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Vamos falar de amor

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Amor embalado! 

No trânsito ninguém ama nada além do que a si mesmo.

Em um cruzamento qualquer da insana cidade de São Paulo, naquela hora que todo mundo só quer chegar em casa, vários motoristas bloqueiam a passagem de outros numa vil e egoísta demonstração de que são mais importantes do que os outros. Dirigir é um ato egoísta, egocêntrico e sociopata. Essa é a verdade que nenhum especialista em trânsito quer revelar: todo mundo defende o próprio umbigo e dane-se quem não é eu!

Passei mais de uma década escrevendo, estudando, analisando e debatendo o assunto “trânsito” com o foco totalmente errado. Durante todo esse tempo discutiu-se mudanças na infra estrutura, no desenho das cidades, nos veículos, nas leis, no transporte público e até na formação, mas ficou de lado o óbvio. O que precisa mudar é o comportamento humano. Tudo que precisamos é amor, como dizia John Lennon.

Todo mundo adora publicar mensagens de amor em redes sociais. Ama os filhos, os cônjuges, namorados, animais de estimação, entidades religiosas, pais, time de futebol, música, celebridades, esportistas e bla, bla, bla...

Besteira da grossa. Ninguém ama nada disso. Porque o amor pressupõe admiração e respeito e quem ama não entrega os filhos a qualquer um para “educar”. Quem ama não bate na pessoa amada. Quem ama o próximo, como pega a religião católica-cristã, não insiste que sua filosofia é melhor que a do outro. Quem ama não chuta a cabeça de outra pessoa só porque torce para outro time. Por fim quem ama não mata, lembra dessa campanha? Outra besteira da grossa, porque os maiores assassinos que conheci traziam tatuagens de amor a alguém estampada no corpo. Ama um, mas mata outro. Ou mata o ser amado também! Tanto faz, porque amor é só uma convenção moderninha idealizada em romances shakespereanos.

O amor é altruísta e o mesmo sujeito que mergulha em depressão porque perdeu a pessoa amada, dedica páginas, verbo e tempo para falar de amor, mas ignora um sinal fechado, atropela e mata um pedestre. Que tipo de amor seletivo é esse que se destrói por uma pessoa, mas desrespeita o direito à vida do outro? Não existe amor atrás de um volante ou guidão.

Muito menos o mito do amor incondicional, aquele que diz amar de forma incomensurável até o ser amado anunciar que ama a outro. Todo relacionamento é condicionado a alguma coisa. E aquilo que chamam de amor na verdade é um acordo: eu te amo desde que não me traias. Eu te amo desde que ame apenas a mim. Eu amo o próximo até o momento que o próximo impede minha ultrapassagem e que quero esganar esse desgraçado.

Até esse pretensioso amor incondicional não resiste a uma placa de PARE. A mesma pessoa que faz juras de incondicionalidade no amor é capaz de atravessar uma esquina sem parar e machucar gravemente um motociclista, a quem, imediatamente passará a odiar por estar ali, naquela hora, naquele lugar. Quem ama não machuca. Nem a pessoa amada nem ninguém.

É desesperador ver as manifestações de amor a entidades abstratas a título de religião, essa muleta que preenche mentes vazias, mas ao sair do altar se comporta com o mais diabólico dos sentimentos egoístas e ateus. O mesmo carola fervoroso diante do altar dirige um ônibus como se odiasse o que faz e todos à sua volta, inclusive os passageiros. Que religião é essa? Que religioso é esse que não pode perder 10 segundos parado em um ponto para que um idoso entre com conforto e segurança? Quem ama espera.

Há muito tempo deixei de acreditar no amor, porque foi banalizado, ridicularizado, comercializado, empacotado e despachado. Nenhum amor resiste a 40 minutos no trânsito. As pessoas tornam-se empedernidas e o amor não passa de uma embalagem de paçoca. Se existisse esse amor de folhetim a sociedade não teria chegado a esse nível de embrutecimento das relações e nessa escassez de respeito. O desrespeito é a forma mais clara de desamor. Eu te amo, mas olho suas mensagens no celular porque não confio em você. Como esperar que disso saia uma união baseada no amor?

O amor vende. Carro, financiamento, roupa, casa, passagem aérea, perfume do Boticário. Vinícius de Morais dizia que “dinheiro compra tudo até amor verdadeiro”. Gênio! Hoje é mais fácil amar bens materiais do que pessoas. Eu amo a humanidade, me desmancho em lágrimas com uma tragédia em Paris, mas se alguém amassar meu carro novo dou uma voadora no jugular do desgraçado. Nenhum amor verdadeiro é mais forte do que o cheiro de carro novo. Quando um homem abre a porta do carro para uma mulher um dos dois é novo: o carro ou a mulher. Amor novo é fofo!

Amados e amantes entendam uma coisa: o amor é plasma. Quem ama não se comporta como se odiasse todos à sua volta. Amar um objeto inanimado, como a sua moto ou carro e maltratar um garçom é um sintoma de desequilíbrio. Amor é gentileza.

Quando assumir a direção do seu carro ou guidão da sua moto (ou bicicleta), ao dirigir o carro da empresa, o ônibus, o caminhão de entrega, o taxi, pense só no amor. Não precisa se apaixonar, porque a paixão desalinha os pensamentos, apenas tente demonstrar que você é uma pessoa capaz de amar mesmo em tempos de crise. Se achar essa coisa de amor meio babaca, sem problemas, troque o verbo amar por “respeitar” que o resultado é o mesmo. Mas pratique mais o amor ou respeito.

Não existe outra forma de melhorar o mundo que não passa pela melhora de si mesmo. E amor não se compra, nem se recebe de presente, nem brota do nada. Como dizia o grande poeta Carlos Drummond de Andrade: amar se aprende amando.

Tenham todos um 2016 de muito amor!


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