Salto alto: eu inventava as loucuras e o Mário Bock clicava!
Ténéré voadora!
No final dos anos 80 a Yamaha surpreendeu com o lançamento de uma das motos mais icônicas do mercado mundial, a XT 600 Ténéré, a bem sucedida rainha dos desertos africanos. Era o sonho de consumo de 9 entre 10 viajantes e praticantes de fora-de-estrada. Imagine a minha ansiedade para pilotar essa moto, na flor dos meus 28 anos, trilheiro juramentado e considerado – na época – um dos mais respeitados jornalistas do setor.
Nesta época meu relacionamento com a Yamaha era ótimo e os executivos eram amigos fora do mundo profissional também. Nada comparado com hoje em dia que a relação com a marca só piora.
Mas naqueles tempos as fábricas nos entregavam a moto e a única recomendação era extrair dela o máximo de informação, independentemente do estado que devolvesse. E muitas vezes as motos voltavam um bagaço.
Assim que liberaram a XT 600 Ténéré eu mesmo fui buscar pessoalmente na fábrica da Yamaha em Guarulhos. Ela tinha acabado de ser ativada, zero quilômetro de verdade e tratava-se de uma pré-série. Estas versões "pré-série" na verdade eram exatamente iguais às de produção em série, poderia eventualmente mudar um adesivo, um botão diferente ou outro fornecedor de parafuso. Mas no geral era exatamente igual à de série.
A fábrica da Yamaha ficava – e ainda fica – na margem da via Dutra e lembro como se fosse ontem a minha emoção ao dar a partida naquele motor de um cilindro, engatar a primeira e entrar na Dutra em direção à capital como se estivesse flutuando a um metro do asfalto. A emoção de pilotar uma moto totalmente nova pela primeira vez e ser o primeiro a montar, antes de chegar às lojas, é inexplicável. É como se cada vez fosse uma lua de mel!
Assim que pousei na redação da revista Duas Rodas foi um furor. Todo mundo na garagem pra ver a maior trail do mercado brasileiro. O mais animado era o fotógrado Mário Bock, o maior apoiador das minhas ideias mais malucas. O Mário foi um dos fotógrafos mais abertos a ideias criativas. Imagine o sufoco que era produzir três a quatro testes pode mês, buscando soluções diferentes para cada uma.
Nosso programa favorito era descer para o litoral norte e produzir as fotos em vários cenários diferentes: estrada, cidade, praia, terra, trilha e voltar pra São Paulo no mesmo dia! Geralmente íamos em duas motos, carregando uma montanha de equipamentos, porque eu tinha de usar macacão de couro na estrada e com roupa de trilha no off-road. Além disso, nessas priscas eras a fotografia era com filme. Nós tínhamos de usar poucos rolos de filme (algo em torno de 100 fotos) para fazer a capa, miolo e, neste caso, o pôster. Não tinha margem pra erro e precisávamos acertar o máximo possível. O resultado só seria conhecido dois dias depois quando os filmes voltavam do laboratório.
Nesse teste específico fizemos as fotos na cidade e estrada na parte da manhã e fomos em direção à Bertioga pela serra de Mogi das Cuzes, onde fizemos as fotos com o famoso macacão de couro amarelo do Capitão Gemada.
Na região onde hoje é o balneário de São Lourenço antes era um grande matagal. Neste local foi realizado uma das mais famosas corridas de enduro da história da modalidade, o Enduro das Praias, que participei correndo com uma Yamaha DT 180 praticamente original e mal consegui dar uma volta completa!
Foi quando eu sugeri ao Mário fazer as fotos na mesma trilha e ele topou na hora. Péssima ideia – e quanto pior a ideia, mais o Mário aprovava. Se eu já tinha quase morrido com os bofes de fora em uma leve e tranquila DT 180, imagine uma pesada, alta e novinha XT 600 Ténéré! Mas a vontade de fazer as fotos na praia falou mais alto.
Vesti o uniforme de trilha e foi pura diversão, tomando maior cuidado pra não destruir a moto antes de terminar as fotos. Foi quando vi um morrinho que dava para saltar bem alto. Como expliquei antes, nessa época não dava pra ver "como ficou a foto" no display digital. A gente marcava o terreno exatamente onde eu ia passar, saltar e aterrissar e o Mário fazia o pré-foco para acertar. Mesmo assim o índice de acertos no caso do Mário Bock era altíssimo!
Essa foto foi o pôster central da revista Duas Rodas.
Terminamos essa sessão, vesti novamente o macacão de couro e planejamos voltar pelo Guarujá. Sempre que terminava a sessão de fotos e sobrava algum rolo de filme era a hora de viajar na maionese. Primeiro a gente garantia o "arroz-feijão", depois pirava em experiências ousadas pra ver se salvava alguma coisa mais doida e foi com essa estratégia que tive outra péssima ideia, imediatamente aceita pelo Mário.
Ao sairmos da balsa de Bertioga lembrei de uma trilha que eu costumava fazer quando era criança. Passava por uma ruína da época da fundação de Bertioga que, num país normal, teria sido preservada, mas estava abandonada e vandalizada. Nunca tinha feito aquela trilha de moto e minha memória me traiu feio.
Sem paciência para tirar o macacão eu decidi vestir uma capa de chuva por cima, falei pro Mário subir na garupa e entramos nessa trilha. Que era bem mais apertada do que eu imaginava – ou eu era bem menor aos 12 anos de idade! Passamos por trechos espremidos entre uma rocha e o abismo que terminava nas ondas do mar quebrando nas pedras. Tudo isso numa moto alta, pesada e com o Mário na garupa. Uma insanidade que eu jamais repetiria na vida!
Como nada é tão ruim que não possa piorar, depois de descer uma trilha bem lisa começou a chover! Estávamos no meio do nada, sem comunicação, com uma moto pesada, numa trilha escorregadia e uma subida cheia de pedras para encarar. Coisa típica da dupla Tite-Mário Bock. Parece que a gente tinha uma capacidade inata de nos meter nos maiores perrengues.
Com uma habilidade que nunca imaginei que tivesse consegui passar ileso por toda a trilha, sem deixar a moto cair e, num trecho de granito, tive de descer e empurrar a Ténéré debaixo do sovaco, com macacão de couro, suando litros. O Mário registrou tudo, mas não usamos as fotos na matéria porque o filme era preto&branco!
Pensen num perrengue: macacão de couro, piso ensaboado, 200 kg de moto debaixo do sovaco!