Em algum lugar entre Maceió e Salvador. Note a almofada de gel no banco, depois explico isso.
Mais um capítulo de uma história regada a gasolina, água de côco e coriza. Se você perdeu a primeira parte clique AQUI.
Comedor de camarão
Potiguar no idioma tupi significa "comedor de camarão". Ninguém come mais camarão do que eu, mas o potiguar dessa história é meu amigo Kleber Tinoco, um irmão que o destino decidiu fazer nascer em Natal. Minha missão era chegar em Natal num dia e na manhã seguinte, bem cedo, seguiria caminho rumo Maceió, a cerca de 600 km.
Como o farol da Tornado é uma piada, decidimos em comum acordo não viajar à noite. Para fazer os 600 km sem sufoco, com tempo para registrar os locais em fotos e parar para descanso eu sabia que teria de oito a nove horas de viagem. Saindo cedo, com tudo normal, daria facilmente para chegar em Maceió antes de escurecer. Maceió era uma das poucas capitais que eu não conhecia e sem GPS pra ajudar eu já estava me preocupando antes mesmo de dormir.
Meu brother Kleber Tinoco, ou simplesmente Klebinho, já estava ciente da minha estada em Natal e até jantamos na noite da minha chegada. Só que ele insistia para eu conhecer a concessionária Honda Potiguar, de propriedade do generosíssimo João de Deus, um homem de caráter raro hoje em dia. Por isso já me sentia mal em dar um belo bolo nos dois, porque não tinha a menor intenção de visitar a concessionária, uma vez que o plano era sair às 6 da manhã sem tomar café. Além disso, como bom nordestino que é, Klebinho fala mais que o homem da cobra e se eu passasse por lá não conseguiria sair antes do meio-dia, quiçá no dia seguinte.
Mas... o destino. Sempre ele a mexer na ordem das coisas. Quando preparei meu equipamento ainda em São Paulo dei conta que não tinha capa de chuva. Procurei pela casa toda e nada! Ah, que bobagem, Natal sempre se orgulhou de ser a capital que menos chove no Nordeste a ponto de as agências de turismo criarem o "seguro-sol", que devolvia a grana da hospedagem caso chovesse, não seria bem na minha vez que choveria.
Choveu, claro. Acordei às 5 da manhã, abri a janela do quarto e chovia canivete aberto. Pegar chuva no meio da viagem é uma situação normal e até contornável. Mas sair já debaixo de chuva, para uma viagem de 600 km! Nem a pau!
Voltei pra cama, acordei duas horas depois e ainda chovia. É, não tinha jeito, eu teria de comprar uma capa de chuva e a única loja que eu conhecia era justamente a Potiguar. Liguei pro Klebinho e avisei que passaria lá apenas pra pegar a capa de chuva e sair. Nada de conversa, resenha, almoço, nada. Era comprar a capa e me mandar! Ele respondeu ao telefone:
- Sim, venha que já estarei com a capa na mão lhe esperando, não vai demorar nada!
Mas... o destino de novo. Com a moto mais carregada que jegue de cigano parei na porta da concessionária e nada de Klebinho. A boutique abriu às 8:00 em ponto, comprei a capa de chuva e já estava saindo quando Klebinho apareceu e fez o convite:
- Venha conhecer João de Deus, ele quer lhe conhecer! Falou naquele tom meigo e convidativo de um rottweiler com fome.
Só que o ômi estava no meio de uma reunião e pediu para esperar só um pouquinho. O "pouquinho" no idioma potiguar é como um "segundinho" pro soteropolitano, ou seja: uma hora. Nesse tempo eu fiquei sentado na sala de espera, vendo o movimento dos vendedores. Era um tal de entra e sai de gente comprando moto que parecia mercado de peixe. Aquela concessionária, naquela época, vendia algo como 600 motos por mês, um literal maremoto.
Em meio a nada pra fazer uma vendedora me chamou a atenção. Olhos verdes, loira, alta (pro meu padrão), pele viçosa e aquela covinha no rosto que surgia quando abria o sorriso digno de comercial de pasta de dente. E ela não parava um segundo. Atendia cliente, falava ao telefone, passava pra cá, pra lá, numa correria desatada, mas com um sorriso de parar conversa de bar. Uma hora olhando aquela mulher começou a mexer com minha testosterona. Mas eu precisava ir embora, tinha 600 km para percorrer e já era 11:30. Sabia que uma grande tragédia estaria se anunciando se eu pegasse a estrada à noite, numa rodovia de mão dupla, cheia de caminhão, esburacada, com acostamento erodido e... como nada é tão ruim que não possa piorar, muitos trechos em obras!
Dei um abraço no meu amigo e caí fora precisamente ao meio-dia. Debaixo de um sol saariano, sem chuva e preparado para um enorme sufoco. Que não demoraria para começar.
(Continua...)