Macacão do Johan Zarco chegou a abrir na costura depois de uma queda a mais de 200 km/h. (motogp.com)
O que acontece com seu equipamento depois de rolar pelo asfalto
Dificilmente alguém vai achar uma foto minha caindo. Não que eu seja o cara mais estável do mundo, mas é que nunca me permiti essa façanha na frente dos outros! Além disso, no meu tempo de trilha não havia telefone celular pra fotografar e filmar tudo. Mas eu caí muito nesta minha vida de motoquento. Primeiro no aprendizado normal mesmo, quando tinha uma pequena Suzuki 50cc e deixei muito epiderme pelos bairros de Moema e Campo Belo, em São Paulo. Depois quando fui pro mundo off-road que foi uma espécie de PhD em tombo. Caí de tudo que foi jeito possível, alguns tragicômicos. Passada a fase da adolescência motociclística parei de cair nas ruas e trilhas e só fui experimentar essa sensação de ver o mundo girando quando fui para a motovelocidade.
Na verdade, nos quatro anos como piloto de motovelocidade (um de RD 350 e três de 125 Especial) caí apenas quatro vezes. Três delas num mesmo dia! Vale a pena explicar: em 1998 o autódromo de Goiânia (GO) tinha passado por um recapeamento. Os pilotos de Stock Car correram lá e meteram o sarrafo no asfalto, porque não ficou bem curado e soltou farelo. Uma semana depois o circo (cheio de palhaços) da motovelocidade aterrissou na mesma pista esfarelada para uma etapa do campeonato brasileiro. No meio deles estava eu!
Acredite, este macacão sofreu três quedas neste dia e ainda chegou em segundo lugar! Dá pra ver o remendo na coxa direita.
Como eu era um piloto-domingueiro só treinava no sábado e corrida no domingo. Mas a galera tinha chegado já na quinta-feira justamente pra testar o asfalto. Foi um festival de tombos porque o trilho deixado pelos carros não coincidia com o trilho das motos (não diga!). Até que entrei na pista pro primeiro treino livre de sábado. Menos de duas voltas encontrei um piloto mais lento, saí do trilho e... primeiro chão. Segundo treino livre forcei demais a frenagem, alarguei a saída da curva, entrei na farofa e... segundo chão. No treino de classificação vi o César Barros na minha frente (da minha equipe) e achei que seria uma boa ideia pegar o vácuo na reta. Na curva antes da reta ela abriu demais a curva, achei que ele estava me dando passagem, mas não, ele estava desviando da farofa. Que eu não vi e... terceiro chão!
Imagine como eu faria pra correr no domingo com o macacão todo ralado! Dos dois lados, costas e cupim. Só não estava ralado na parte interna das coxas. Saí da pista, passei num sapateiro, comprei um pedaço de couro (que devia ser de jegue de tão duro), tintas coloridas, cola de benzina e passei a noite remendando meu macacão. Que ficou horroroso, claro, mas passou na vistoria. Pouco tempo depois esse macacão literalmente dissolveu!
Uma dica: colete de couro não protege a pele!
O que remendar
Ninguém sai igual depois de uma queda. Alguma coisa a gente aprende e outras a gente remenda. O aprendizado vai para a vida. Já as sequelas viram troféus de guerra. Depois de um tombo sua primeira atitude é fazer que nem o oficial Sulu de Jornada nas Estrelas: relatório de danos. O primeiro relatório é físico, pra perceber se não quebrou nada ou se está pegando a Globo no canal 275. Depois a moto, pra ver se e o que entortou, quebrou, zuou ou despedaçou. Se quiser saber como fazer esses dois relatórios clique AQUI. E depois é a vez de verificar o que sobrou do equipamento.
Começando pelo capacete: se apresentou arranhado ou marca de pancada, c’est fini. Já era! Nem pense em fazer funilaria (lanternagem) e pintura num capacete que já caiu. Muito menos vender! Depois de uma queda, se o capacete atingiu o solo, é fim de carreira pra ele. Ou vai pra estante ou pro lixo. Já arrumei treta feia com uma maluca que anunciou um Arai para venda com um enorme arranhão depois de uma queda! Vender um capacete naquele estado, se fosse num país normal, daria cadeia. Pior saber que alguém comprou!
Ah, não foi nada, o capacete está inteiro, só lixar e pintar que fica novo #SQN
Se for jogar fora precisa cortar a cinta jugular de forma a impedir o uso, senão este capacete vai aparecer na cabeça de alguém. No caso dos pilotos sérios (patrocinados pelos fabricantes de capacetes) nós entregamos de volta ao fabricante para análise e pesquisa. Ou, no meu caso, quando eu compro o capacete, meto uma marreta de 5 kg bem no meio! O que sobra vai pro lixo reciclável. Não deixe um capacete acidentado voltar a circular, dentro dele tem uma vida.
Na anatomia de um piloto, tudo que não é capacete ou é feito de couro ou de poliéster, com apliques de plástico. O veganos (incluindo Mr. Spock) que me perdoem, mas ainda não inventaram nada mais eficiente para salvar nossa pele do que a pele de outro animal. Que pode ser bovino ou cangurino. Hoje em dia o couro de canguru tem mais vantagens: é mais leve, mais resistente e vem de um bicho que já está acostumado a pular. Do ponto de vista ambiental, o canguru é um animal que precisa ter sua população controlada, porque a falta de predadores e a proibição da caça fizeram a população crescer exponencialmente. Por isso foi permitida a exploração comercial da carne e do couro.
Macacão integral é o que oferece a melhor proteção. (Ellegancy Costura)
Já o couro bovino é bem mais barato e a oferta é bem mais farta porque a carne já é explorada em larga escala há séculos. Sua desvantagem é ser mais pesado e menos flexível (e bois não pulam). Por isso podemos encontrar tanta variação de preços nos macacões, jaquetas, luvas e botas de motociclistas. Depende basicamente da origem animal. Em termos de resistência à abrasão, o couro de canguru também é mais eficiente, mas eu aposto que o couro do nosso jacaré de papo amarelo dá de 10 a 0 no saltitante australiano.
Os pilotos de nível mundial recebem toneladas de macacão por temporada. Por isso eles podem cair quanto quiser que não chega nenhum boleto depois. Mas pilotos amadores ou domingueiros como eu, sabem que um macacão ralado dói bem mais que um coração partido. Principalmente no bolso.
Mas é possível consertar um macacão. Não como eu fiz, claro, que de tanto remendo colorido ficou parecendo uma roupa de porteiro de circo. Mas com profissionais que buscam matéria prima de qualidade, linha específica para segurança, tintas que não desbotam e aviamento de qualidade, próprio para EPI.
Tudo começou ajustando uma jaqueta de couro, depois virou história. (Ellegancy Costura)
É o caso do meu amigo, vizinho e especialista Sergio Rossini. Cerca de 10 anos atrás ele teve necessidade de ajustar uma jaqueta de couro e não encontrou ninguém no mercado com essa experiência. Ele olhou pro lado e viu a oportunidade. Na verdade, ele viu a sogra, uma excelente costureira, que aceitou o desafio de ajustar a jaqueta. Depois de destruir uma máquina ele e a sogra perceberam que poderiam oferecer esse serviço aos motociclistas. Começaram uma discreta campanha na internet, visitaram as corridas para avaliar o tipo de conserto que poderiam propor, pesquisaram materiais, aviamentos, linhas e hoje se tornaram referência no mercado.
– Começou por acaso, mas hoje se tornou um negócio que envolve toda a família – explicou-me o Rossini, que incluiu a esposa na empresa e hoje são os donos da Ellegancy Costuras, com dois endereços em São Paulo (um deles do lado da minha casa, coitados). O sucesso não veio fácil, foi preciso muita pesquisa e testes.
– Hoje nós trabalhamos com couro bovino, porque o de canguru é caro e difícil de importar – contou Sérgio Rossini – mas conseguimos um couro bovino com tanta qualidade que ficou muito próximo do original. A mesma coisa vale para os demais itens como zíper, velcro e linha, escolhemos tudo que tem de melhor no mercado porque não é só uma questão de aparência, mas envolve a segurança do usuário.
Certíssimo! Como tudo na vida, tem a solução certa e a solução barata! Tudo que envolve segurança não pode adotar a opção mais “barata”, porque uma costura mal feita, ou uma linha sem resistência podem romper em uma nova queda e expor a pele do motociclista. Sei bem o que é isso porque caí três vezes com o mesmo macacão! Hoje em dia a vistoria inclui equipamento e um macacão ralado como o meu nem poderia largar.
Equipamento de poliéster: bom pra estrada, mas jamais na pista. Só se for no curso de pilotagem com o professor ao guidão! (Claudinei Cordiolli)
A vida Cordura
Nem só de couro vive o motociclista. Muita gente prefere o material sintético, conhecido popularmente como Cordura, mas que na verdade se chama poliéster. Cordura é uma marca registrada da DuPont. Sempre que dou aula para motociclistas de motos grandes surge a dúvida: o que é melhor, couro ou poliéster?
Na verdade, não existe o “melhor”, mas o que atende o maior espectro de utilização. Para autódromos só é permitido couro. Mas na estrada tem as duas opções. A grande vantagem do couro é a maior resistência à abrasão e o ponto de fusão muito mais alto (você nunca viu uma vaca derretendo no pasto no interior do Ceará). Porém, por ser uma pele o couro tem poros que encharcam no caso de chuva. É um material orgânico permeável. A gente não fica encharcado quando chove porque temos epiderme, derme e estamos vivos! Mas o couro depois de tratado absorve água.
Também tem a questão da massa. Um cm2 de couro é bem mais pesado do que um cm2 de poliéster. Já o poliéster tem a vantagem da impermeabilização mais fácil, leveza, porém tem o ponto de fusão mais baixo. Então, quando o motociclista cai, a 60 km/h, o tecido vai atritar no asfalto a 50°C e literalmente derreter, fundir. Pior: pode fundir com a sua pele junto e para desgrudar depois vai precisar esfregar muito aquele monte de pele que acabou de passar no ralador de queijo. Eu sei bem o que é isso porque fiz enduro por 10 longos e ardidos anos.
Combinação que eu gosto: jaqueta de couro e calça jeans HLX. (Caio Mattos)
Outra vantagem do equipamento de poliéster é a versatilidade porque além de atender um espectro maior de temperatura (tem jaquetas ventiladas e com película interna) é mais flexível e pode ser guardado num pequeno baú. O chato de usar macacão de couro na estrada é na hora de parar nos restaurantes e descer naturalmente que nem o Buzz Ligthyear. Mas fica pior na hora de fazer xixi ou o número 2 vestido de macacão integral! Por isso, na estrada eu prefiro a combinação jaqueta de couro e calça jeans com proteção interna (HLX). Calça de poliéster é o tipo de equipamento que só se usa uma vez na vida, isso se a temperatura estiver menor do que na Sibéria. Causa muita irritação na pele, justamente numa região já naturalmente irritada pela humanidade (haja...).
Não só ralado
O equipamento sintético também pode ser consertado. Mas depende da extensão do estrago, naturalmente. “Como é um produto mais barato do que o couro nem sempre compensa reparar, mas fazemos muitos ajustes”, explicou Sérgio Rossini.
Sim, imagine que um equipamento de poliéster, depois de uma queda, fica parecendo um Judas depois da malhação. Mas tem outro lado que rende muito trabalho ao ateliê de costura: o ajuste. É, meu filho, vida de solteiro, academia, anabolizantes, essas coisas inflam uma pessoa. Depois de devidamente laçada a pessoa larga essa vida e murcha que nem um maracujá de gaveta. E descobre que a jaqueta diminuiu uns dois números. Nessa hora entra o trabalho de ajuste que pode ser para encolher, ou... aumentar. Sim, porque a vidinha mansa de casado também traz consequências na estrutura abdominal. Principalmente do homem que não fica grávido de verdade, mas sofre de gravidez pizzicológica e churrascológica.
Precisa ajustar a calça de couro? Clica na foto! (Ellegancy Costura)
– Tanto no caso do couro, quanto do sintético, podemos fazer esse trabalho de ajuste para maior ou menor, além de troca de zíper, das proteções internas e acabamentos – explicou Sérgio.
No caso dos consertos é tudo mais simples, porque basta mandar o equipamento e esperar ele de volta – depois de pagar, claro. Mas nos ajustes é mais complicado porque o freguês precisa vestir o equipamento, filmar de vários ângulos, inclusive alguns ginecológicos, e mostrar onde apertam-lhes as partes (ora bolas).
Hoje a Ellegancy Costuras virou uma empresa com um baita cardápio de produtos e serviços para qualquer tipo de roupa, desde terno social, até calças jeans. Também desenvolve roupas, especialmente vestidos de noiva, mas não de couro. Pelo menos por enquanto.
Para conhecer mais desse artista basta clicar AQUI ou nas fotos dessa página.
Para conhecer a calça jeans com proteção da HLX clique AQUI.