Rita: Deusa, rainha, musa, diva, sexy, nada serve para descrever o quanto eu a admirava
Como eu transformei um limão em caipirinha
Dia desses lembrei de um dos (muitos) episódios desastrosos na minha vida de fotógrafo. Eu fazia qualquer tipo de foto por qualquer tipo de pagamento. Um dos primeiros jornais formato tablóide, o Shopping News, me contratava para fotografar shows, espetáculos de dança, teatro, etc em troca de uma graninha tosca, mas eu podia entrar sem pagar, conviver com os artistas e ainda ficava no gargarejo vendo tudo de perto.
Assim aprendi a controlar a luz da máquina para se adequar à iluminação do palco, fui ficando bão e pegando mais serviços. Até acontecer o desastre.
Naquela época (começo dos anos 80) eu comprava filmes em rolos grandes e rebobinava nas bobinas pequenas de filmes 35mm (achei um esses dias). Isso economizava muito na compra de filmes. Mas – tem sempre um mas –, era preciso muita atenção – o que não combina com pessoas com TDAH –, porque as bobinas eram reaproveitadas de qualquer tipo de filme. Então podia ser uma bobina de filme colorido, mas a película dentro era P&B e vice-versa. Pra não dar treta eu colava uma etiqueta em cima com a especificação correta do filme que tinha dentro. É como empacotar tênis em caixas de sapatos finos.
Este é um filme rebobinado: o conteúdo não é o mesmo do rótulo.
Eu estava escalado para fotografar um show da Rita Lee no Ibirapuera, que seria apenas uma noite. Nunca fui muito de idolatrar, mas a Rita Lee foi uma exceção, porque além de linda, era engraçada, sexy, cantava muito e as letras diziam o que minha geração precisava ouvir. Ir no show dela, entrar no backstage e ainda fotografar, era um prêmio de loteria. A foto poderia ser capa do jornal, por isso preparei filmes Ektachrome (slide) e P&B. No meio da preparação aconteceu alguma coisa que me distraiu – qualquer coisa me distrai – e esqueci de colar uma etiqueta no filme cromo colorido.
Fui pro show, controlei minha tietagem, cheguei perto dela, fiz as fotos (maravilhosas), voltei pro laboratório para revelar os filmes e joguei o filme Ektacrhome no tanque de revelação de filme colorido positivo (C-41). Terminado o processo fui olhar o resultado e... enfartei! Tinha acabado de destruir um trabalho que tinha tudo para ser capa de jornal.
Bateu aquele desespero, dor de barriga, vontade de pegar um avião pro Katmandu, morrer, qualquer coisa para não ter de ligar pro editor e explicar que não tinha foto!
Isto é um reboninador, de onde saem os filmes rebobinados.
Mas nessa época eu era um ótimo enrolador. Lembrei de um livro de fotografia que ensinava alguns truques de efeitos especiais na época pré-Photoshop. Um deles era revelar filme cromo no processo C-41 que resultava em um efeito craquelê, como se fosse um quebra-cabeça de mil peças.
Liguei pro editor e mandei o 171:
– Cara, eu dei um efeito especial nas fotos que vc vai pirar, parece uma porcelana craquelê, estou indo te mostrar!
Cheguei tremendo na redação, mostrei as fotos pro editor que olhou, olhou várias vezes, chamou o diretor de arte, mostrou pra ele, os dois olharam pra mim (que estava pronto pra fugir) e falaram:
– Du caralho! Mas cadê as fotos normais?
Expliquei, (sempre de olho na saída de emergência), que só tinha preto&branco e essas com efeito especial.
Este é um efeito craquelê!
Resultado: a foto craquelada foi pra capa, salvei minha pele e ainda fotografei por muitos anos. Até acontecer o acidente com o estilete que encerrou minha carreira de fotógrafo, mas eu conto depois!
*PS - as fotos do show eu perdi numa das várias mudanças de endereço na minha vida.
Descanse em Paz, Rainha!