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Imagina na Copa

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Em homenagem à Copa do Mundo e todos os gringos que baixarão por aqui, uma doce lembrança do Rio de Janeiro nos anos 80. Esta crônica faz parte do livro O Mundo É Uma Roda, que vc pode adquirir comigo mesmo, assinado, autografado e beijado pelo e-mail tite@speedmaster.com.br pela bagatela de R$ 30,00 + frete. Pede logo que estou duro!

 

O Rio de Janeiro continua lindo

 

Histórias de um fotógrafo de Fórmula 1

 

Estava eu, zanzando pelos boxes de Jacarepaguá em 1981 (ou 83, sei lá) quando um grupo de jornalistas alemães brancos como umas bribas chegou na maior cara de pau me pedindo pra levá-los no Maracanã ver jogo de fussball. “Nem f***”, respondi educadamente, porque não curtia futebol naquela época e aqueles caras fediam tanto que jamais entraria num carro com aquele murundum todo. Até que um deles sugeriu “entao vamos ver um sambao” (assim mesmo, sem til nos as). E continuei ajeitando minha Pentax ME Super II sem ligar pros caras até que um deles falou a palavra mágica: “Nós podemos pagar!”.

“Uh, money makes the world go around”, pensei com meus botões e mandei um valor pros caras recusarem: 50 Marcos por cabeça (dava mais de 50 dólares cada). Os caras toparam!

- Ja, gehen vier jezt, leute! – comecei a falar alemão de uma hora pra outra.

Só que eles estavam em seis e eu de moto. Liguei prum cumpadre carioca e disse que tinha 20 pratas (brasileiras, é claro, coisa tipo 50 reais) pra ele emprestar a Rural 1968 por uma tarde. O cara, numa pindaíba de dar gosto, topou na hora e ainda levou o carro até a porta do circuito. Quer dizer, carro é um eufemismo, era uma carroça caindo aos pedaços, sem freio de mão, sem bateria e fedendo a cachorro molhado porque o cara tinha uns 12 vira-latas que usavam a Rural de dormitório. Quando os gringos bateram o olho no carro até ficaram emocionados:

- Que legal, seu amigo coleciona carros antigos?

- É, respondi, tem uma coleção raríssima com várias Kombis, Fuscas, Galaxies e Corcel. Preferi omitir que o cara era atravessador de um ferro-velho, mas afinal, eram carros antigos, não eram?!

A parte do sachê de cachorro molhado foi fácil resolver porque a catinga dos alemães era mais forte do que todo o canil da prefeitura debaixo de chuva. Mas a cada vez que precisava ligar a geringonça os gringos tinham de descer e empurrar. Imagine isso num calor de 40°C com os caras suando mais do que tampa de marmita, e a catinga aumentando.

Lembrei de um negão que trabalhou comigo na produção de um comercial de TV e ele deu a letra de um ensaio perto de nada menos que a subida da Rocinha. Bom, 23 anos atrás favela era ponto turístico e a gringaiada adorava passear pela favela. Quando passava uma criança bixiguenta com o bucho estufado de vermes, os gringos repetiam “Oh, vie süsser kinder” (* que criança fofinha!).

Parei a Rural em frente ao ginásio, já endireitada na descida para facilitar a partida e calcei as rodas com quatro tijolos. Por garantia arranquei o cachimbo da bobina e meti no bolso. Eu já tinha fotografado o carnaval do Rio no tempo da avenida, mas nunca tinha visto um ensaio. Quando a bateria começou a tocar dava pra sentir o bumbo batendo no meu plexo braquial. Os gringos quase choraram de emoção e eu de felicidade.

“Nunca foi tão fácil ganhar 300 dólares”, pensei, já imaginando o destino daquela grana, que equivaleria hoje a algo como 1.500 reais. Como nunca fui muito bom de samba e estava me sentindo mais deslocado do que cebola fatiada em salada mista, acomodei-me de frente para umas mulatas sambistas, abri umas cervejas e não falava nem ouvia nada que os gringos diziam porque tava um batuque lascado. Os alemães pulavam mais do que siri na lata, mas aparentavam inocência.

Tudo bem até que vi um dos gringos colar numa mulata de corpo escultural e pressenti que aquilo cheirava encrenca. O cara chacoalhava molenga que nem minhoca em calçada quente, pensando que estava sambando e a mulata achando que o gringo era autista. A mulata era realmente deslumbrante, por isso achei melhor interceder antes de uma desgraça se consumar. Levantei e um negão com o pescoço da largura de um poste bateu no meu ombro, apontou pro gringo e mandou: “O gringo ali é seu amigo?”

- É, mas vai deixar de ser daqui a pouco!

Nesse segundo de distração escutei um PAF! E meus joelhos já amoleceram. Virei e vi um alemão com a marca de cinco dedos na bochecha, com uma mulata pulando e gritando. Tava feita a cagada.

Gritei pros gringos “Run, seus sonófobitches, schnell, coooooorre” e saí correndo pra mostrar na mais cristalina pantomima que o tempo tinha fechado. Os cariocas nem se esforçaram muito, só fizeram menção de vir atrás, mas chegamos os sete na Rural com o rabinho entre as pernas, enxotados, com os dentes ainda dentro da boca. E cadê que eu lembrava do cachimbo da bobina. Descemos quase toda a favela e nada de a Rural pegar, o cheiro de gasolina, misturado com sovaco de gringo já tava dando náuseas e nada da carroça pegar. Os caras empurraram quase toda zona sul do Rio até que lembrei do cachimbo, mas não tive coragem de contar porque certamente eles fariam abajur com a minha pele. Discretamente, abri o capô, fiquei olhando aqueles seis cilindros em linha um tempão e quando eles saíram de perto meti o cachimbo. Empurraram mais uma vez e, cosp, gasp, tuf... pegou!

Dois anos depois cruzei os alemães de novo na F1, mas desta vez nem sequer mencionaram qualquer passeio. Uma pena, porque meu cumpadre tinha acabado de comprar uma Veraneio 71 novinha em folha, só faltava o assoalho!

 

 


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