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As verdadeiras lições das pistas

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(No começo... aos 17 anos no kart)

 

Por várias vezes escrevi sobre as técnicas de competição que ajudam a pilotar nas ruas, seja de moto ou carro. Correr em qualquer modalidade motorizada contribui demais para melhorar a segurança nas ruas e estradas, porque eleva exponencialmente a capacidade e habilidade dos motoristas e motociclistas.

 

No entanto existem muitas outras lições que as pistas ensinam que parecem menos óbvias. O valor da disputa leal ou a melhor forma de enfrentar uma briga desleal. A humildade com relação aos próprios limites. A capacidade de aceitar uma derrota, mesmo que corroa as entranhas, da mesma forma que festeja uma vitória.

 

Só que existem muitas outras lições aprendidas nas competições motorizadas. Como passei 22 anos competindo em diferentes modalidades, tive a chance de aprender muito sobre o relacionamento humano, muito além das técnicas de pilotagem e mecânicas.

 

Logo nos primeiros passos como piloto, aos 17 anos, eu competia de kart contra pilotos mais velhos e experientes. Alguns até casados, com filhos, mas que se divertiam no kart e levavam a modalidade tão a sério como se estivessem num grid de Fórmula 1. Quando eu dividia o box com um piloto mais velho notei que ele estava apreensivo e fui conversar. Ao explicar o motivo da preocupação ele justificou:

- Minha mulher não quer que eu corra, preciso fazer escondido!

 

- Ora, que bobagem, respondi, aqui está cheio de piloto que corre escondido dos pais! Eu mesmo comecei escondido do meu pai.

 

Aí ele deu a resposta que nunca mais esqueci:

 

- É diferente, os pais nasceram para ser enganados, faz parte da função de ser pai e mãe e eles sabem disso. Mas com a esposa é diferente, ela está na nossa vida por opção e não por destino. Mentir para esposa é mentir pra si mesmo!

 

Pouco tempo depois desse diálogo ele desapareceu. Preferiu parar de correr. Tudo bem, o mundo não perdeu nenhum gênio do automobilismo mundial, mas ganhou um marido que me deixou uma grande lição de vida.


(Tempos de fora-de-estrada)

 

No off-road

Quando virei jornalista especializado logo fui escalado para cobrir os eventos fora-de-estrada porque eu já tinha experiência de motocross e enduro e grandes conhecimentos de fotografia. Nas competições de enduro eu colocava a mochila nas costas, montava em uma moto preparada e entrava nas trilhas junto com os pilotos, no meio da competição.

 

Foi assim que conheci os mais importantes pilotos de enduro da época. Virava e mexia inventava pauta só com o pretexto de reunir esse pessoal e curtir uma bela trilha com verdadeiros professores de pilotagem. Nenhuma escola de pilotagem poderia ser mais eficiente do que dividir a trilha e as cervejas com campeões do enduro da Independência.

 

Foi assim que fui parar nas trilhas mineiras ao redor de Belo Horizonte na companhia dos maiores especialistas em pilotagem off-road do Brasil. Entre uma sessão de foto e outra eu aproveitava para aprender o máximo tanto de pilotagem quanto de preparação da moto, equipamento, estratégia etc.

 

Ao final da reportagem, comemorando o ótimo dia de trilha, sentamos todos em um bar no meio do nada e começaram as histórias, algumas devidamente exageradas, obviamente, porque o trilheiro é quase um pescador e adora aumentar os feitos. Uma poça d'água vira um afluente do Amazonas em questão de minutos. E um barranquinho chega ao nível do Pico da Bandeira!

 

Até que o papo descambou para um assunto inesperado: a higiene pessoal. Mais especificamente certas necessidades vitais que assolam a pessoa no meio do mato, em pleno enduro, entre nada e coisa alguma. Das variações mais elementares, como levar um pouco de papel higiênico até as naturais como uma  folha qualquer e um córrego. Até que alguém lembrou a novidade - na época - dos lenços umedecidos, feitos para limpar bumbum de nenê. Uma invenção tão incrível que passou a ser adotada por quase todos os pilotos, inclusive um que levou a "tecnologia" para o rali mais difícil do mundo, o Paris-Dakar.

 

De todas as lições que poderia ter aprendido nas competições fora-de-estrada jamais poderia imaginar que a mais importante e duradoura seria uma nova forma de limpar a bunda! Que aliás adotei para sempre!!!

 

Quanto custa um F-1?

Uma das maiores incentivadoras da minha vida de piloto foi minha mãe. Quando fui comprar o primeiro kart ela me levou na fábrica e fez questão de escolher pela cor: vermelha! Eu jamais pensaria em nenhuma cor...

 

E logo nas primeiras corridas eu consegui um segundo e um terceiro lugares o que já me fez imaginar pilotando um Fórmula 1 em pouco tempo. Claro que a realidade se encarregaria de me mostrar que eu era apenas mais um adolescente sonhador.

 

Tudo bem, porque adolescentes vieram ao mundo para sonhar e graças a esta capacidade o mundo foi moldado em vários aspectos da arte, cultura, política e esporte.

 

Desse período inicial no kartismo eu tirei várias lições de vida que trago até hoje. Inclusive sobre ética e honestidade nas competições motorizadas, conceitos estes que simplesmente não existem! Uma vez que alguém se predispõe a entrar nestas competições com claro objetivo de ser bem sucedido a primeira lição é esquecer qualquer vestígio de decência, seja na preparação do equipamento ou no comportamento em pista. Como eu sempre repito "piloto bonzinho nasce morto".

 

Felizmente tive tempo de receber uma das mais puras e singelas lições de vida que só vim a saber muito tempo depois. Logo após chegar em casa com dois troféus e dois pódios consecutivos minha mãe chamou meu irmão mais velho de lado e perguntou quanto custava um carro de Fórmula 1. Sem dar muita atenção à pergunta, meu irmão simplesmente respondeu que era uma fortuna e quis saber o motivo do interesse.

 

- Vamos comprar um Fórmula 1 pro Tite correr?

 

Bom, diante da risada do meu irmão acho que minha mãe percebeu que era um sonho impossível.

 

Eu mesmo só soube desse diálogo alguns anos depois e me tocou profundamente. Só neste dia percebi a dimensão de ser mãe e a distância que existia da imagem de heroína e super-mulher que eu trazia para a realidade de uma mulher criada na simplicidade do interior, tão sábia para mim, mas tão ingênua com relação a tantos outros assuntos. Como assim comprar um Fórmula 1?

 

A partir desse dia - e até hoje - mudou completamente meu relacionamento com a minha mãe. Felizmente para melhor. Desde esse dia passei a querer que minha mãe conservasse para sempre essa pureza de acreditar na simplicidade, como as crianças. E assim percebi que sempre tive ao meu lado uma grande criança sonhadora, como eu...até hoje!

 

 

 

 

 

 

 


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