Fala a verdade, você recusaria a ler um teste feito por este homem? (Fotos: Mário Bock)
Uma das motos mais clássicas da Honda, a Shadow 600, foi lançada no mercado mundial em 1983 com uma clara missão de combater as americanas Harley-Davidson. A ideia deu tão certo que nos anos 1990 a Shadow foi a moto mais vendida em vários mercados do mundo. Com uma mecânica simples, desenho minimalista, leve e estilo único, conquistou motociclistas no mundo inteiro e ainda hoje é uma das motos mais procuradas no mercado de usadas. Difícil encontrar uma totalmente original e bem conservada a um preço justo, porque o valor dela subiu demais depois da moda de customização.
Este teste publicado na Revista Duas Rodas 234, de março de 1995, foi feito com um modelo do mercado americano com câmbio de quatro marchas. Quando a Honda trouxe para o Brasil em 1995 já veio com câmbio de cinco marchas, mesma configuração da versão que seria fabricada no Brasil até 2005, substituída pela Shadow 750, mas já sem o mesmo carisma.
Por mais de uma década foi a primeira moto custom da vida de alguém. Por ser leve, baixa e de fácil manutenção, era a custom ideal para iniciantes e o público feminino. No mercado de usadas os valores variam de R$ 10.000 a R$ 25.000.
Acompanhe o primeiro teste feito por mim mesmo!
Honda VT 600C Shadow
Chega ao Brasil uma das custom mais vendidas no exterior: a Honda Shadow 600, com desenho à moda antiga, confortável e custando cerca de R$ 10.500.
Ela não é uma Harley mas é muito parecida: desde as rodas raiadas até a pintura, passando pelo tanque em forma de gota, pintado em duas cores e ainda pelos filetes nos pára-lamas. O ronco é silencioso e o motor de dois cilindros em V ajuda a confundir mais ainda. Quem olha para a Honda VT 600C Shadow não resiste a uma pergunta: “Que ano é essa Harley?".
Essa semelhança é proposital e a marca Honda aparece discretamente no tanque e atrás do banco, justamente para reforçar a idéia de um modelo americano, ou alguma personalização. Apresentada pela primeira vez no Salão de Colônia, na Alemanha, em 1988, ela se mantém praticamente inalterada, apenas com mudanças nas cores e grafismos.
O modelo avaliado com exclusividade por DUAS RODAS, na cor azul com filetes brancos, tem linhas suaves, realçando os contornos arredondados. Apesar de por enquanto só estar sendo importada por empresas independentes (com preços em torno de R$ 10.500,00) pode ser um modelo a ser trazido pelo própria Honda, como substituta importada na faixa entre as CB e CBR 450 e CBX 750.
Sofisticação nos punhos de alumínio polido.
O acabamento da Shadow é impecável, chegando a extremos como uma pequena cobertura de plástico na parte do quadro tubular junto ao tanque de gasolina. Os punhos dos comandos têm acabamento polido, combinando com a profusão de cromados espalhados por toda parte. Outro extremo de imitação são as aletas de "refrigeração" dos cilindros, que foram mantidas, mesmo com, arrefecimento líquido, para aumentar a semelhança com o motor das Harley americanas. Esse sistema misto de refrigeração ar-água permitiu o uso de um radiador pequeno, colocado entre os tubos frontais do quadro, e ainda melhorou o arrefecimento do segundo cilindro (o traseiro), que recebe menos ar frontal.
Os instrumentos se resumem ao velocímetro, com hodômetros total e parcial e as luzes de advertência de pisca, neutro, farol alto, pressão de óleo, temperatura e descanso lateral. O curioso desse painel são algumas luzes colocadas diretamente na mesa do guidão. O acabamento da mesa é de liga-leve, também polida.
Painel simples com apenas velocímetro e luzes de advertência.
A Shadow tem um quadro muito simples, com chapas de aço se transformando em tubos que sustentam o motor quatro tempos. O resto da parte ciclística segue os moldes das custom, com rodas raiadas, equipadas com pneu traseiro alto e largo com câmara. Aliás esse é um dos itens que merece reestudo por parte da Honda japonesa. O pneu com câmara fica mais sujeito a pequenos furos, como um caco de vidro que entrou no pneu dianteiro durante a avaliação e foi suficiente para esvaziar a câmara. Atualmente o pneu sem câmara oferece muito mais segurança e já existem rodas raiadas que aceitam pneus sem câmara.
CADÊ O AMORTECEDOR?
Quem olha a Shadow pelo lado direito contempla os dois escapamentos cromados, que dão mais um estilo à moda antiga. Mas quem vê pelo lado esquerdo leva um susto: "Ué, cadê os amortecedores traseiros?" A suspensão traseira é formada por um único amortecedor, que fica tão escondido que nem mesmo desmontando a lateral pode se vê-lo perfeitamente. Ele fica colocado horizontalmente, preso na parte superior do quadro elástico. Esse sistema reforça mais uma vez a aparência de motos "rabo duro", dos anos 50. Felizmente é só aparência, porque a suspensão traseira é bastante macia e progressiva.
Ué, cadê o amotecedor traseiro?
Ao assumir a posição de pilotagem, a primeira boa impressão é a segurança: a pequena altura do banco do solo (690mm) permite colocar os dois pés no chão. As pernas contornam o tanque (de apenas 9 litros) e os pés repousam nas pedaleiras lá na frente. Os braços ficam abertos e com boa angulação, graças ao guidão largo e recuado. O banco largo e em dois níveis acomoda confortavelmente o piloto, mas o garupa sofre com um banquinho pequeno, estreito e que obriga a manter as pernas muito dobradas. Para realizar grandes viagens com garupa, pode se adaptar um encosto, tipo sissy-bar (disponível em lojas especializadas), para permitir ao menos relaxar as costas.
O silêncio de rodagen é um dos pontos altos da Honda VT 600C Shadow. Mesmo com a transmissão final por corrente, os ruídos são bem reduzidos. A corrente só faz um som de schilli, quando está com folga excessiva. Vários coxins colocados em pedaleiras, guidão e suportes do motor fazem um eficiente trabalho de redução da vibração.
Para eliminar boa parte das vibrações sem utilizar contrapesos no virabrequim (que comprometem a potência), a Honda colocou as bielas montadas em moentes (ressalto do virabrequim) defasadas em 77º, enquanto num motor em V, o normal é colocar as duas bielas no mesmo moente. O resultado é um efeito de motor em V a 90° (ângulo ideal para eliminar as vibrações do motor em V), mesmo tendo o ângulo entre os cilindros de apenas 52º. Esse motor é simples e econômico. O comando é único no cabeçote, com três válvulas por cilindro (duas de admissão e uma de escapamentos e também conta com duas velas em cada cilindro para otimizar a queima da mistura ar-combustível. Como resultado, a média de consumo na estrada é de 20 km/lito, correspondendo a uma autonomia de 180 quilômetros.
TORQUE DE SOBRA
O motor de exatos 583cc não é dos mais potentes, com 46 cv a 6.500 rpm, em compensação o torque é mais do que satisfatório, com 5.1 kgf.m a 3.500 rpm. Graças a esse torque, pôde se utilizar um câmbio de quatro marchas (versão americana), sendo que as duas primeiras são utilizadas basicamente para colocar a moto em movimento, ou enfrentar uma subida íngreme. Essa característica de grande torque proporciona uma impressão de ter câmbio automático, porque basta colocar em terceira e rodar pela cidade trocando de marchas em poucas situações. Se precisasse trocar de marchas muitas vezes, não seria problema, porque a embreagem é tão macia que na primeira engatada tem-se a impressão de que o cabo quebrou. Um detalhe curioso é o sistema de encaixe do cabo de embreagem na carcaça do motor, semelhante ao sistema da CG 125 Titan.
Farol simples, suficiente para enfrentar estradas escuras.
Infelizmente o painel não tem conta-giros, mas percebe se claramente que o torque começa a se manifestar em baixo regime de rotação. Depois é só girar o acelerador e sentir a moto ganhando velocidade, sem engasgos, até atingir a máxima de 150 km/h.
O freio é composto por um baita discão de 296 mm de diâmetro na dianteira e tambor na traseira. Apesar de simples, a frenagem é segura, completada pelo elevado efeito de freio motor. Em muitas situações o freio é só "beliscado" por questões psicológicas, porque poderia frear apenas reduzindo marcha.
A VT 600C Shadow é estável, na medida do possível para uma custom, com 2.356mm de comprimento. Pode-se inclinar nas curvas com tranquilidade, guardando as limitações das pedaleiras que raspam com facilidade. Para manobrar no trânsito intenso o comprimento exagerado causa os tradicionais problemas de manobrabilidade. Algumas vezes é preciso "encaixar-se" entre os carros. Subir na calçada ou passar sobre obstáculos também são manobras complicadas em função do pequeno vão livre do solo (140 mm).
Transmissão por corrente é uma das "broncas" dos usuários que preferem cardã.
Alguns detalhes merecem um estudo para não prejudicar o funcionamento geral. O pára-lama dianteiro, por exemplo, é pequeno e não impede que o piloto seja atingido por grãos de areia ou água atirados pelo pneu dianteiro. Duas ausências foram sentidas: o lampejador do farol alto e um cavalete central. Para consertar o pneu dianteiro foi preciso improvisar um "macaco”.
Por enquanto a Shadow está sendo trazida apenas por importadores independentes, com preços oscilando entre R$ 10.300 e R$ 10.500. A Honda do Brasil deveria pensar mais seriamente na comercialização desta custom durante muito tempo ocupou a lista da mais vendida no concorrido mercado italiano (veja abaixo). Aqui no Brasil cada vez mais os motociclistas estão descobrindo as delícias de pilotar uma moto simples e que chama a atenção por onde passa.
A bem amada
Vários meses seguidos a Honda VT 600C Shadow foi a moto mais vendida na Itália. Esse status é muito importante porque trata-se de um mercado repleto de modelos de várias marcas e onde o consumidor compra motos há 75 anos. Por isso a apresentação do Shadow aqui no Brasil durante o último Salão do Automóvel, em outubro (DUAS RODAS 230 e 237) causou tanto furor no mercado. Principalmente agora que a Honda precisa encontrar um modelo para substituir a "descontinuada" CBX 750F Indy.
A Honda não confirma oficialmente o interesse pela importação da Shadow, mas seguindo a atual tendência de valorização dos modelos custom, tanto a Shadow, quando a VF 750C têm grandes chances de serem importadas e de conquistarem o público brasileiro. O segmento das esportivas já está servido pelas CBR 600F e CBR 1000F importadas, além das esportivas de outras marcas, só falta à Honda Brasil colocar na linha os modelos custom. Para ter idéia da importância desse mercado, durante alguns meses a Kawasaki Vulcan 750 foi a importada mais vendida em São Paulo e já se anunciou que vai chegar a Vulcan 800, que causou grande sensação no Salão de Colônia, na Alemanha (DUAS RODAS n 231). Está na hora de os executivos da Honda Brasil pensarem mais nesse filão.