Os brasileiros e os freios das motos*
* Geraldo Tite Simões (proibida a reprodução total parcial)
Em agosto a Honda do Brasil apresentou à imprensa especializada uma nova CG 150 Titan com freios CBS, sigla que significa Combined Braking System (sistema de freio combinado). O sistema é relativamente simples, mecânico e hidráulico, que dispensa complexos aparatos eletrônicos. É o mesmo sistema que já existe nos scooters da marca Lead 110 e PCX 150 e funciona da seguinte forma: quando o motociclista aciona apenas o freio traseiro, cerca de 25 a 30% da carga é transferida para o freio dianteiro, atuando em um dos três pistões da pinça.
Antes de entrar em mais detalhes desse freio deixa eu contar um pouco de como funciona a frenagem em motos. Para começar é bom esclarecer que moto não é um carro de duas rodas. Parece ridícula a afirmação, mas é assim que os departamentos de trânsito tratam a motocicleta. O carro se mantém sempre paralelo ao chão, mesmo nas curvas, com uma pequena variação graças ao trabalho da suspensão. Já as motos se inclinam na curva e muito! Nas esportivas elas chegam a derivar mais de 45º em relação ao eixo vertical.
Em função dessa inclinação, toda a frenagem deve ser diferente e isolada. Enquanto no carro o comando do freio é apenas em um pedal, nas motos (e bicicletas) os freios são isolados entre o dianteiro e traseiro porque em determinados momentos não se deve usar o freio dianteiro e em outros nem pensar em usar o traseiro.
Além disso, a moto é proporcionalmente muito mais leve que um carro e a massa do condutor exerce uma influência muito grande na frenagem. Aprender a frear uma moto corretamente é um dos primeiros passos para habilitar um motociclista, mas...
Pau que nasce torto
No Brasil acontece um fenômeno raro em termos de ensino de trânsito: os instrutores são formados apenas para decorar leis e adestrar um cidadão. Esses instrutores não passam por um verdadeiro e completo curso de qualificação técnica. Basta saber pilotar uma moto e decorar o Código Brasileiro de Trânsito. É mais ou menos como selecionar professores de faculdade exigindo currículo apenas a alfabetização básica.
Nas moto-escolas os instrutores ensinam aquilo que aprenderam sozinhos. E entre as maiores aberrações está justamente a frenagem. Qualquer sujeito que for se habilitar em moto e usar o freio dianteiro no percurso do exame SERÁ REPROVADO!!! Isso mesmo, os instrutores de moto-escola no Brasil ensinam que não se deve usar o freio dianteiro porque a moto capota!
Em suma, a escola de trânsito no Brasil ensina errado e os departamentos de trânsito são incapazes de reverter isso. Em algumas localidades o medo de usar o freio dianteiro é tão grande que alguns motociclistas chegam a retirar a manete de freio. E mais: a indústria brasileira de motos é obrigada a manter em linha de produção motos com freio dianteiro a tambor porque tem consumidor que simplesmente se recusa a comprar uma moto com freio dianteiro a disco!
Por isso esqueça uma solução técnica para freios no Brasil enquanto tivermos essa ridícula situação de formar maus motociclistas. Pior: não há Cristo nesse mundo capaz de convencer um motociclista mal formado a usar o freio dianteiro. É como chamar toda a população de volta para a escola e explicar que, na verdade, a Terra é quadrada!
Como as câmaras temáticas do Denatran são compostas por uma maioria de especialistas em carro, surgem propostas como a obrigatoriedade do sistema de freio ABS em todas as motos vendidas no Brasil, como se a moto fosse um carro de duas rodas. O único jeito de instalar freio ABS em moto pequena sem onerar muito o custo final seria adotar a mesma solução de alguns países asiáticos que instalaram o sistema ABS apenas na roda dianteira, a mais solicitada nas frenagens. Mas na Ásia não vivem motociclistas brasileiros, portanto eles sabem frear!
Diante dessa situação foi preciso pensar em um sistema de freios que reduzisse o trauma do motociclista brasileiro e que acionasse sozinho independentemente da vontade do piloto. Assim nasceu o CBS que atua de forma a reduzir os espaços de frenagem, evitar o travamento das rodas e ainda corrigir um padrão de comportamento típico do brasileiro.
A primeira moto pequena brasileira a contar com esse sistema é a Honda CG 150 Titan, apresentada recentemente. Para referendar a eficiência desse sistema a empresa convidou alguns jornalistas para presenciar um teste efetivo. As simulações foram feitas sem uso de trena, mas apenas para efeito visual. No entanto, com ajuda do Instituto Mauá de Engenharia, a Honda fez outros ensaios e apresentou à imprensa. Foram três simulações, todas a 50 km/h, comparando a CG 150 Titan com freio convencional; com a nova versão com freio CBS.
Na medição usando apenas o freio TRASEIRO, travando a roda e acionando a embreagem a CG convencional percorreu 41,4 metros, enquanto a CG 150 com CBS percorreu 27,3 metros nestas condições.
A outra medição, sem travar a roda e sem acionar a embreagem, a distância da CG 150 convencional já reduziu para 38,5 metros. Já a CG com CBS fez praticamente a mesma distância, com 28,4 metros até se imobilizar. Essa diferença de um metro pode ser considerada variação normal em qualquer ensaio.
Impressionante foi o resultado aplicando os dois freios, dianteiro e traseiro, como realmente deve ser. A CG convencional reduziu a distância de frenagem para 24,9 metros. Por outro lado a surpresa foi constatar que na CG com CBS a redução foi proporcionalmente menor, parando em 20,4 metros.
Ou seja, mesmo usando o freio de forma errada, os espaços de frenagem na CG 150 com freio CBS foram bem menores do que na CG convencional sob as mesmas condições. Isso significa que tecnicamente obrigar o uso de freio ABS em motos pequenas pode ser tão inócuo quanto exigir salva-vidas em ônibus. Já o sistema CBS tem como apelo maior a possibilidade de corrigir um erro humano até que as novas gerações de motociclistas passem a frear corretamente, com a vantagem de um custo de apenas R$ 100,00 a mais no preço final.
Agora o mercado vai responder se a solução representará um novo paradigma nos sistemas de freio de todas as motos. Certamente em breve outros fabricantes devem apresentar suas soluções semelhantes. Acredita-se mesmo que em um futuro breve as motos terão apenas um comando de freio, como já é nos automóveis, assim que baratearem os custos dos sistemas eletrônicos. Um ABS completo para motos implicaria em um aumento significativo no custo e no peso total.
O próximo passo agora é investir em formação qualificada dos instrutores de moto-escola porque por mais se crie soluções técnicas para aumentar a segurança dos veículos nada disso funciona sem a ajuda do fator primordial, que é o ser humano. Não adianta equipar os veículos se os condutores são totalmente despreparados.