Deita muito! É uma naked com espírito esportivo. (Foto:Ducati)
O autódromo de Interlagos tem um trecho que é icônico. Trata-se da curva do Café, que é bem aberta e dá acesso à reta dos Boxes. Com motos de baixa potência pode-se fazer com acelerador todo aberto, sem dificuldade. Mas quando passa de 100 cavalos é melhor pensar duas vezes antes de manter a mão do acelerador no talo. Porque na saída tem um muro do mais duro concreto que o mundo conhece e respeita.
Foi nesse cenário que fiz o teste da nova Ducati Monster 1200S que chega ao Brasil por R$ 59.900, mas também aproveitei para avaliar a Panigale 959 que só vai pegar carona nessa conversa lá no fim do texto.
Precisa ter uma versão vermelha, senão dá briga.
Com a Monster eu tenho um longo histórico de amizade. Quando chegou a primeira no Brasil, em 1993, eu estava lá, em Caxias do Sul, RS, (na época que a Agrale representava a marca no Brasil) esperando sair da caixa de madeira e ajudei a ativar. Por isso fiquei bem contente de ser convidado para participar deste teste e logo de cara perceber que visualmente a Monster lembra muito aquela de quase 25 anos atrás.
Isso é uma coisa interessante nesta famiglia de moto. Ela se moderniza, mas respeita o visual original. A começar pelo tanque de gasolina, que lembra muito o das primeiras, com um formato arredondado e curvas suaves quase sensuais. Além da característica original de ser basculante e fixado por uma presilha semelhante à dos carros de corridas dos anos 60. Esse detalhe vintage dá um charme especial à italiana.
Motor é uma obra de arte, assim como as curvas do escape.
As Monster tem outra característica marcante, presente em toda linha Ducati: o quadro de treliça tubular, também charmoso, que recebe o motorzão Testastretta 11º de dois cilindros em L, de exatos 1.198 cm3, capaz de desenvolver 152 CV a 9.250 RPM e o torque monstruoso de 12,8 Kgfm a 7.750 RPM. A parte interessante desse quadro é que o motor faz parte da estrutura que recebe também a suspensão traseira e a balança monobraço. Isso mantém a distância entre-eixos reduzida, que dá mais maneabilidade ao conjunto.
Painel digital com dezenas de funções.
O que mudou?
Além da distância entre-eixos menor, toda a moto passou por um regime aqui e ali que a deixou com magérrimos 185 kg. Começando pelo tanque de gasolina que ficou mais fino e perdeu um litro em relação ao modelo anterior, agora cabem 16,5 litros. Não fizemos medição de consumo, mas pode ficar tranquilo porque a autonomia é grande. O quadro foi todo redesenhado para deixar mais fina o que ajudou na pilotagem esportiva.
Uma das melhores notícias veio da eletrônica. Primeiro os freios, que agora contam com uma tecnologia (Bosch) que interpreta a posição da moto e distribui a frenagem entre as rodas dianteira e traseira em qualquer condição. Se a Monster estiver inclinada a ação do freio dianteiro é reduzida e parte da frenagem vai para a roda traseira. Isso evita o “stand-up” que nada mais é do que levantar a moto no meio da frenagem quando o piloto aplica o freio dianteiro com voglia.
Freios Brembo, com eletrônica Bosch e suspensão Öhlins: uma torre de Babel.
Outra benção da eletrônica é o controle de tração. Trata-se de uma espécie de ABS só que na função nova. O sistema compara a velocidade da roda, com a rotação do motor e sabe que precisa atuar para evitar uma derrapagem. Graças ao sistema pode-se acelerar em piso de baixa aderência ou no meio da curva com a moto inclinada que a roda traseira não escorrega. Por último e igualmente bem vindo é o controle de empinada. Como tem gente que gosta de ver a roda dianteira no ar, esse controle tem oito opções, desde não empinar, até quase jogar o piloto pra fora do banco.
Tudo isso pode ser selecionado pelo piloto por meio de botões e o display digital do painel e gerenciado por uma central eletrônica. São três módulos básicos de pilotagem: Esportivo, que deixa toda a cavalaria à solta, mantém o sistema de freios no nível 2 (a traseira pode derrapar de leve), o controle de tração e o de empinada no nível 3, o que passa a sensação que a moto está soltinha, mas tem ainda muito controle à prova de erros de pilotagem.
Banco de garupa com pussy-locker.
Já no modo Turismo, a potência se mantém a pleno, porém a entrega é mais progressiva. A atuação dos sistemas de tração e de freio ficam mais restritivos e o controle de empinada sobe para o nível 5. Já no modo urbano o motor fica limitado a pouco mais de 100 CV e os controles de freio, empinada e tração ficam quase 100% atuantes. É indicado especialmente para rodar na chuva.
Como anda
Bom, tudo isso é muito legal de ver e de ler, mas precisa confirmar se funciona. Foi isso que me foi proporcionado e justamente no palco sagrado da velocidade no Brasil, pista que conheço praticamente desde que nasci: Interlagos.
Nossa programação permitia três voltas na pista a cada turno e fiz questão de fazer dois turnos para extrair o máximo de informação. A primeira providência foi colocar no módulo Esportivo. O painel é uma peça linda, com tantas funções e informações que é preciso ler o manual até entender tudo. Para resumir eu me fixei nas duas informações mais importantes: velocímetro e contagiros.
Pó deitar mais um bocadinho.
Logo ao me posicionar lembrei imediatamente da primeira Monster que andei lá nos anos 90. Guidão largo, não se vê o farol, pés bem recuados, corpo para a frente e braços abertos. Só não gostei da posição das pedaleiras, porque do lado direito o calcanhar fica pegando na curva do escapamento. Por outro lado o sistema quick-shift do câmbio é uma delícia. Outro pênalti: o guidão esterça pouco, por isso calcule bem a curva, principalmente no meio do trânsito senão vai ser um festival de espelhos arrancados.
Não tive a chance de rodar com garupa (ainda bem), nem no uso urbano (idem), foi só na pista mesmo e aproveitei para avaliar também os pneus Pirelli Super Corsa III que ainda não conhecia pessoalmente. Primeira engatada, viseira abaixada... fui!
Não tente fazer isso em casa.
Quem não conhece moto e música não consegue entender o alcance do ronco desses escapamentos. Os tubos são obras de arte no formato 2-1-2, com um som de arrepiar. E olha que é original e já na norma Euro 4 de emissões. Mínima vibração, menos do que na versão anterior, o que é louvável para um motor de dois cilindros. O comportamento do motor lembrou as esportivas Panigale: o motor sobe e desce de giro muito rápido. Coisa de ferver o sangue do testador.
Como já peguei a moto com pneus quentes nem esperei meia volta para sentar o sabugo. Que coisa linda é o câmbio que dispensa embreagem tanto para passar quanto para reduzir. É só levantar e abaixar a alavanca e tudo se resolve. A potência é um soco no estômago, mas a entrega é bem linear, típico dos motores na configuração em L. Distribuição de potência e torque de forma muito suave, sem os sustos dos motores quatro-em-linha.
A bella balança monobraço: marca registrada.
Quando senti que os pneus estavam mordendo com fome, comecei a deitar e deitar como se estivesse de moto esportiva e mesmo assim não cheguei no limite dos pneus. Pode confiar cegamente nesses Diablitos que não tem susto. O pneu traseiro passa o feeling do limite com bastante antecedência e precisão e o dianteiro só manda avisar que pode deitar à vontade.
Delícia também saber que pode-se acelerar tudo no meio da curva que o controle de tração se encarrega de manter o piloto em cima da moto. O mesmo nas frenagens. Fiz o teste do sistema de freio na curva e de fato o efeito “stand-up” é menor, mas ainda dá pra sentir que a moto quer levantar devido à deformação do pneu dianteiro.
O mais impressionante foi no final da reta dos Boxes, na freada para o S do Senna. Nesse ponto a moto chegou a 242 km/h em sexta e a precisei frear para 90 km/h em primeira marcha. Em uma moto normal a frente afunda e a traseira chicoteia pra todo lado. Mas o sistema eletrônico controla o mergulho da suspensão e ainda mantém a traseira alinhada. Aliás, o freio é simplesmente um ignorante de pai e mãe! Usei apenas um dedo na manete e ainda assim precisei controlar pra não frear demais.
Pode chamar de magra gostosa.
Que a Monster era boa de curva e rápida isso eu já imaginava, porque não tem como ser ruim. O que precisava avaliar era o que os italianos chamam de “erogabile” ou seja, se a distribuição do motor é fluida. Para isso esperei chegar na parte de subida, logo depois da curva da Junção, coloquei em sexta e última marcha e deixei o motor cair a 2.000 RPM, então abri todo acelerador e fui assim até a torre de cronometragem. Impressionante, porque o motor respondeu com vigor até chegar a 235 km/h, sem qualquer engasgo.
Depois de completar a volta percebi que os motores modernos não precisam trabalhar com o giro lá nas alturas para uma tocada esportiva. É possível entrar com uma marcha acima do normal e sair da curva que nem um míssil, porque essa tecnologia toda empurra a moto sem precisar de rotações tão elevadas.
O nome dessa cor é cinza concreto líquido!
Só recomendo a instalação de uma pequena carenagem de farol (oferecida como acessório) porque o vento no capacete acima de 200 km/h dá a impressão que vai arrancar a nossa cabeça do pescoço. Na minha eventual Monster eu instalaria essa carenagem e ainda manteria pra sempre a capa do banco monoposto. Aliás, outra coisa que não entendi: se tem a opção de transformar em monoposto, porque as pedaleiras do garupa não são removíveis?
Mais alguns itens destacáveis nessa Ducati: as suspensões Öhlins totalmente reguláveis. Na traseira o monoamortecedor é fixado diretamente no cilindro vertical, usando o motor como estrutura portante. As rodas são novas e lindas com raios em Y.
Por fim o já esperado e mundialmente conhecido IPM – Índice de Pegação de Mina (ou Mano). Como o banco do garupa tem aquela saliência que chamo de “pussy-brake”, feita para evitar que a garupa esmague o piloto no tanque, até dá para viajar em dois sem crise, mas o piloto precisa dosar o acelerador senão arremessa a pussy longe. Por isso, e pelo estilo muito peculiar, daria nota 9,5 no IPM.
Tá tudo aí!
Panis et circensis
Uma pequena carona na Panigale 959.
Durante o teste da Monster tive a chance de conhecer também a Panigale 959. É uma esportiva com motor de dois cilindros em L, com 157 cv a 10.500 RPM, equiparável às motos de 750cc com motor quatro cilindros em linha. Eu já tive a chance de passar um dia inteiro com a Panigale 1299 em Mugello, por isso sabia que tinha um abismo de diferença entre elas. Mesmo assim assumi o comando dessa “Panigalinha” sem esperar um empurrão nas costas.
Não pode ver uma curva que deita!
A primeira impressão é de uma esportiva compacta, tão pequena que demorei um tempo para me ajeitar, mesmo com reduzidos 1,69m de altura. Para meu corpinho ela vestiu como uma luva e isso ajuda a passar confiança.
Aqui no Brasil ela vem equipada com Pirelli Diablo Rosso Corsa, um velho conhecido meu, mas na Europa e EUA ela vem com Supercorsa CS2, o que me daria um prazer bem maior, mas tudo bem.
Saí mais uma vez já com os pneus pré-aquecidos e coloquei o programa no modo “esportivo”, em vez do “race” que seria delicioso, mas poderia mandar a moto e eu para o espaço. Com o modo esportivo ela oferece toda a potência, mas mantém uma certa atividade do freio ABS, o que achei mais seguro porque dividi a pista com várias outros pilotos menos experientes com motos “normais”. E a ideia era sentir a moto e não bater recordes.
Ah, quem resiste a uma voltinha em Interlagos?
Na 959 o câmbio quick-shift só vale para passar marchas, não para redução. Demorei algum tempo para me acertar com o câmbio na posição original, porque em Interlagos é imprescindível usar o câmbio invertido por causa das curvas para a esquerda.
Depois de ficar mais à vontade consegui dar algumas voltas limpas, sem tráfego. Diria que os romanos estavam certos quando afirmavam “In medium est virtus”, ou seja, a virtude está no meio. Uma moto acima de 1.100 cm3 é um exagero. Abaixo de 750cc fica faltando um pouco de punch, então o ideal está entre as duas, como é o caso da 959.
Com ela pode-se acelerar tranquilamente que o motor responde de forma dócil. É melhor ter menos potência e poder aproveitar do que ter 200 CV e não poder abrir o acelerador. Ainda mais com ajuda da eletrônica, que torna a pilotagem mais “perdoável”. Em uma volta lançada cheguei muito forte do S do Senna e alicatei o freio como se não houvesse amanhã. A moto manteve a trajetória lisa e totalmente na mão.
Diria que é uma esportiva que se pode desfrutar plenamente, com um motor tão trabalhado na eletrônica que dá para perceber as diferentes divisões de potência. Até 3.000 RPM é comportada como uma gatinha manhosa. Aos 7.500 começa a ficar mais com cara de gata no cio. E acima de 9.000 RPM é uma leoa sanguinária maníaca pervertida. Mas a todo momento é muito fácil e segura de pilotar. Tão segura que naquele trecho que abre esse teste eu fiz de mão colada lá no fundo. Não me pergunte a qual velocidade porque dentro da pista eu evito olhar pro velocímetro justamente pra não influenciar a minha válvula de alívio.
Nem vou julgar o IPM dessa moto porque quando se trata de esportiva o(a) desgraçado(a) que quiser levar garupa que chame o Uber e não cometa o crime de sair por aí numa moto dessa com um peso morto atrás da bunda.
Detalhes da Panigale 959 pode acessar AQUI.