Até que combina comigo. (Fotos: Gustavo Epifânio)
Calma, não é música do Roberto Carlos, é a volta da marca Indian ao Brasil
A primeira vez que vi uma moto Indian eu devia ter uns 7 anos. E como criança enxerga tudo com outras dimensões ela parecia enorme, barulhenta e brilhante. Passados 50 anos a criança que vive em mim (e não paga aluguel) olhou para a Indian Chief e achou enorme, brilhante, mas silenciosa. Pouca coisa mudou na minha memória, até montar e sair rodando.
Antes deixa eu contar um pouco da história da Indian. Se você acha que a Harley-Davidson foi pioneira, esquece. Neste caso quem nasceu primeiro foi a galinha, pelo menos o cocar do índio que deu origem ao nome tinha penas!
Além de eficiente, o motor é bonito.
Sim ela nasceu antes da HD, mais precisamente em 1901, já com motor V2. Foi pioneira em usar o acelerador rotativo no punho direito (antes era no pé) e também no uso de caixa de câmbio de duas velocidades. A marca sofreu grandes mudanças nos períodos das duas guerras mundiais e praticamente desapareceu quando as motos japonesas dominaram o mercado mundial. Em 2011 a americana Polaris adquiriu os direitos da marca e trouxe a lenda de volta à vida.
Mas como tudo que morre e renasce, ela voltou melhor, mais avançada e com fome de devorar a concorrência.
Banco de couro... um luxo.
Os modelos que tive acesso na primeira avaliação coletiva para a imprensa foram a Scout, com motor V2 de 1.133 cc arrefecido a líquido; a Indian Chief Classic e Chief Vintage, ambas com motos de 1.811 cc, também arrefecidas a líquido. Como o modelo que deve ser o mais vendido da marca é a Scout, vou me concentrar nele e futuramente volto a tratar das grandonas Chief.
Vintage sim, antiquada não!
Na primeira aparição pública da Indian, no Salão Duas Rodas de 2015, já fiquei de olho nesse modelo. O interessante é que tem cara de antiga, tamanho de custom clássica, mas algo está fora da ordem. Assim que bati o lho no motor percebi: nada de aletas de arrefecimento. Os cilindros são lisos e as paredes são tão finas que parecem embaladas a vácuo. Danem-se os puristas, é um motor bonito, liso, preto fosco, com traços em alumínio polido. Extremo bom gosto. E já apresenta o cartão de visita: velha é a vovozinha!
Bocal do tanque com detalhe da letra "i".
O belo tanque de gasolina (12,5 litros) tem bocal do tipo rápido, como nas motos esportivas e essa moda de misturar vintage com moderno lhe caiu muito bem. Guidão largo e baixo, como era antigamente, porém com punhos modernos. No centro o painel simples é formado por apenas um instrumento circular, que tem tudo, até conta-giros digital, mas precisa programar para aparecer no lugar do hidômetro.
O quadro é algo que merece ser olhado com calma. Nada de treliça tubular, mas uma moderna combinação de berço e subquadro de alumínio forjado, dividido em três partes. Ele fica estrategicamente exposto e tem superfície texturizada fosca. Colocados em ângulo bem inclinado estão os amortecedores traseiros reguláveis, que buscam manter a tradição, sem abrir mão da eficiência.
Freios ótimos para uma moto custom.
Ainda com a Scout parada, apoiada sobre o cavalete lateral, pode-se observar o cuidado no tratamento do revestimento do banco. Feito de couro autêntico faz lembrar os carros de luxo. Inicialmente fiquei preocupado com esse couro exposto às intempéries, mas depois lembrei da minha vida de sitiante e nunca vi um boi se desmanchando no sol. Acho que depois de alguns anos esse couro vai adquirir aquele aspecto de couro amaciado e ficar ainda mais charmoso.
Para encerrar a primeira impressão visual, as rodas são de liga leve e o pneu dianteiro é de largo e de perfil alto (130/90-16), respeitando esse estilo clássico. Quanto à roda raiada, de fato seria mais tradicional, mas a segurança do pneu sem câmera compensa sair fora da regra.
Essa moto combina com cavanhaque branco.
Bem vindo a bordo
Assim que me posicionei na Scout percebi uma sacada da marca: o banco fica bem baixo (635 mm) o que pode facilitar a vida tanto de pessoas mais baixas quanto de mulheres que se sentem mais à vontade pisando com os dois pés bem firmes no chão. Mas pode-se optar por deixar o banco mais alto. Opcional também é o banco de garupa. Mas na versão solteirão ela fica bem mais bonita.
Como de costume, o guidão é largo e as pedaleiras ficam avançadas. Não é a posição de pilotagem dos meus sonhos, mas é típico das custom e só acho que seria bem interessante uma versão esportiva, com guidão reto e pedaleiras mais recuadas, a exemplo da Harley-Davidson 1200 Sport.
Muita calma nas curvas.
Logo ao dar a partida uma surpresa: o baixo nível de vibração – sempre comparado com a concorrente direta, as HD 883 e 1200 – mas sensível pela configuração do motor V2 que desloca 1.133 cm3. Se comparada com as custom V2 japonesas fica no mesmo nível. Os recursos para reduzir os efeitos da vibração começam no grande eixo contra-rotor (balanceiro) do virabrequim e passa pela estrutura dotada de coxins por toda parte.
Além de pouca vibração, com o escapamento original o funcionamento é bem silencioso. Claro que donos de motos custom não conseguem deixar o escape original e precisam infernizar a vida de toda a comunidade com os canos diretos.
Mesmo com o acionamento da embreagem (multidisco em banho de óleo) por cabo não é preciso fazer muita força. A título de curiosidade, a Scout com acionamento a cabo tem embreagem mais suave do que a Chief com acionamento hidráulico!
Tem três opções de cores: veremelho, cinza e preto fosco.
A primeira marcha entra depois de um discreto “clonc”, típico das motos custom e vamos ao teste! Segunda boa surpresa: o motor entrega o torque máximo de quase 10 Kgf.m aos 5.900 RPM, mas já desde praticamente a marcha lenta percebe-se uma boa força e a típica distribuição suave de potência e torque. O corte de ignição se dá aos 6.500 RPM, mas a potência não é declarada e nem precisa.
Para manter o visual clássico o painel tem apenas um instrumento, mas pode-se selecionar algumas opções de informação pelo display do hodômetro, como consumo, hodômetros parciais e conta-giros. Saber a rotação do motor em moto custom não é uma informação assim tão importante, aliás aposto minhas bolinhas como menos de 5% dos donos de motos (e carros) sabem usar corretamente o conta-giros.
Próxima surpresa boa: como freia! Sim, outra característica de moto custom é o freio “borrachudo” e meio lento. Tem uma explicação Física: como a concentração de massa é maior no eixo traseiro as frenagens acabam sendo compensadas com mais uso do freio traseiro. Mas na Scout o freio dianteiro é um baita disco simples de 298mm (igual do freio traseiro), com pinça de pistão duplo, mas com uma boa diferença para a marca concorrente: o uso de mangueira com cobertura de malha de aço (aeroquip). Esse flexível faz toda diferença para eliminar o trato borrachudo do freio.
Bela versão cinza com acessórios.
Na hora das curvas nenhuma surpresa. Existe uma máxima filosófica que ensina: motão faz curvão, motinho faz curvinha. Ou seja, se a distância entre-eixos for grande a moto é boa de reta e curvas de raio longo; pequena distância entre-eixos deixa a moto estável em curvas de raios pequeno e médio, mas instável na reta. Respeitando essa limitação natural até que dá para se divertir. Claro que as pedaleiras deixaram marcas no asfalto do autódromo do Haras Tuiuti, mas quem resiste uma curva? O pneu dianteiro largo e alto deixa a frente mais “pesada” e isso é normal nos modelos clássicos.
Como a avaliação foi realizada em um circuito fechado, não foi possível avaliar o consumo, nem o conforto em viagem, o que espero seja feito em breve. O que posso atestar é o belo trabalho de acabamento, o estilo muito atraente e descolado e a qualidade visível em cada detalhe. Sim, o motor em V aquece e transfere um pouco do calor para as partes baixas do piloto, mas por ser arrefecido a líquido é bem menos se comparado com um motor arrefecido a ar.
Não tem como deixar de comparar com as Harley e aqui acho mais justa a comparação com o modelo Forty-Eight, com motor 1.200cc. A Indian tem preço de tabela de R$ 49.990, contra R$ 50.700 da HD. Como pontos positivos a favor da Indian pode-se assinalar o câmbio de seis marchas (5 na HD) que a deixa mais econômica e confortável na estrada. Além disso a Scout tem quadro de alumínio, enquanto na HD é de ferro; o tanque da Indian tem 12,5 litros, na HD tem 7,9 litros, além de outros itens favoráveis à Indian como acelerador eletrônico, maior curso de suspensão, motor arrefecido a líquido e a lista vai longe. O mais justo seria comparar a Scout com a Harley V-Rod, mas a diferença de preço é enorme.
Como não podia deixar de ser, preciso encerrar com o já mundialmente comentado e esperado IPM – Índice de Pegação de Muié (ou Mano) – que pode determinar o sucesso ou fracasso de um modelo. Na versão onanista (com apenas o banco do piloto) o índice é obviamente zero, porque mina (ou mano) nenhuma sentará no pára-lama traseiro. Mas com o banco de garupa ela fica com visual ainda bem descoladão, que tem um público muito cativo. Uma moto desse porte e estilo chama atenção e deixa o motociclista até mais másculo (ou a mina mais femina fatale). Não há fetichista que resista. Por isso, o IPM da Indian Scout está alto e chega a 8,5 facilmente, na velha escala de 0 a 10. A exemplo das HD, a Indian tem uma vasta gama de acessórios que ajudam muito na personalização. Mas vai com calma porque excesso de enfeite pode reduzir o IPM.
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