Ah, tempos difíceis das máquinas de escrever...
Como surgem e são desenvolvidas as ideias.
Uma vez um leitor me perguntou: “de onde você tira tantas ideias?” Responder que é da minha cabeça não explica muita coisa, porque é na cabeça mesmo que tudo acontece. Mas essa pergunta me lembrou dos estudos de semiótica, quando passávamos horas desenvolvendo teorias sobre a geração de ideias.
Curioso que naquela época já se ouvia todo tipo de teoria, desde poderes mediúnicos, até cósmicos, como a velha frase de algum pensador grego antigo que não lembro o nome: “as ideias estão no ar para quem for capaz de captá-las”, como se algumas pessoas usassem antenas parabólicas.
Mas existe sim uma espécie de sequência que explica didaticamente como as ideias se formam em nossas cabeças. Essa descoberta veio da fusão de alguns conceitos da filosofia com a semiótica. Segundo essa linha, digamos, construtivista, as ideias são formadas por meio de um processo de três etapas: a centelha, ou como dizem os publicitários, o insight; a concepção, ou materialização e finalmente o desenvolvimento. É mais ou menos assim:
A centelha– é uma sensação que parece mesmo mediúnica, porque surge literalmente do nada. Este texto que você está lendo (se teve saco de chegar até aqui), surgiu enquanto eu caminhava na praia de Ilhéus. Eu comparo essa sensação como a de algo que você pega, mas não consegue decifrar o que é. Por exemplo, imagine que você vai mexer em um vaso no quintal e quando coloca a mão sente algo gosmento e gelado. Ou ainda, quando você dorme fora de casa, acorda no meio da noite e sabe que algo de muito estranho está rolando, sem entender. Esse é o insight, o primeiro pipoco lá nos miolos que fará algo de novo nascer. Os teóricos da comunicação chama de “primariedade”.
A concepção– é a materialização da ideia, a tradução da centelha. Usando o exemplo do vaso, é aquele momento desesperador que você se dá conta que a coisa gosmenta e gelada pode ser uma lesma. Ou ainda quando passa aquela sensação esquisita e você se dá conta que aquele espaço não é o seu quarto, mas ainda não sabe onde está. No campo das ideias é o momento em que se define o que fazer com aquela faísca que surgiu: se vai virar apenas um pensamento enquanto caminha na praia, se pode se tornar um artigo, uma crônica, um post no Facebook, um filme ou qualquer coisa. Os teóricos chama de “secundariedade” (gênios!).
O desenvolvimento– finalmente é a hora de concretizar a ideia e tomar a atitude. É a hora que a gente joga o vaso no chão e sai correndo pra lavar a mão. Ou quando se dá conta que está no hotel, na casa de algum amigo, no hospital e tudo volta na memória. Ou, para jornalistas e escritores, é o momento que a gente fica mentalizando o texto enquanto o garçom do restaurante pergunta pela terceira vez o que vamos beber, ou a esposa (ou namorada) faz a famigerada pergunta “o que você está pensando, hein?”. Os teóricos chama de "terceiridade" (definitivamente, gênios)
Essa fase do desenvolvimento é o que chamo de “o parto”, porque é um trabalho, intelectual e cansativo de ordenar as ideias e colocar no papel (ou na tela). Especialmente se a redação for longa. Por isso eu adoro crônicas: são curtas! Pode parecer uma piada, mas o ato de digitar ainda é o processo mais chato de toda operação de escrever. E olha que já foi pior!
Sou do tempo da máquina de escrever e do papel. Imagine que cada letra errada era um inferno para voltar o carro da máquina, apagar com uma borracha dura, voltar e rebater por cima. Ou simplesmente encher de “x” por cima do trecho errado e escrever do lado. Era tão chato, mas tão chato que os jornalistas e escritores usavam muito o rascunho! Primeiro faziam uma espécie de sequência de tópicos e depois desenvolviam. Escreviam uma primeira versão, revisavam e só depois batiam a versão definitiva – um saco!
Sempre fui um preguiçoso renitente. E sempre detestei datilografar – imagine o sofrimento nestes 30 anos –, tão pouco gostava de fazer rascunhos, por isso eu fazia uma espécie de rascunho mental. Ficava pensando horas, imaginando o começo, o meio e o fim, a ordem dos parágrafos, os depoimentos etc, até me sentar na frente de máquina e metralhar a quantidade de texto para o espaço determinado. Quando o editor pedia pra acrescentar alguma coisa a gente editava as páginas como se fosse um filme mesmo: cortava o pedaço da lauda (a folha de 20 linhas e 70 toques) com tesoura, enxertava o pedaço que estava faltando e depois colava com durex. Manual mesmo.
Também por falta de paciência com a datilografia, eu esperava até o horário limite para entregar o texto, assim, por pura pressão do prazo, o editor mexia menos e mandava pra gráfica sem pedir para acrescentar mais nada! Eu ficava horas enrolando, rabiscando papéis, telefonando e quando faltava coisa de uma hora e meia para o prazo mandava bala na Olivetti!
Graças a essa preguiça editorial, desenvolvi duas técnicas de sobrevivência: pensar muito antes de escrever e digitar em uma velocidade supersônica! Dentro de uma redação, ouvir uma máquina de escrever fazendo tic-tac-tac-tic-trim-zum sem parar produz um ótimo efeito calmante no chefe.
E se existe um componente que transforma nossa criatividade em algo perto da de um Nobel da Literatura, se chama PRAZO! Basta alguém cobrar o texto que ele se materializa em questão de minutos. A maioria dos textos que você lê no meu blog e nos veículos que colaboro não demoram mais de uma hora para ficar pronto, mas faço questão de entregar no desespero do prazo de fechamento. Só por maldade mesmo.
O segredo é passar o tempo todo rascunhando o texto na cabeça, ter um bom banco de memória e a experiência de editar o texto enquanto digita. Hoje em dia com o computador isso ficou tão mais fácil que escrever deixou de ser um ofício e se tornou um hobby anti-stress. Por exemplo, este conteúdo eu digitei só porque precisava fazer hora para sair com meu carro depois do horário de rodízio...
Nos próximos episódios vou contar como se desenvolvem os textos conforme os estilos: reportagem, crônicas, poesias, contos, romance bla-bla-bla...