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Viver é um perigo!

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Escalar é perigoso? (Foto: Tite) 

 

Afinal, o que é perigoso e o que não é?

 

No final de 2013 fui surpreendido por três acidentes que levaram muito a repensar as noções de perigo. O próprio conceito de perigo é muito abstrato porque depende muito mais da natureza individual e da percepção de risco. E essas coisas não são iguais em duas pessoas. Meu amigo Cristian Dimitrius, que ficou mundialmente conhecido por ser o cinegrafista de natureza mais ousado do momento, costuma mergulhar com tubarões grandes e crocodilos gigantes. Segundo ele o perigo diminui na medida que se conhece a natureza desses animais e, como biólogo formado, ele sabe que não faz parte da cadeia alimentar desses bichos. Mas eu jamais faria isso... porque nem todo predador estudou biologia!

 

Por mais de 20 anos disputei várias modalidades de competição motorizada em duas e quatro rodas. Nunca me senti ameaçado e pelo número incontável de corridas (confesso que não consigo quantificar) acho que o saldo de uma clavícula e nove dedos quebrados não foi nem uma unha encravada perto de outros pilotos que carregam placas e parafusos dentro do corpo.

 

Já senti medo durante uma corrida, totalmente controlável e dentro da normalidade, mas morri de pavor na última viagem de carro que fiz para o Sul e passei por estradas com motoristas e caminhoneiros completamente ensandecidos e irresponsáveis. Em 1.600 km de viagem senti todo o medo que não passei em 22 anos de vida corrida! No entanto aposto que muita gente considera os pilotos de moto como os seres mais anormais e malucos do mundo!

 

Corri de moto, kart e carro por 22 anos e sobrevivi!

 

Quando parei de correr de moto, em 1999, decidi entrar em uma atividade "menos estressante" e comecei a escalar! Apesar de muita gente achar uma loucura sem precedentes ficar pendurado em uma corda a 400 metros do chão, achei a atividade muito menos perigosa do que as corridas de moto, porque a segurança depende 100% do praticante e seu companheiro. Como eu tenho uma paranóica relação com segurança, fiz três cursos, li tudo a respeito, perguntei aos mais experientes, mesmo assim não escapei de um acidente grave - sem consequências físicas - no meio de 2013 e que me fez reduzir bastante a atividade de escalada. Cheguei mesmo a pensar em parar totalmente, mas ainda não me decidi.

 

Depois deste susto voltei a praticar um esporte que comecei na adolescência e parei aos 25 anos: velejar! Essa é uma atividade que reúne tudo que eu gosto: contato com a natureza, exercício físico, capacidade de raciocínio, capacidade de improvisação, manutenção do equipamento e ainda por cima é totalmente seguro, desde que observados os princípios básicos e o uso de equipamentos de segurança.

 

Laser, um barquinho manso...

 

O veleiro esportivo da classe Laser está para os barcos a vela assim como uma Honda CBR 1000 está para as motos. Sou apaixonado e defensor dessa classe desde os 17 anos de idade. Agora essa paixão voltou porque ele é rápido, difícil de velejar, desafiador e muito divertido. É uma moto esportiva!

 

Mas o conceito de segurança foi seriamente abalado na última semana de 2013 quando vi meu amigo Eduardo "Minhoca" Zampieri ser atropelado por uma moto aquática quando velejava calmamente de Laser na represa Guarapiranga, em São Paulo. A cena foi assustadora porque o condutor da moto era visivelmente inexperiente, sem condições físicas (nem mentais) para pilotar aquele equipamento e usava um colete salva-vidas de criança, sendo que pesava mais de 100 kg!

 

Ele acertou o Laser do Minhoca a meia-nau, como se fosse um míssil Exocet. Como o Minhoca é esperto, percebeu o choque e se jogou na água. Essa reação totalmente intuitiva foi o que o salvou de sérias lesões porque a moto passou por cima do veleiro, arrancou a retranca, rasgou a vela e jogou o idiota que pilotava na água. Felizmente um bote dos Bombeiros estava a menos de 50 metros do local do choque e salvou o cretino de um desejável afogamento.

 

Na mesma noite o brasileiro lutador de MMA, Anderson Silva errou um chute e provocou o maior arrepio coletivo da história da humanidade quando as câmeras mostraram os ossos da perna partindo como se fossem de palito de sorvete. Um erro de cálculo que colocou a carreira do atleta em risco. Mas quem entra no octógono de uma luta está consciente dos perigos e como amenizá-los.

 

Pode-se dizer, então, que luta é uma atividade perigosa? Como vimos tem o mesmo grau de perigo do que velejar calmamente em um dia de lazer na represa. Basta ter um idiota por perto para os riscos se amplifiquem.

 

E o dia seguinte ainda revelaria um outro acidente assustador: a queda do piloto ex-campeão mundial de Fórmula 1 Michael Schumacher enquanto esquiava nas colinas de Maribél, na França. Esquiar é perigoso? Muito menos do que enfrentar um lutador de MMA, mas certamente tem mais riscos envolvidos do que velejar em uma represa de São Paulo. Assim como qualquer atividade, tem graus de dificuldade, desde o passeio, que praticamente todas as crianças do hemisfério norte aprendem e que é tão inocente como passear com os avós no parque da cidade, até as modalidades esportivas e competitivas com saltos, malabarismos e grandes velocidades.

 

Fazendo uma comparação grosseira com nosso mundo das motos, o esqui de passeio seria como sair de casa com uma moto para passear pelo bairro, com a pessoa amada na garupa. Já o esqui esportivo é como pilotar uma moto esportiva no trânsito comum. Da mesma forma que pode-se praticar o esqui esportivo em um local próprio, demarcado, no caso das motos esportivas temos os autódromos, locais adequados e apropriados, com apoio de equipes médicas. Mas no esqui também pode-se sair pelas encostas descendo locais "virgens", forma esportiva, porém se expondo aos riscos de acertar uma pedra no caminho. Seria mais ou menos como pegar uma moto esportiva de 200 cavalos e enfrentar a estrada a mais de 200 km/h como se estivesse em um autódromo. Em suma, o perigo depende de como se conduz e de como se comporta diante dos riscos.

 

Se eu conheço bem os pilotos - e Schumacher jamais será um "ex" piloto - ele estava esquiando no limite. Testemunhas dizem que ele não estava rápido, mas bater em uma pedra, para um esquiador experiente como ele, é como se um ótimo motociclista errasse uma curva e saísse da pista. Pode até sair ileso, ou não.

 

Durante todo o processo burocrático que envolveu nosso acidente de barco, incluindo cinco horas de espera pela comissão da Marinha que estava a 90 km de distância, o Minhoca me perguntou: "que lição nós vamos tirar disso?".

 

Eu poderia enumerar uma lista de lições, mas acho que aprendemos que o conceito do que é perigoso, ou não, depende muito menos do veículo do que das pessoas. Coisas não são perigosas, pessoas são. Mais que pessoas, o COMPORTAMENTO das pessoas é perigoso. Quem pilota uma moto aquática sem habilidade nem habilitação não é perigoso, é um idiota. Mas quem empresta o veículo a alguém inexperiente esse sim é o perigoso. O responsável pela moto até tentou fugir, mas foi impedido pelos Bombeiros que agiram muito rápido.

 

Já pilotei várias motos aquáticas, desde as primeiras Kawasaki que se equilibrava em pé, até os potentes Sea Doo de dois lugares. Para ser bem sincero não me apaixonei, nem gostei da experiência. Da mesma forma que centenas de milhares de pessoas não gostam de motocicletas eu não gostei de moto aquática desde a primeira vez e ponto final. Mas isso não significa que eu as odeie, simplesmente acho que tem muito cretino pilotando sem a devida habilidade, como acontece com as motos terrestres. Aliás, eu chamo os donos de moto aquática de "motoqueiros das águas", porque se equiparam ao que tem de pior em termos de comportamento sobre duas rodas.

 

Pilotar essas motos aquáticas é difícil e não é intuitivo. Por exemplo, se na hora do susto o piloto desacelerar ela perde a capacidade de desvio e segue reto. O jato que impulsiona serve de leme e quanto mais água expelir mais rápido é o leme. Por isso é natural ver acidentes porque o piloto cortou a aceleração, virou o "guidão", mas continuou em linha reta.

 

Eu também quase fui atingido por um cretino destes, mas tive a sorte e o reflexo de mudar de bordo na hora certa, mesmo assim o "spray" encheu o veleiro de água e me encharcou completamente. Como não há identificação externa nestas motos não tem como dar queixa na capitania. Falta uma identificação visível nestas embarcações, como aliás existe em todas as coisas que navegam.

 

Obviamente que nos dias seguintes a este acidente a marinha intensificou a fiscalização na represa, mas isso dura pouco... só até o próximo acidente.

 

No entanto a maior lição que tirei acidente na represa, da perna quebrada do Anderson e do batida de cabeça do Schumacher foi que viver é perigoso e que deixar de fazer qualquer atividade pelo medo à exposição ao perigo pode causar muita frustração no futuro. Viva seus riscos!


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