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A História da Foto: surto de grip em Las Vegas

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Deita muito! Lançamento dos pneus Pirelli Dragon Evo em Las Vegas num dia que eu estava atacado!

Meu primeiro evento internacional

Um dos momentos mais marcantes de qualquer jornalista especializado é participar de um international press meeting, nome chique do adorado jabá, também conhecido como “trem da alegria”. São encontros de jornalistas de vários países, em eventos de lançamentos de motos, pneus, salões, ou uma prosaica visita à fábrica.

Como a Revista da MOTO! era a mais voltada para pautas emocionantes, coberturas de corridas de várias modalidades, testes de motos grandes e potentes, ou seja, uma ideologia editorial bem menos careta, chovia convites para esse tipo de evento.

Mesmo já atuando como jornalista há mais de 20 anos eu mesmo nunca tinha participado de nenhum desses eventos e foi nessa condição de noiva virgem que recebi o convite para participar do teste dos novos pneus Pirelli Dragon Evo, em 1999. E o convite veio nominal, ou seja, era pra mim mesmo!

O press meeting é um momento mais do que especial e de extrema responsabilidade e isso fez meu voo de São Paulo a Las Vegas motivo de tanta ansiedade que fui ao aeroporto de Guarulhos um dia antes! Felizmente tinha uma mocinha no balcão da cia. aérea que se preocupou em ler a data.

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Hotel cassino Luxor, fala sério, isso é tudo de isopor!

Finalmente no saguão do hotel Luxor, uma aberração arquitetônica que pretende imitar uma pirâmide egípcia, encontrei os jornalistas para o jantar de boas vindas. Não conhecia ninguém e o único idioma que dominava era o italiano por isso fui direto grudar na barra da calça do Claudio Corsetti, da revista Motosprint. Ele foi bem sintético:

– Você precisa mostrar que entende, ser responsável e, per Dio, não caia de forma alguma!

Com essas palavras na cabeça fui para a preleção sobre os pneus – todinha em inglês e sem tradutor – e tentei ler no press-release o que deveria avaliar. Era um pneu totalmente novo, feito com fibras sintéticas, mais leves e resistentes a torções. Beleza é isso que tenho de avaliar, pensei!

No sorteio das motos eu fui encaminhado para uma Suzuki GSX-R 600 (tinha várias 600 e 1000cc de várias marcas). Quando dei a primeira volta, ainda conhecendo a moto e os pneus, senti que aquela 600 era feita sob medida pra mim. Me senti muito à vontade e já na segunda volta apertei o ritmo e percebi que ninguém me ultrapassava, enquanto eu passava um monte de gente, inclusive os que estavam nas 1000cc.

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Pode escolher, qual vai querer? (Foto: Tite)

Eu estava tão bem naquela moto que parecia mesmo uma extensão do meu corpo. Sei que isso soa a um tremendo jargão, mas é verdade. Não acredito muito no papo de biorritmo, mas naquela manhã eu estava realmente me sentindo tão “casado” com aquela moto que me surpreendia a forma como pilotava rápido, inclinava nas curvas no limite dos pneus e parecia a coisa mais fácil e natural do mundo.

Mas para entender de onde veio tanto talento preciso voltar um pouco no tempo, cerca de seis meses antes.

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Nesta imagem vemos um grande piloto e ao lado dele o americano Freddie Spencer (Foto: Pedro Mundim)

Escolinha do Professor Spencer

Ninguém – além de mim – sabia não era a minha primeira vez naquele autódromo. Em abril de 1998 ganhei um baita presente de aniversário. Um empresário de Brasília, Vinícius Côrtes, estava negociando a representação do curso de pilotagem do tricampeão mundial Freddie Spencer e me convidou para participar do curso e fazer a cobertura.

Era minha primeira viagem para os Estados Unidos e fui acompanhado do Pedro Mundim, um amigo do empresário que, sorte suprema, era professor de inglês. Isso facilitou demais a minha vida porque eu só precisava segui-lo. Tinha um tradutor em tempo integral muito antes do Google.

Foi uma viagem em dois tempos. Para não ficarmos uma vida dentro do avião fizemos escala de 12 horas em Nova Iorque. Como expliquei era minha primeira vez nos EUA e passei semanas de angústia antes de embarcar porque tive de tirar visto, me preparar para a entrevista na imigração e, óbvio, passar. Naquela época havia uma distinção entre visto de turista e visto de trabalho. Apesar de ser uma viagem de trabalho pedi visto de turista porque custava 90 dólares a menos e era muito mais rápido.

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Quando eu fui pra NY as torres gêmeas ainda estavam de pé! Não fui eu! (Foto: Pedro Mundim)

Procurei um amigo professor de inglês e fizemos várias simulações de possíveis diálogos com os agentes da imigração. Desde situações simples até se encontrassem um quilo de droga na minha mala, ou me confundissem com um guerrilheiro da Al Qeda. Levei uma tonelada de documentos, todo tipo de certidão, atestados e certificados. O Pedro também teve 10 horas de voo para me preparar e preveniu:

– Aconteça o que acontecer, nunca, JAMAIS diga que veio a trabalho, que tem parentes ou amigos nos Estados Unidos e explique que veio sozinho! Se disser que está comigo eu vou negar!

Quando chegou minha vez, entreguei o passaporte, o agente nem olhou pra mim e perguntou, em espanhol:

– O que você veio fazer em Nova Iorque?

Gaguejei um monte e olhei pro cara. Era um bruta montes cheio de músculos, que tentava disfarçar uma calvície precoce puxando o cabelo por cima da orelha. O cabra suava mesmo com o ar condicionado ligado no talo. Estava escrito na testa dele “eu tomo bomba”.

Pensei em tudo que ensaiamos e falei justamente o que não devia:

– Vim andar de moto!

– Mas você trouxe a sua moto? Perguntou o marombado.

– Não, né, ela está aqui!

– Aqui? com quem? com um amigo, parente, você conhece alguém nos Estados Unidos?

Pronto, estava feita a cagada do dia. Fiquei olhando pro cara, com a naturalidade de quem é pego com armas e drogas e tive de arriscar tudo. Olhei para os dois lados, para trás, como se estivesse sendo vigiado pela Interpol, CIA e KGB e expliquei bem baixinho:

– Olha aí no passaporte a minha data de nascimento, fiz aniversário semana passada, como sou gay vim comemorar em Las Vegas, justamente porque aqui não tenho parentes, amigos, inimigos, ninguém me conhece! Vou alugar uma Harley e fazer a Rota 66. Que nem naquele filme Priscilla Queen of the Desert.

O oficial era bem musculoso mesmo. Tinha mais trapézio que o Circo de Soleil. Quando ouviu minha descrição parou tudo e finalmente olhou pra mim. Mas olhou estranho. Até sorriu e eu não sabia se isso era bom ou ruim. Ele riu mais abertamente e falou:

– Entendi, tipo Priscilla?

– Isso! Priscilla, queen of the desert!

Ele riu mais descaradamente, carimbou meu passaporte e tive a impressão que ficou olhando minha bunda quando segui em frente. Deve ter imaginado eu, com colete de couro, numa Harley, atravessando o deserto de Nevada com uma echarpe de voil esvoaçante e sovaco peludo.

Passei semanas treinando para uma eventual deportação e acabei fazendo a loka motoqueira da Rota 66 justamente pra um mariner musculoso suspeito! Se passasse um índio Cherokee estava formado o Village People em pleno JFK Airport!

Entrei nos Estados Unidos! Sem precisar usar a porta dos fundos, mas entrei. Passamos o dia zanzando por NY na época das Torres Gêmeas ainda em pé, fizemos fotos que nem dois turistas chineses e eu tinha finalmente perdido a virgindade (no sentido figurado, bem entendido) da América do Norte. Mal sabia que voltaria pra NY ainda muitas vezes.

Já não aguentava mais de ansiedade para chegar na sala de aula do curso de pilotagem e mal consegui dormir na primeira noite em Las Vegas. A cidade era muito estranha, tudo feito de papelão ou isopor. Parece um grande cenário de filme da Disney só que para adultos. Foi na primeira noite que entrei no enorme Harley Rock Café, um verdadeiro shopping center só de badulaques da Harley-Davidson e comprei um isqueiro Zippo sem nem sequer fumar!

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Harley Café, um shopping center só de tranqueiras da Harley, dá vontade de comprar tudo. (Foto: Tite)

Na manhã do curso chegamos na pista e, de cara, tive uma overdose de informação. Foi a primeira vez que ouvi falar de fazer curvas de moto usando o máximo de força nas pernas e deixar as mãos apoiadas bem leves nos semi-guidões. Isso estava bem difícil pra eu entender até que começaram as aulas práticas.

Aos poucos fui entendendo como isso funcionava, mais do que isso, sem saber que a moto estava com sensor de telemetria encerrei o primeiro dia de aula com um tempo de volta nada menos do que 10 segundos mais rápido do que o segundo aluno mais rápido. Mas eu não sabia até chegar no dia seguinte.

Assim que pusemos os pés no autódromo o cronometrista me mostrou a folha de tempo com a pista dividida em trechos. Minha volta efetiva era quase um segundo mais lenta do que a volta ideal e pediu para eu levar a folha pro Mr. Spencer avaliar. No caminho um dos instrutores me chamou num canto e pediu encarecidamente para eu maneirar, foi tipo assim:

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Peguei a moto número 10 em homenagem ao Pelé. (Foto: Pedro Mundim)

­ – Olha, você é convidado, esses caras vieram de várias partes dos EUA e até da Europa, pagaram 2.000 dólares e estão se sentindo uns salames por sua causa, não sabem que você já é piloto, então faz um favor e maneira!

Esse instrutor era (e ainda é) o importante jornalista especializado Nick Ienatsch, campeão americano na categoria 250cc e que também atua como piloto de teste de grandes revistas americanas.

Depois desse “toque” mostrei o meu “boletim” para o Freddie Spencer que deu o recado mais valioso da minha vida de piloto:

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Mr. Freddie Spencer analisando meu gráfico de tempos. (Foto: Pedro Mundim)

– Você é um bom piloto, mas está fazendo muita força nas mãos. Relaxa as mãos, deixa elas apenas apoiadas. Você precisa sentir os pneus, mas se agarrar as manoplas com força não consegue sentir como os pneus estão se comportando. Tem de ser suave, o segredo para dialogar com a moto é ser suave. Freie suave, acelere suave e incline suave.

De cada 10palavras dele 9 eram “smooth”. Dito isso saiu na frente com uma Honda VFR 800 e eu segui atrás na Honda CBR 600F3. Depois de umas cinco voltas ele fez sinal para eu ir na frente e aí concentrei e fiz exatamente o que ele pediu.

Ao final da aula recebi minha folha de tempo e aquela diferença entre a volta efetiva e a volta ideal tinha diminuído para dois décimos de segundo. Mas aquela diferença do meu tempo para o segundo melhor aluno tinha aumentado para 12 segundos. “Danem-se eles, quem mandou não estudarem”, pensei e fui curtir o jantar de despedida.

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Esse era o traçado do Las Vegas Motorspeedway no curso de pilotagem. 

De volta a Vegas

Cerca de seis meses depois lá estava eu de novo, na mesma pista de Las Vegas, porém no outono, muito mais ameno do que os mais de 400C que fez nos dias do curso. Já conhecia cada curva, mas fizeram uma importante alteração: esta pista tem um oval externo e o circuito misto interno. No curso usamos apenas a circuito misto, mas no teste da Pirelli incluíram um trecho da reta do circuito oval, onde as motos chegavam na velocidade máxima e depois fazia uma frenagem insana para entrar num “S” em primeira a 90 km/h. Cada frenagem parecia uma vasectomia.

Com a Suzuki GSX-R 600 eu lembrei das lições do professor Spencer e a cada volta parecia que tudo fluía cada vez mais natural. Eu realmente me sentia como se tivesse asas e sabia que naquela pista, naquele dia com as motos até 600cc não tinha ninguém mais rápido.

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Na Aprilia RSV Mille não me senti tão confiável e meu sonho de piloto desabou!

No meio da programação foi a vez de eu pegar a Aprilia RSV Mille, uma superesportiva italiana de 130 cavalos que estava no processo de homologação para disputar o campeonato americano de Superbike. Eu não tinha visto, mas entre os jornalistas havia alguns pilotos americanos de superbike que estavam lá justamente para avaliar a Aprilia.

Comecei a dar as voltas com a 1000 e aquela sensação de casamento já não rolava. Tanto o tamanho da moto quanto a cavalaria a mais, tudo estava esquisito e não “encaixava” a pilotagem de jeito nenhum. Fui entendo melhor a moto e já estava à vontade, com aquela sensação de ser o cara mais rápido daquela pista, dos Estados Unidos, do mundo todo. Até que veio o choque de realidade.

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O traçado no teste da Pirelli com parte do oval e uma frenagem insana pra curva em S.

No retão do circuito oval a Aprilia passava dos 280 km/h (no velocímetro digital) e permanecia nessa velocidade por uns dois a três segundos até chegar a frenagem para a curva do S em primeira marcha. Se na 600 já era um soco no estômago, na 1000 parecia que minhas entranhas explodiriam a cada frenagem.

Então eu estava nessa reta, a uns 280 km/h, em sexta marcha, me achando o cara mais rápido do mundo e comecei a frear para o S quando passou uma mancha por mim. Eu achando que estava freando no limite e o outro piloto passou por mim acelerando! Depois começou a reduzir, a moto saiu loucamente de traseira entrou num drift tão absurdo que vi toda lateral da moto. Continuou de lado, foi se aproximando da primeira perna do S e eu tinha certeza que ele ia passar reto como uma flecha ou dar uma capotada cinematográfica. Quando estava com a roda dianteira a um palmo da entrada da curva a moto endireitou, o piloto inclinou, fez o S como se estivesse numa Caloi 10 e eu vi tudo aquilo de camarote! Se tivesse uma câmera na minha moto seria uma cena de cinema!

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Parei nos boxes me sentindo um salame, louco pra ir pro hotel, recolher à minha insignificância, mas ainda tinha duas baterias com a RSV Mille. Pra tentar diminuir a minha salamice fui perguntar pro mecânico da Aprilia se aqueles pilotos eram tipo, assim, campeões americanos, extra terrestres disfarçados.

– Niente, são uns riquinhos que querem montar uma equipe amadora e estamos tentando convencer a comprar nossas motos!

Pensei “putz, eu me achando o rei da cocada e vou ter de voltar pra pista com esses pilotos “amadores”, que dureza!

Para provar que Deus é brasileiro, milagrosamente começou a chover, algo raro de acontecer em Las Vegas!

Pensa que acabou?

No jantar o jornalista Claudio Corsetti sentou do meu lado e comentou as atividades do dia, elogiou minha velocidade com responsabilidade (até parece!) e eu expliquei que já conhecia a pista porque tinha feito o curso do Freddie Spencer pouco antes e bla-bla-bla. Do nosso lado estava um alemão Christian Casper, engenheiro de desenvolvimento da Pirelli e o italiano Salvo Pennisi, chefe dos testadores de pneus da Pirelli. Eles ouviram nossa conversa e o alemão (que falava italiano fluente) perguntou qual pneu usavam as motos do Freddie Spencer. Era Michelin, mas eu deveria ter dito que não sabia. Porque quando falei a marca meu jantar esfriou e azedou: aqueles dois enlouqueceram, porque ali, diante deles, estava um índio txucarramãe que tinha pilotado duas 600 na mesma pista, mas uma com pneu Michelin e outra com Pirelli.

Olhei pro meu prato, um delicioso e cheiroso ossobuco, mas não consegui nem encostar, nem no pãozinho italiano com manteiga. Os caras me encheram de perguntas, tentando comparar os dois pneus, e eu estava feliz demais para simplesmente mentir e dizer que não sabia, então me despedi do buraco de osso e contei a longa impressão dos pneus.

– O mais impressionante foi na frenagem, porque é um momento de muito estresse pra qualquer pneu, ainda mais com uma curva em S no final. A mudança de trajetória no S foi impressionante, parece que esse pneu não deforma nem se colocar numa morsa e apertar!

Ganhei o respeito dos caras porque estes eram justamente os dois pontos que os novos Pirelli Dragon Evo tinham de enorme vantagem em relação aos Michelin.

Pelo menos consegui aproveitar o tiramissù.


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