Sim, acredite, já acarpetaram uma rua em São Paulo. (Foto: Veja)
Descendo a Rua Augusta numa manhã de julho de 2018 lembrei de várias histórias desta que é uma das mais icônicas ruas de São Paulo. Inspirada nas grandes avenidas fashions da época, já foi berço da moda na capital paulistana, com butiques chiques e marcas renomadas. Todas as novidades no mundo da moda estavam na Rua Augusta.
Também era o point de paquera nos anos 1970/80, com motos, carrões desfilando e jovens trocando olhares e xaveco mesmo, que hoje seriam considerados assédios. Ronnie Cord cantava “entrei na Rua Augusta a 120 por hora”. Mentira, aqueles carros da época eram instáveis. Se entrasse a 120 km/h meteria o côco num poste! A Rua Augusta é estreita, com um enorme desnível, tendo como cumeeira a Avenida Paulista.
Uma das histórias mais curiosas da Rua Augusta se deu no final de 1973, quando os lojistas tiveram a brilhante ideia de acarpetar um quilômetro da avenida, com placas coloridas, formando um xadrez.
Esqueceram que a época coincidia com a chuvas de verão e carpetes não são exatamente aderentes quando molhados. O resultado é que os carros não conseguiam sair na subida, nem frear na descida, causando alguns pequenos acidentes. Além de arrancar placas de carpete a cada frenagem. Eu mesmo arranquei muitas placas de carpete com o Dodge Dart do meu pai, quando eu tinha 14 anos. Sim, eu dirigia um carro V-8 com 14 anos!
Olha a traseira do Dodge Dart aí na foto!!! (Foto:Veja)
Alguns anos depois, já na faculdade de jornalismo, frequentava a Rua Augusta para jantar no Spazio Pirandello, cantina que reunia atores, atrizes e intelectuais. Como ficava perto dos teatros, os artistas jantavam lá e a tietagem corria solta. Eu levava as namoradas lá depois da aula para jantar pratos enormes de macarrão ou lasanha. Bons tempos que não existia refluxo gástrico!
Atualmente a Rua Augusta perdeu muito do seu charme. As lojas migraram para a Oscar Freire e o “baixo Augusta” passou a ser frequentado por garotas de programa, traficantes, mas ainda um pouco de artistas e intelectuais. Todos atrás de bebida e balada. Foi nesta rua que saí pela primeira e única vez com uma garota de programa de rua num dos poucos períodos da minha vida que estive solteiro. Ela estava fazendo trottoir, palavra francesa que significa calçada, o que dava um pouco mais de romantismo à atividade.
Era uma mulher de mais de 30 anos, baixa, loira, bonita e muito discreta para a atividade que exercia. Tanto que demorei pra entender que ela não estava pedindo carona. Abaixei o vidro e gostei dela logo de cara. Negociamos o cachê, ela indicou um hotel e, quando pensei que estava resolvido, ela veio com uma surpresa:
– Minha amiga vai ficar aqui sozinha, ela pode ir junto?
A amiga não era tão bonita, mas pelo pacote econômico aceitei e foi uma noite inesquecível.
Tão inesquecível que foi justamente o que veio à minha mente quando passei de moto, naquela manhã de julho de 2018, em direção a um posto médico da Prefeitura para buscar o resultado de uma biópsia da próstata.
Se você, homem, nunca fez uma biópsia de próstata não sabe o que é uma dor lancinante numa das partes mais delicadas do ser masculino. OK, a dor do parto é maior, mas eu nunca dei a luz pra comparar. Felizmente os médicos dão um pouco de anestesia e até sonhei, mas senti alguma coisa fria e comprida entrando pelo furico e uma dor tão angustiante que apaguei!
Pensa que isso é o pior? Não, depois da biópsia o médico fez um monte de advertências e avisou: nada de sexo por 15 dias (nem manualmente) e quando fizer pode doer e sair sangue. O cara sabia bem do que estava falando, porque com 10 dias decidi testar de forma manual e quase enfartei ao ver sair sangue, como se tivesse acabado de menstruar! Fora a dor. Doeu pra c****, literalmente!
A probabilidade de a minha hiperplasia prostática ser um câncer e eu me tornar impotente aos 58 anos era muito real. Queria aproveitar o máximo antes de receber o diagnóstico. Mas ainda doeu e sangrou nas poucas vezes seguintes, já com a participação da minha mulher.
Biópsia de próstata é feita pelo brioco e dói, viu!
Entrei no posto médico tão confiante que simplesmente me dirigi ao balcão dos resultados, tranquilo como quem vai no cartório reconhecer firma. Entregaram o envelope e me encaminharam ao médico com a recomendação de não abrir.
Epa! Por que não podia abrir? Abri. Li e não entendi nada.
O urologista que me recebeu era bem jovem. Alto, bonitão, bronzeado, típico médico de série americana. Ele me atendeu de pé e pediu pra eu sentar. Já passava de meio-dia e, de repente entrou outro médico na sala, igualmente jovem, conversando sobre o almoço como se eu não estivesse lá.
O bonitão abriu o envelope, fez uma cara meio constrangida, mas tentou amenizar o clima me chamando pelo aumentativo:
– É, Geraldão, é câncer!
Juro que foram estas exatas palavras que aquele médico disse. Olhei pro outro, que, quieto, fuçava o celular. Demorei pra entender o que aquilo significava até que perguntei:
– E agora?
Ainda com ar constrangido, sem olhar nos meus olhos, o médico explicou que eu seria encaminhado à assistente social para definir quais os procedimentos. Insisti em saber mais detalhes e perguntei “quais procedimentos”?
– Como ainda é pequeno, aconselho cirurgia para remoção total da próstata. Assim fica livre do problema pra sempre.
– E quais são as consequências desta cirurgia? perguntei já sabendo a resposta.
– Eh, incontinência urinária e impotência.
Ele respondeu exatamente assim. Não usou o eufemismo “disfunção erétil”, falou impotência mesmo. Fiquei imobilizado. Por alguns segundos nada se mexeu naquela sala, até que o outro médico perguntou “e aí, vamos almoçar?”.
Meu chão desapareceu. Minhas pernas bambearam, meu corpo ficou com duas toneladas e meia. Não conseguia me levantar, mas aqueles médicos precisavam almoçar e eu estava atrapalhando.
Com um aperto no estômago saí correndo da sala e fui chorar no banheiro. Estava sozinho. Não levei ninguém comigo porque não esperava aquele diagnóstico. Fiquei andando pelo posto que nem um zumbi. Olhava, mas não via. Escutava, mas não ouvia. Respirava, mas não vivia. Milhões de pensamentos ao mesmo tempo. Precisava dividir aquilo com alguém.
Liguei pra minha mulher que não pôde atender. A segunda pessoa que liguei foi meu sócio Ronaldo. Ele atendeu e dei a notícia. Anos depois ele lembrou deste dia e comentou que ficou com vontade de entrar pelo fio do telefone para me abraçar. E como eu precisava de um abraço! Não lembro o que conversamos.
A assistente social me chamou. Sentei na frente dela e, antes que ela dissesse qualquer coisa reclamei do comportamento do médico. Ela se assustou e, talvez pelo ineditismo da situação, passou a me tratar com muito respeito e sensibilidade e até ofereceu um copo d’água. Ela falou, falou, explicou, escreveu, falou mais um pouco, mas eu não ouvi nada, porque só via a boca se mexendo, não escutava nada porque minha cabeça estava muito longe dali. Só pensava naquela palavra do médico: impotência.
Essa coisinha ridícula é a próstata, mas faz uma falta...
Diagnostica eu
Só decidi fazer o primeiro exame de PSA* aos 55 anos de idade, depois de minha irmã médica insistir muito. Segundo ela minhas chances de câncer eram grandes porque meu pai tinha sido operado aos 71 anos. E a hereditariedade é o fator número um na probabilidade.
– Mas eu tenho só 55! argumentei, mesmo assim ela praticamente me intimou e eu não costumo desobedecer minha irmã.
Picada no braço pra tirar um pouco de sangue e logo no primeiro exame deu alteração. Nada assustador, mas que merecia um olhar mais profundo. Acendeu uma luz amarela. Como eu sempre fui procrastinador (nasci 16 dias depois do previsto), fui adiando a visita ao urologista até que acabei marcando. Tinha plano de saúde que nunca usava e pensei “vou gastar tudo que puder neste plano”.
O médico pediu para refazer o exame de PSA, mas pediu para eu ficar três dias sem pilotar moto, nem bicicleta, algo que pra mim era como dizer “ampute as duas pernas por três dias”. Obedeci e refiz o exame. Deu o mesmo resultado. Não lembro os valores exatos, mas era pra ter algo como 0,3 ou 0,6 e meu exame deu 3,2. Não sei as unidades de grandeza, mas agora acendeu a luz laranja.
Voltei ao médico – claro que sempre com hiatos de 15 a 20 dias porque estamos falando de uma porcaria de plano. Desta vez ele pediu ultrassom, mais alguns exames e, cereja do bolo, o toque retal, que fez ali mesmo, sem qualquer aviso prévio. Não foi traumatizante como exageram, mas ele fez uma cara muito preocupada ao explicar que “a próstata está bem aumentada”.
Onde vai com este dedo? Exame de toc não dói nada!
Com os pedidos do exame nas mãos, aquela frase na cabeça, saí do prédio e quando me aproximei de onde tinha estacionado a moto outro choque: roubaram minha moto! Minha não, da Honda, porque era uma moto de teste. Andando de um lado pro outro, resumi aquela manhã da seguinte forma:
– PQP, hoje o dia promete, são 10 da manhã e já tomei no c* duas vezes!
Quem me socorreu? O sócio e anjo da guarda Ronaldo, que me buscou, me pagou o almoço, levou até em casa e ainda me deu um capacete novo porque o meu estava no baú da moto roubada!
Nesta fase eu ainda nem ventilava a possibilidade de estar desenvolvendo um câncer. Na minha cabeça era só um inchaço provocado pelo excesso de moto, bicicleta e pés na bunda que colecionei ao longo da vida. Levava uma vida normal, nem pensava nisso e, quando comentei com minha irmã que eu iria fazer o ultrassom ela pediu:
– Aproveita e faz outro PSA.
– Karaka, de novo?
Marquei os exames no mesmo dia. Pra fazer o ultrassom eles obrigam a gente a beber quase dois litros de água. Depois fazer xixi até a última gota. Saiu aquele xixi cor amarelo citrino que os médicos adoram.
A enfermeira e a médica eram gatas. Beeeem gatas. Quando me pediram pra deitar na maca e baixar as calças pensei no melhor. Ou melhor, no pior. A enfermeira era morena e bem novinha. Muito bonita mesmo. A médica era loira e linda. Ela me lambuzou com uma meleca e depois ficou passando um treco gelado pra lá e pra cá, bem perto do, do... dele mesmo. Passava tão perto que resvalava na ponta. Ponta que começou a crescer sem minha autorização.
Ô situaçãozinha constrangedora. Tentei pensar em outras coisas, mas não dava e foi ficando meio que indisfarçável. Acho que deve ser normal, porque tanto a enfermeira quanto a médica trocaram olhares e sorriram tipo “viu? eles não resistem”. Saí da sala delas, lambuzado, constrangido, intumescido e fui levar uma picada. De agulha!
Mais um PSA na conta...
Com o resultado dos exames fui marcar o retorno no urologista e... surpresa! Cancelaram meu plano de saúde! Verdade. A Prevent Sênior me deixou sem assistência em meio a um tratamento de possível câncer de próstata. Porque eu tinha esquecido de pagar UMA mensalidade em 10 anos de convênio. Isso mesmo: huma em 10 anos. Não deixei de pagar porque sou sovina, desonesto ou miserável. Não paguei porque confundi com os boletos dos meus pais e esqueci de pagar o meu.
Argumentaram que tentaram me telefonar no número FIXO!!! Como assim? Em 2017 os caras ligam para o telefone FIXO! Eu nem tinha mais a linha telefônica. Os boletos vinham pelo Correio. Era só mandar uma carta, telegrama, um e-mail, um SMS, mas não, ligaram num telefone fixo! Claro que foi intencional, fazem isso porque para reaver o plano eu teria de pagar mais caro, como se tivesse começando um novo plano. Golpistas! Detalhe: eu esqueci de pagar o mês de setembro, mas paguei outubro e novembro. Mesmo assim cancelaram. Vermes oportunistas.
Sem plano de saúde recorri a um sistema novo na época chamado Dr. Consulta. Marquei urologista. Peguei os exames e quando entrei na sala o médico estava com uma camiseta da Harley-Davidson. Foi a consulta mais longa de todas!
Pela primeira vez um urologista conversou de forma esclarecedora. Não foi o que eu esperava ouvir, mas ele deixou claro que eu deveria fazer uma biópsia porque era uma hiperplasia que poderia ser benigna ou não.
– Mas estou sem plano de saúde! Custa caro? perguntei.
– Faz no particular mesmo, mas faz. Agora não é hora de se preocupar com dinheiro.
Acendeu a luz vermelha. Hora de ver isso com atenção.
Saí do consultório e recorri ao meu irmão médico (sim o raio pode cair duas vezes no mesmo lugar, tenho um casal de irmãos médicos). Ele conseguiu a biópsia pelo SUS e foi assim que eu fui parar naquela manhã de julho, descendo a rua Augusta de moto.
N.d.R - PSA é o exame de antígeno prostático. É feito pelo sangue, com uma rápida agulhada na veia. Não dói e o resultado não significa nada sem o laudo de um urologista. Mas uma dica: se algum parente próximo (pai, irmão, avô, tios) tiveram câncer de próstata comece a fazer o exame a partir de 45 anos, pelo menos uma vez por ano. Não se assuste com os números, fale com um médico. Não se consulte com o Google.
(Continua...)