Johnny Cecotto em primeiro plano, em 1980, em Interlagos na Copa Brasil. (Foto: Tite)
Como escolher e manter o capacete de motociclista
Comprei um capacete! Grande coisa, você poderia dizer, afinal são vendidos quase dois milhões de capacetes por ano no Brasil. O surpreendente dessa notícia é que desde 1977 eu não entrava numa loja para comprar capacete! O último tinha sido um SS Induma, com entrada de ar, imitação de um Simpson australiano. Com esse capacete eu corria de kart e andava de moto. Logo depois virei jornalista e piloto de teste e passei a ganhar tanto capacete que nunca mais comprei… até uns meses atrás.
Dizem que homens compram as coisas porque precisam. E as mulheres compram porque está barato. Eu tive meu dia de mulher. Dificilmente eu entraria numa loja para comprar um capacete, uma vez que eles é que vem até mim. Mas em uma viagem a passeio por Morungaba, interior de SP, entrei na loja Euromoto de um grande e velho amigo Vincenzo Michele.
Este tinha sido meu último capacete comprado em loja, Note o ano...
Ao entrar na loja dei de cara com uma coleção nova de capacetes italianos X-Lite, réplicas de pilotos dos anos 70/80 como Giacomo Agostini, Mike Hailwood, Kenny Roberts e Johnny Cecotto. Todos os capacetes eram lindos e icônicos, mas quando peguei na mão senti que também eram muito leves e bem acabados. Aí fiz aquilo que jamais deveria: vesti o capacete. Ai, ai, o tecido era muito suave e ele envolveu minha cabeça como se fosse feito por encomenda.
Mesmo com todas essas qualidades ainda estava em dúvida, porque realmente não preciso comprar um capacete, assim como um tenista profissional não precisa comprar uma raquete. Só por curiosidade perguntei o preço e veio a supressa: era muito mais barato do que imaginava e, para piorar, o Vincenzo ainda ofereceu um mega desconto, quase 1/3 do valor da etiqueta. Não teve jeito… comprei o réplica do Johnny Cecotto, piloto que conheci pessoalmente e foi campeão mundial de motovelocidade de 350cc em 1975 . E fiquei super feliz porque realmente é ótimo!
O X-Lite réplica do Johnny Cecotto: uma beleza e confortável. (Foto: Mario Villaescusa)
Importante explicar que nestes mais de 35 anos tive patrocínio de várias marcas de capacete e agradeço todos os fabricantes e importadores pelo incentivo e confiança. Gostaria de citar todas as marcas, mas tenho medo de esquecer alguma e cometer uma injustiça. Mas desde que saí das competições e também reduzi minha participação na mídia não achei justo ligar para uma fábrica e dar aquele velho xaveco do "me dá um capacete que eu divulgo a sua marca". Por isso a surpresa de comprar um capacete após tanto tempo e descobrir que fiz uma ótima escolha.
Como escolher
O que para qualquer pessoa é uma atividade normal, comprar capacete foi algo quase inédito pra mim. Fiquei imaginando a dificuldade que as pessoas devem ter na hora da escolha, porque são centenas de opções, com preços que variam de R$ 150,00 a R$ 5.000. Por isso decidi ajudar criando uma espécie de guia de como escolher o capacete.
É muita opção de capacete no mercado! (Foto: Luna Bartlewski)
Em primeiro lembre que é a TUA vida que está em jogo. Fico verdadeiramente enraivecido quando vejo pessoas até esclarecidas comprando o que existe de mais barato, com a única intenção de cumprir a lei. O cérebro é um órgão vital (sim o bolso também é) e uma lesão pode gerar graves seqüelas permanentes. Por isso a minha primeira dica é: não economize na sua vida!
Se existe uma variedade de preços tão grande não precisa apelar para as extremidades. Nem precisa comprar o de R$ 5.000 e muito menos um de R$ 150. No meio do caminho tem uma infinidade de modelos que conseguem reunir custo decente com alto nível de proteção. Mas tente interpretar o valor como um investimento, no qual o maior rendimento é a segurança. Lembre que capacetes duram muito. Se não ocorrer nada de grave, pode calcular cinco anos para um uso normal. Já os motofretistas consomem mais rápido porque ficam expostos mais tempo ao sol e o ato de tirar e colocar o capacete comprime a camada de estireno (isopor). No caso deles o capacete deve ser trocado anualmente. Mas você não fica na rua oito horas por dia, portanto, pode gastar mais porque na ponta do lápis, um capacete de R$ 5.000 significa um investimento de R$ 83 por mês, que é bem pouco pelo enorme benefício que oferece.
Mesmo para andar de scooter deve-se usar um bom capacete: o asfalto é o mesmo! (Foto: Mario Villaescusa)
A segunda pergunta que se deve fazer é "para que eu quero um capacete?". Sim, porque existe desde o capacete de fora-de-estrada, até os "jets" que são os abertos. Antes de mais nada saiba que a dureza do asfalto não muda quando se roda de moto pequena ou scooter. Uma das maiores bobagens que vejo nas ruas são pessoas que usam capacete aberto porque rodam de scooters. Saiba que a dureza do asfalto é a mesma e 35% dos traumas crânio-encefálico acontecem por compressão do maxilar. As velocidades mais comuns de acontecer acidentes são abaixo de 50 km/h, por isso não importa o tamanho da moto, mas sim o tamanho da pancada!
Um modelo bem versátil são os de fora de estrada, que permitem boa ventilação, mas devem ser usados com óculos próprios e não são recomendados para alta velocidade porque a pala (pára-sol) empurra o capacete para cima. Alguns tem viseira mas aí já é melhor comprar logo um capacete integral esportivo mesmo.
Capacete off-road funciona bem se não atingir altas velocidades. (Foto:Caio Mattos)
Já o modelo articulado (chamado de Robocop) é um dilema porque é muito versátil para quem trabalha nas ruas todos os dias, mas o pessoal acaba usando ele aberto o tempo todo, reduzindo a eficiência. Além disso existe uma lei federal que exige a retirada do capacete para entrar em locais públicos (inclusive - pasme - posto de gasolina!). Também são mais frágeis na região do maxilar por causa do mecanismo de abertura. Esse capacete foi criado pela polícia alemã e deveria ser restrito ao uso militar.
Às vezes ficamos horas com o capacete enfiado na cabeça, portanto ele precisa ser confortável. Deve ficar justo, sem pressionar demais, mas jamais folgado. Alguns capacetes entram na cabeça tão folgados que parecem um sino de Igreja. O capacete deve "abraçar" com suavidade o rosto do motociclista.
Capacete articulado é bom, mas tem de mantê-lo fechado. (Foto: Bruno Guerreiro)
Pequeno, médio ou grande
Apesar de o Brasil ter um mercado de motos bem estabelecido, as marcas de capacete ainda trabalham com uma grade reduzida de tamanhos. Para saber qual o número do seu capacete é simples: pegue uma fita métrica dessas de costureiro e meça o perímetro da cabeça na altura da testa. O número que aparecer na fita é o mesmo do capacete. Normalmente entre os homens é de 57 a 60. O problema é que só as marcas mais sofisticadas tem numeração com escala de um e um centímetro. Os capacetes mais simples só oferecem números pares: 56, 58, 60 etc. Entre o maior e o menor escolha o menor porque ele lasceia rapidamente. Se o motociclista usa óculos de grau não esqueça de provar o capacete com óculos!
Existem dois tipos de fivela dos capacetes: a de duas argolas, usada principalmente em modelos de competição, e as fivelas de engate rápido, tipo de cinto de segurança. As duas oferecem um alto grau de segurança, mas no caso do engate rápido devemos lembrar que todo engate de plástico apresenta desgaste, enquanto no caso das argolas de metal a durabilidade é quase infinita.
O capacete já salvou minha vida também na escalada. (Foto: Leandro Montoya)
Com relação ao material do casco, também encontramos dois tipos no mercado: o plástico injetado e as fibras compostas. Assim como no caso das fivelas, os dois oferecem segurança e são aprovados pelas normas técnicas de vários países. No caso do casco de plástico, por ser injetado, a produção é em larga escala, fazendo com que o custo unitário seja menor. Enquanto no caso da laminarão o processo de fabricação é mais lento, por isso a escala é menor elevando o preço unitário.
Independentemente disso, os capacetes de fibra podem resistir a mais de uma batida no mesmo local porque a fibra tem a capacidade de se regenerar em segundos, enquanto no caso do plástico a área impactada fica comprometida. De toda forma, quando cair e bater o capacete no chão ele deve ser substituído, seja de plástico ou de fibra.
Também já bati o cucuruto andando de skate! (Foto: Douglas Gonçalves)
Tão importante quando o material do casco é a espessura da calota interna de estireno (chamado comercialmente de Isopor). Esse é um material que não tem efeito memória, como uma espuma. Quando o estireno é amassado ele não volta ao tamanho original e é isso que deixa o capacete folgado depois de alguns anos. O simples ato de colocar o capacete já causa esse "afrouxamento" e quando um capacete fica folgado a ponto de girar na cabeça é hora de aposentar.
Sei que dói aposentar um capacete, principalmente quanto está novo, mas um capacete folgado pode até sair da cabeça durante uma queda. Lembra do primeiro conselho lá em cima: é sua vida que está em jogo, não economize porque um dia de UTI custa muito mais caro do que qualquer capacete!
Existe um mito quando se trata de capacetes. Tem gente que acha que ele deve ser duro, quando na verdade ele deve ser flexível! Se fosse para ser duro seria feito de ferro fundido e não de fibras e plástico. O casco não é o responsável pela absorção do choque, ele recebe a pancada mas quem distribui e absorve a maior parte da energia é o estireno. Por isso o capacete deve ser trocado quando essa calota interna de isopor fica amassada, a capacidade de amortecer o impacto fica menor.
Na estrada o modelo fechado (integral) é o mais confortável. (Foto: Vespaparazzi)
Já sabemos que é o estireno o grande responsável por dissipar e absorver a energia, portanto quanto mais grossa for essa camada melhor. Sim, daí vem outro acessório que tem se tornado um calcanhar de Aquiles: a viseira escura interna. Para abrigar essa viseira escura a camada de estireno precisa ser reduzida pela metade na altura da testa. Se por um lado é legal ter uma viseira escura, por outro saiba que sua cabeça está mais exposta! Ah, e se rodar com a viseira externa aberta e a viseira interna abaixada ainda pode ser multado porque o Denatran não reconhece essa viseira interna como peça homologada.
Belo e durável
Até aqui não comentei nada sobre a parte estética. O que para muitos - como no meu caso - é o primeiro item na hora da escolha, para outros nem passa perto. Pode olhar em volta e perceber que tem gente que escolhe capacete como se fosse um mal necessário. Usa com raiva!
Motociclistas que amam moto (como eu) faz do capacete uma extensão da personalidade. Por isso precisa ser bonito (como eu!) e refletir a paixão pelo veículo. Capacete velho ou sujo, com a viseira riscada só pode indicar uma pessoa relaxada e descuidada. Manter um capacete é bem mais fácil do que parece.
A limpeza da calota externa é feita apenas com esponja, água e sabão. Nada de solventes, álcool etc. Tem produtos específicos para limpar plástico, mas água e sabão são mais do que suficientes. A viseira merece atenção especial porque um pequeno risco pode ser um eterno aborrecimento. E viseiras são caras! Limpe com algodão, seque bem e depois passe alguma cera líquida polidora para que as gotas de água não grudem na viseira quando chove.
A parte interna merece muita atenção porque o suor gera fungos e bactérias que causam odor e aspecto viscoso. Quando pegar chuva o ideal é secar com secador de cabelo (na temperatura média) e periodicamente deixar exposto com a abertura para o sol. Pelo menos uma vez por mês pode aspergir spray de desinfetante tipo Lisoform. Capacetes precisam de luz, mas não gostam de ficar muito tempo no sol, por isso deixe somente o necessário para secar a espuma interna.
Em pista o capacete deve ser bem apertado, senão compromete a visão. (Foto: Caio Mattos)
Uma pergunta freqüente entre os motociclistas é se pode ajustar o capacete quando ele fica folgado. Existem especialistas de confiança que conseguem trocar a forração interna para ajustar ao tamanho da cabeça. Se for só um ajuste fino, quando não conseguiu encontrar o tamanho correto, OK, pode mandar ajustar. Mas se for porque ele ficou velho é melhor trocar, porque é sinal que a camada de estireno já está muito compactada.
Bom, sou um usuário de capacete desde os 12 anos de idade, quando ganhei minha primeira moto e ainda não era obrigatório. Bati muito a cabeça ao longo de todos esses anos competindo nas mais diferentes modalidades de motociclismo esportivo e aparentemente estou normal. Além disso uso capacete na bicicleta, nas escaladas e agora no skate. Em todas essas atividades já sofri acidentes nos quais o capacete salvou minha cabeça, por isso conheço bem de perto a importância desse equipamento. É como se você tivesse duas cabeças: uma para bater à vontade e outra para preservar seus miolos.
Uma das principais funções do capacete é reduzir a desaceleração causada por uma queda, que pode ser muito devagar (até mesmo caminhando a pé) ou em velocidade. O trauma crânio-encefálico (TCE) começa pela desaceleração causada pelo impacto, que pode iniciar uma concussão cerebral, evoluir para um edema e até a morte cerebral. E se engana quem acha que os capacetes de bicicleta são apenas enfeites. Quem acha capacete uma frescura pode fazer o seguinte: vem correndo a pé e bate a cabeça na parede com tudo! Depois me conta como foi lá no hospital!
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