Ponte dei Sospiri em Veneza, último suspiro de uma pessoa livre.
Nem tudo é tão ruim quanto parece, pode ser pior...
Um homem com dificuldades de ereção procurou um urologista. Por ser jovem, solteiro e muito reservado, o paciente pediu ao médico sigilo absoluto, algo até normal e contumaz nestas condições. Ao que o médico concordou e tranquilizou por ser o sigilo parte da liturgia do cargo. Depois de examinar, o médico receitou um remédio de uso diário. “Mas tem de tomar todo dia no mesmo horário, não pode esquecer!”, advertiu o doutor.
– Mas Doutor, eu tenho TDAH, às vezes eu esqueço até de vestir a cueca! Como vou lembrar?
– Faz assim: compra um caderno ou caderneta, deixa na sua mesa de café da manhã e todo dia que tomar o remédio você anota a data e a hora.
E assim o paciente saiu e entrou na primeira papelaria que viu. Ao chegar, dirigiu-se à atendente e, de forma muito silenciosa e discreta, pediu um caderno de 100 folhas. A moça perguntou:
– É brochura?
E o jovem, furioso, bateu o punho no balcão e gritou:
– Mas que médico fofoqueiro, filhodaputa!!!
Isto é uma piada – não diga – mas ilustra duas coisas: a minha dificuldade de levar a vida e meus problemas a sério e a disfunção erétil, eufemismo para brochada!
A disfunção erétil é um fantasma que assombra todos os homens, mesmo aqueles que afirmam peremptoriamente que nunca brocharam. Mentira. Isso acontece com qualquer um e se não aconteceu ainda se prepare, porque vai acontecer! A remoção da próstat aumenta esse fantasma e impede muitos homens de fazer a cirurgia. Mas posso tranquilizar todo mundo. Demorei cinco anos para descobrir, mas a fisioterapia tem o poder de recuperar não só a função erétil, como também a auto estima e a vontade de viver. Vou ter de dar spoiler, mas hoje minha vida sexual é exatamente a mesma de antes da cirurgia, ou seja, ás vezes funciona, outras não!
Antes da cirurgia brochei muitas vezes, sem nenhum constrangimento. Mesmo quando era jovem. Porque no mundo existem dois tipos de pessoas: as que precisam transar para amar e as que precisam amar para transar. Eu faço parte do segundo time. Por isso sempre tive muita dificuldade para transar com garotas de programa, porque eu queria conhecer, saber a vida dela, onde nasceu, como foi a infância e ela só queria meu dinheiro e cair fora dali.
Também era muito raro conhecer alguém e transar na mesma noite. Eu gostava – e ainda gosto – de me envolver, criar laços, passar a noite junto. Simplesmente deitar e transar com uma desconhecida é muito estranho pra mim. Pode ser caretice, cabacice, o nome que quiser dar, mas sou assim e não posso fazer nada.
Claro que já consegui transar com estranha, mas foram tão poucas vezes que dá pra contar nos dedos de uma mão e tive de criar uma história na minha cabeça, como se fosse alguém que conheci há muito tempo e viver uma paixão explosiva. Mas isso me permitiu conhecer várias histórias curiosas de garotas de programa. A cena era meio ridícula: eu, sentado pelado na cama, conversando com uma estranha pelada por 45 minutos até terminar de virar o taxímetro de uma hora.
– E aí? Como foi sua infância?
Eu começava a falar e virávamos amigos. Uma vez em Belém (PA) uma GP bem bonita quis ser minha namorada, depois de uma noite inteira no meu quarto conversando e bebendo sem transar. Tomamos café da manhã juntos no hotel e na despedida ela chorou!!!
Outra vez comecei a perguntar e a GP, irritada me interpelou:
– Mas que azar, peguei um psicólogo! Moço, eu só quero transar; terapia eu faço no boteco com as amigas!
Como sempre eu levava tudo no bom humor. Depois de uma brochada não tem como sair da situação constrangedora sem apelar pro humor.
Broxar ou brochar é um fantasma que assombra todos os homens, mas não é sinal de falta de macheza.
Desde criança eu sempre fui bem humorado e o “palhaço” da família. Felizmente nasci numa família na qual as pessoas riem de tudo e de todos o tempo todo. Quando a psicóloga me perguntou uma vez se alguém da minha família sofria de alguma doença mental, eu respondi:
– Ninguém sofre, todo mundo se diverte com elas.
O bom humor era a marca registrada da minha família do lado italiano. Não que o lado português não se divertisse. Minha vó portuguesa (da linda cidade Figueira da Foz) adorava quando eu contava piada de português. Pena que ela não entendia a maioria, mas ria de chacoalhar o corpo todo.
Quando eu visitava minhas tias no interior, elas me colocavam no meio da sala e falavam:
– Vai, começa!
E eu perguntava:
– Começa o quê, tia?
– Começa a falar aquelas coisas engraçadas que você fala!
E eu desandava a contar piadas, uma atrás da outra, até elas literalmente chorarem de rir.
Minha sogra alemã dizia: Du ziehst alles durch den Cacau! que significa que eu “puxava tudo pelo cacau”, expressão alemã usada para pessoas que ironizam tudo.
Sempre fui assim. Mesmo nas situações mais difíceis, doloridas e estranhas eu consigo achar uma forma de tornar mais leve puxando pelo humor. A palavra humor vem do latim húmus, que significa adubo. É isso que o humor faz, ele aduba a vida para que seja mais produtiva.
Por isso, quando a enfermeira foi me buscar no quarto para levar ao centro cirúrgico remover um câncer de próstata eu comentei:
– Pronto, eu já era adestrado, vacinado, vermifugado, só faltava ser castrado.
Ela riu e continuou empurrando a maca.
Ao sair do quarto vi a Maria, silenciosa, taciturna, sem falar nada, naquele silêncio que diz muito. Dezoito anos de união com esta mulher tão linda que às vezes eu olhava pra ela e me perguntava o que fiz para merecê-la? Mas tive poucas conversas sérias antes e depois da cirurgia. E este silêncio foi um grande muro que viria a nos separar.
Escuro e silencioso
No caminho para o centro cirúrgico meu coração foi ao limiar. Podia sentir o batimento em todo o corpo. Em Veneza existe a Ponte dei Sospiri, que é a ponte murada e fechada entre dois edifícios, que levava os condenados à prisão e possível execução na época da Idade Média. Tem esse nome porque, segundo dizem, era a última visão que os condenados tinham antes de entrarem no escuro infinito da prisão e olhavam apenas por uma pequena e gradeada janela. Eu estive nessa ponte e pude imaginar o que eles passavam, porque a vista do lado de fora é magnífica.
A passagem pela porta do quarto, olhar para a Maria e seguir pelo corredor foi a minha Ponte dei Sospiri. Não tinha mais volta e só Deus sabia o que viria algumas horas depois daquela anestesia fazer efeito.
Só quem foi anestesiado sabe o que é dormir sem sonhar. A anestesia nos joga num poço escuro e silencioso, sem imagens nem sons. Uma escuridão que só termina quando abrimos o olho sem a menor ideia de onde estamos. Foi assim que acordei, depois de cinco horas de cirurgia, com a boca seca, o cérebro confuso, ouvindo as vozes das minhas filhas e da Maria.
– Preciso de água! Foi só o consegui dizer. Minha garganta estava em chamas. Mas elas precisavam autorização da enfermeira para me dar a garrafa ao lado.
Senti dor no abdome, olhei pra baixo e vi um cano saindo do meu corpo. Ainda grogue vi outro cano saindo do meu pinto. “Mas que porra, pensei, isso foi uma cirurgia ou virei um sistema hidráulico?”.
Minha cirurgia foi aberta, demorou muito mais do que o previsto, perdi tanto sangue que fiquei com anemia, mas foi um sucesso absoluto. Por conta da perda de sangue precisei ficar mais tempo do que o normal, que é de uma semana. Acabei ficando internado mais de duas semanas.
Por influência dos meus irmãos fui tratado que nem celebridade. As enfermeiras super atenciosas, o tempo todo passavam para conferir a sonda e o dreno. Minha maior dificuldade no pós-operatório foi fazer cocô. Porque fiquei ressecado e pra fazer força doía toda região e fiquei com medo de estourar os pontos. A solução foi um laxante. Poderoso. Nunca pensei que coubesse tanta merda dentro de um ser humano de 70 kg. Azar do encanamento do hospital!
Nunca consegui usar aquela bacia chamada de “comadre”. Quem batizou aquilo errou feio, dever-se-ia chamar “cunhado”, porque é inconveniente pra caramba! Não tem como fazer força deitado e isso complicou mais meu quadro porque sentado no vaso parecia que meu abdome iria abrir que nem uma roupa com fecho por velcro.
O período de internação foi uma espécie de calvário. Nestas horas eu tento pensar sempre da mesma forma: “pior não pode ficar, daqui pra frente só pode melhorar”. Quanta ingenuidade!
Sou aquela pessoa que gosta de comida de hospital. Sério! Não sei se foram os quatro anos estudando em colégio semi-interno, mas gosto de bandeijões e PFs em geral. Quando visito fábricas fico ansioso esperando a hora do bandejão. E no hospital tinha PF todo dia. Comida de hospital é rigorosamente balanceada, equilibrada, elaborada por nutricionistas porque tem de levar pouco sal, quase sem tempero, levemente insossa, nada diferente de quando eu cozinho.
Recebi as visitas das minhas filhas, da Maria e de apenas dois amigos que eu autorizei, porque meu quadro era muito constrangedor. Só o meu sócio-irmão Ronaldo e meu amigo inseparável Edu Minhoca. Eles foram os únicos que acompanharam o antes e depois do câncer. Além, claro dos meus irmãos que apareciam.
Por várias vezes anunciaram minha alta, mas era adiada, porque minhas taxas estavam baixas. Houve uma quase trombose no minha bolsa escrotal (aka, saco), que ficou do tamanho de um sapo cururu. Tamanho e forma. Só faltava coachar.
Era acúmulo de líquidos e uma enfermeira teve de fazer uma espécie de sutiã para eu poder andar pelo corredor sem aquela coisa enorme pendurada no meio das pernas.
De vez em quando eu ia até a janela e ficava olhando as pessoas circulando pelo estacionamento e pelas calçadas. Eu chamava elas de “pessoas livres”. Nestas horas lembrava de novo da Ponte dei Sospiri, em Veneza. Só podia olhar e suspirar.
Minha filha Nina flagrou o momento que fui pra janela do hospital olhar as pessoas livres na calçada.
Alta, enfim
Minha alta era sempre adiada porque ainda saía muita meleca pelo dreno. Pense numa coisa nojenta. Suco de Tite saindo por um tubo e depositado numa bolsa. Parecia aquele líquido que fica na base dos churrascos gregos do centro de São Paulo. Gordura com sangue e secreções nojentas, ecah.
Cheguei a arrumar minha mala pra ir embora várias vezes. Mas o urologista voltava com a cara de sério e adiava a alta. Sabe qual a pior sensação do mundo? A resignação, aquela sensação de não poder fazer nada para mudar e aceitar tudo que lhe é imposto. Era isso que sentia a cada adiamento da alta.
Até que veio a hora de sair. Tudo acertado. Exames feitos. Só precisava retirar o dreno. Coisa à toa. Basta puxar esse caninho aqui e cicatriza sozinho. Nem precisava pontos.
Veio a enfermeira e disse:
– Você vai sentir um desconforto, mas é rápido.
E zum! puxou o cano! Eu gritei, fui parar no teto, voltei e berrei:
– Desconforto? desconforto eu sinto em pé num ônibus lotado, isso doeu pra caraaalho!!!
Ela nem ligou e meteu o curativo, me dispensou, mas a sonda continuaria ali no meu pinto por mais uns 15 dias. Coisinha estranha essa de fazer xixi por um tubinho.
Neste dia começaria o mais longo e difícil pós-operatório que duraria cinco anos!
(Continua...)
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