Honda por ter o guidão numa altura menos sacrificante. A Suzuki, por sua vez, oferece uma capa para o banco traseiro, criando uma espécie de rabeta, o que a transforma em uma monoposto. Funciona bem, mas em termos de estética é meio duvidoso.
Difícil mesmo foi controlar esses dois na pista de Interlagos!
O legal dessa Hayabusa está meio escondido: o painel. Além dos instrumentos analógicos tradicionais, existem dois mostradores de cristal líquido. O de cima mostra as horas, mas serve como alerta para alguma pane no sistema de gerenciamento eletrônico do motor, o painel inferior indica o hodômetro parcial e total, mas também o consumo instantâneo ou os litros necessários de gasolina para percorrer 100 km, ou seja, trata-se de um pequeno computador de bordo. O incomum dessa Suzuki é o afogador manual, porque normalmente os motores com injeção eletrônica contam com afogador automático.
O acabamento dessas duas mega sport touring se equivalem, afinal trata-se de motos de preço elevado, o que exige atenção especial aos detalhes. Procurar defeito nessas motos é coisa para relojoeiro suíço. Elas são bem construídas, ambas com pedaleiras de alumínio recobertas com borracha, barras para garupa, bancos confortáveis e suspensões bem calibradas.
Eu, na foto acima, e César na foto abaixo. Competimos pela mesma equipe em 1999. (Fotos: Idário Café).
Tão difícil quanto julgar qual a melhor é encontrar uma justificativa para o preço salgadíssimo. A nova Hayabusa está cotada em R$ 29.500, mas só estaria disponível nas lojas a partir de setembro. A Honda Blackbird pode ser encontrada nas concessionárias Honda, ao preço de R$ 28.300. São valores próximos para motos que se comportam de maneira muito parecida.